Capítulo um

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Meu nome é Emily Sanders e eu sou a pessoa mais insociável da face da Terra. Tenho vinte e um anos e dez meses, beijei três caras na vida e só não sou virgem porque estava bêbada. Odeio me socializar com os outros, faço faculdade à noite porque é o período mais vazio e praticamente não tenho amigos. Moro com meus pais até hoje, não tenho nenhum tipo de válvula de escape para a vida miserável que eu vivo e a única pessoa com quem mantenho frequente contato é meu melhor (e único) amigo, Ashton Ford.
Meu pai morreu quando eu tinha oito anos. Ele era meu herói. E vai ser para sempre, na verdade. Mas depois de sua morte, eu me fechei completamente para o mundo. Entrei em uma depressão nada saudável para uma criança de oito anos. Minha mãe não sabia o que fazer. Ninguém sabia o que fazer. Eu não comia, não saía do meu quarto, não falava com ninguém, não tomava banho, não ia à escola. Mas minha professora de primeira ou segunda série forçou um aluno a me entregar todas as tarefas e o conteúdo, para que, quando eu me sentisse boa novamente, eu pudesse acompanhar o que a professora ensinava. O tal aluno vinha todos os dias à minha casa, deixava as tarefas na minha escrivaninha e me forçava a comer um ou dois biscoitos. Ficava comigo das duas às seis da tarde.
Era a única pessoa com quem eu falava. Eu não abria a boca nem com a minha própria mãe. Ele me fez enxergar que eu não poderia ficar daquele jeito para sempre, me fez ver que o que eu estava passando era, sim, um período absurdamente difícil, mas que eu tinha que continuar minha vida. Ele me fez perceber que meu pai sempre estaria comigo, de um modo que eu não podia enxergar, mas podia sentir. Ele me fez acreditar em anjos. Ele praticamente me trouxe de volta à vida. E tudo isso com apenas oito anos.
Esse garoto se chama Ashton Ford e é a melhor pessoa do mundo.
— Emy! — Ele exclamou ao me ver parada na frente da sua porta. — O que você tá fazendo aqui, garota?
— Oi, Ash. Preciso falar urgentemente com você. Tipo... Sério mesmo. E tem que ser agora. — Eu disse, e podia ouvir alguns gritos vindos de dentro da república em que ele morava. Era mista. Eu podia ouvir gritos dos garotos jogando videogame, das garotas tentando cozinhar, dos casais fazendo sexo. Típica república universitária.
Ele olhou para o lado de dentro e me disse para esperar por um só minuto. Fiquei ali, olhando as outras casas da rua. Eu poderia morar em uma delas, se fosse uma garota sociável. Mas eu não era uma garota sociável. Ash voltou em poucos instantes, vestido com um casaco amassado por cima da roupa que já estava usando e me perguntou aonde iríamos. Ele sabia que, quando a conversa era urgente, eu não podia ficar parada. Tinha que sair de casa, andar; ou não conseguiria dizer as coisas com clareza.
Fomos em completo silêncio à praça mais próxima. Ele andava normalmente, com as mãos nos bolsos da calça, acenando com a cabeça para as pessoas que conhecia – quase todas. Ash era extremamente popular. Sempre foi. No ensino fundamental, no ensino médio, na faculdade, na empresa do pai...
Ai meu Deus, a empresa do pai!
Chegamos à pracinha e nos sentamos em um banco qualquer. Algumas pessoas olhavam torto. Todos se perguntavam por que o cara mais popular, bonito, engraçado e simpático era melhor amigo da excluída social.
Nossa, como isso é clichê.
Ele sentou-se virado para frente, eu me sentei meio de lado, com uma das pernas sobre o banco. Fiquei encarando seu perfil até ter coragem de falar.
— Você ficou sabendo do que nossos pais querem fazer para continuarem donos da empresa? — Perguntei, e ele finalmente se virou pra mim. Seu olhar confuso demonstrava que não, ele não sabia de nada. — Querem casar os filhos uns com os outros.
Ash era muito lerdo. Demorou eras pra entender. E quando o fez, entendeu errado.
— Querem nos casar? — Ele quase gritou, se levantando do banco. Eu ri de seu desespero e o puxei para sentar de novo. Ele o fez, mas eu continuei com minha mão no seu braço. Estava tão frio e Ash era sempre tão quente...
— Querem me casar com um tal de Edmund Collins.
— Edmund Cooper? — Ele perguntou divertido.
— É, tanto faz. Querem me casar com ele. E eu não quero me casar com ele! A gente tá no século vinte e um, sabe? É ridícula essa ideia toda. — Eu exclamei e ele voltou a ficar sério. Ficamos em silêncio por pouco tempo enquanto Ash pensava em algo que não sei e eu respirava fundo para continuar. — George disse que não há nada a se fazer, eu tenho que me casar com Edward...
— Edmund. — Ele corrigiu, rindo novamente.
— Tanto faz, Ashton! — Eu briguei, não querendo ser interrompida, e ele riu mais ainda. — George disse que eu só posso me livrar do casamento com o cara se eu já estiver namorando alguém. E aí...
— E aí o que? — Ele me incentivou, já que eu fiquei meio sem ar e não consegui continuar.
— Eu acabei inventando que já tinha namorado no desespero do momento. — Eu disse e ele soltou um grunhido como se entendesse. Mas como eu já disse, Ash era lerdo demais. Rolei os olhos e bufei. — Ash, eu disse que namorava você!
—- O QUE?

