CAPÍTULO QUARENTA E TRÊS

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Talvez uma família


Ergui meu olhar e o deixei sobre a pedra esculpida o fixando ali, fazia algum tempo que estávamos em silêncio. Uma corrente de vento frio acertou meu rosto fazendo algumas mechas de cabelos voarem por meu rosto e o ar entrar queimando por minhas narinas.

O silêncio caminhava entre nós fazendo barulho, e a multidão permanecia quieta sentindo a dor que a honra traz.

Engoli a saliva em minha boca reconhecendo os nomes esculpidos ali e a cada um, cada pessoa que virou uma simples palavra talhada naquela pedra tinha lembranças consigo, carregavam significado e memórias que agora, eram só nossas.

Tian e tawe Harizaki, dois irmãos que viviam fumando perto do telhado do QG enquanto faziam o turno de vigia.

Khev Muy, um rapaz sorridente que costumava dividir bolo comigo, desde quando eu ainda era uma subordinada.

Talina Hosuro, uma mulher de feições fechadas que não conversava muito, tinha uma cicatriz que cruzava a face e ia até o pescoço, mas ainda assim, sempre cuida a dos companheiros de time.

Morian Nakoto, um rapaz de dezoito anos que havia acabado de entrar e sempre roubava as flores que Tian plantava para levar para a irmã de oito anos.

Cerrei os punhos enquanto lembrava de cada pessoa que andou pelo QG algum dia e agora não poderá receber... não poderá receber um abraço.

Amaldiçoei-me por ter voltado. Porque era injusto, era muito injusto minha vida ser poupada e a deles não. O que eu tenho a oferecer para esse mundo a mais do que eles?

É uma questão sem cabimento, não há formas de explicar o porquê essa balança é tão desigual.

Inflei os pulmões sentindo um peso descomunal se fazer sobre minhas costas. Foi meu plano que levou todos até lá. Fui eu.

Encarei mais uma vez a pedra gigante a frente e então olhei de soslaio para Kimiharu ao meu lado. Ele estava em completo silêncio também, embora seus olhos estivessem movendo-se lentamente lendo o mesmo que eu anteriormente. Olhei sorrateiramente para meu outro lado, onde Haruze se encontrava. Tinha o rosto congelado numa expressão neutra assim como todos ali, mas seus olhos a entregavam. O castanho rosado estava brilhando, mas ela não derrubou nenhuma lágrima.

Era fato que Haruze já havia cuidado da maioria de nós Anbus, era um senso comum entre nós que ser tratados por ela era melhor do que pelo velho enfermeiro que fedia a álcool na maioria do tempo. Entretanto, agora ela provavelmente está fazendo o mesmo que eu, todos estamos.

Ergui o queixo voltando meu olhar ao monumento.

Meu plano. Meus soldados. Meus amigos. Minha família. Minha responsabilidade. Minha culpa.

Não há nada mais para fazer a não ser tentar preencher a lacuna deixada com lembranças, é apenas isto que nos resta, em memória e honra de todos eles, presto meu respeito a suas vidas.

Abaixei-me até estar de joelhos no chão e senti em torno de mim todos os olhares. Curvei meu tronco para frente levando as palmas das mãos no chão e fechei os olhos quando encostei a testa nelas.

Cerrei os dentes sentindo a dificuldade para respirar, para pensar e sentir algo além de dor, uma dor tão profunda e mórbida que atingia meus ossos.

- Perdão.

Sussurrei baixinho apertando os olhos.

Eu recusava chorar na frente dos meus. Recusava demonstrar fraqueza quando tinham outros que precisavam saber que tudo ficaria bem.

I Kill You  +18Onde histórias criam vida. Descubra agora