💍


— Ashton, volta aqui! — Eu gritava, tentando acompanhar seu ritmo. Mas como ele praticava duzentos e não sei quantos esportes e eu só saía de casa para ir à faculdade, era óbvio que eu não acompanharia sequer uma lesma.
— Meu Deus, como você tem merda na cabeça, Emily! — Ele gritou de volta, andando mais devagar.
Sim, ele estava andando esse tempo todo.
Não me julgue, ele anda rápido!
— Me desculpa, Ashton!
Ele finalmente parou de andar, “estacionando” no meio da rua. Respirou fundo antes de virar-se em minha direção. Ele me olhava nervoso, e eu me segurava para não rir — Ash nervoso é hilário! Cheguei mais perto, para que não precisasse gritar no meio da rua o plano que havia bolado em casa depois de deixar minha boca grande falar por mim.
— Pensa bem, Ash! Pode ser bom pra nós dois! — Eu afirmei, mas ele continuou com a mesma cara de bosta. Rolei os olhos discretamente e cheguei ainda mais perto, apoiando as mãos em seus ombros. — Olha só, você quer se casar com Kimberly? Ou com Brigitte?
Na mesma hora em que perguntei isso, ele fez uma careta, negando fervorosamente com a cabeça. Não era difícil entender o porquê.  Kimberly e Brigitte não eram exatamente sinônimos de simpatia...
— Então! Além de serem absurdamente insuportáveis, coitadas, ainda são completas desconhecidas. Se fingirmos que estamos namorando, poderemos “nos casar” num futuro bem distante, porque seu pai já tem certeza que você vai pegar o lugar dele na empresa, porque você é apaixonado por administração, diferente de todos os outros filhos de donos.
Ele ficou em silêncio por certo tempo. Eu estava aflita, queria que ele respondesse logo. Ele tinha que aceitar a proposta, ou eu estaria frita! E ele também, e ele sabia disso. Então por que ele estava demorando tanto para responder?
Aproximei-me só mais um pouquinho, o suficiente para encostar meu peito ao dele. Abracei-o pela cintura, apertando-o contra mim com força, como se para fundir nossos corpos. Fechei os olhos e fiz a cara mais convincente que podia.
— Vamos lá, Ash... Aceita a proposta. Você sabe que é uma boa ideia, eu sempre tenho boas ideias. Você mesmo fala isso o tempo todo.
Apertava meus olhos com força, torcendo para que desse certo. Ash era um cara molengão, se derretia com qualquer demonstração de afeto, contanto que fosse verdadeira. Ele sabia que a minha, apesar de ter uma intenção aproveitadora, era verdadeira. Eu tinha quase certeza de que aquele plano daria certo, porque eu nunca demonstrava carinho por ele, e quando o fazia, ele ficava todo mole e geralmente fazia tudo que eu pedia.
— Tá certo. Mas saiba que não é só porque você me abraçou! Eu estava pensando na situação. — Ele disse, e eu comemorei com um gritinho, pulando em cima dele. Ele riu e me abraçou de volta. — Isso vai dar tanta confusão em algum momento, Emily. Você tá fazendo a coisa errada e sabe disso.
— Diga isso para os meus pais, que querem me casar com um completo desconhecido! Eu preferia me casar de verdade até com você! — Eu respondi, e ele fez uma falsa cara ofendida— – Ok, depois que sair da faculdade, me liga. A gente vai pra algum lugar planejar a nossa história de amor. — Rolei os olhos com a ideia, mas continuei sorrindo como uma pateta. Pelo menos não iria me casar com Edvald...
É esse o nome dele?
— O que? Ah, sim... — Ele deu um sorrisinho, percebendo que realmente teríamos que inventar algo bem convincente. Parou por alguns segundos e, então, deu um sorriso que eu consideraria maligno em outra pessoa. Mas Ash era tudo, menos maligno, então não podia ser nada demais. — Bom, então é isso. Até amanhã, Emy.
Ele me abraçou mais uma vez, me deu um beijo na testa e saiu andando em direção à própria república com o mesmo sorriso estranho no rosto. Ignorei o fato, apesar de ter achado um pouco bizarro, e apenas fui em direção ao ponto de ônibus mais próximo.

Namorado "Inventado" [Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora