capítulo 11

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Desci as escadas devagar, deliciando-me com o aroma de manjericão e orégano que inundava minhas narinas. Melyssa estava sentada sobre o tapete felpudo, a caixa que abrigava nosso jantar apoiada sobre os joelhos, e uma fatia da pizza a caminho da boca.
— Você toca? — Deixei que meus dedos acariciassem o suave atril do piano que encontrava-se majestosamente no caminho até Melyssa.
Ela balançou a cabeça, assentindo conforme continuava a mastigar e entregou-me uma pequena garrafa de um vidro amarelado que abrigava algum tipo de bebida.
—Beba. É cerveja — Ela observou conforme eu analisava atentamente minha garrafa. Melyssa pegou a sua própria e bateu suavemente contra a minha, provocando um leve retinir antes de levar os lábios brilhantes pela gordura da pizza ao gargalo e entornar o líquido. Imitei seus movimentos e senti o amargor preencher minha garganta, fazendo uma careta em seguida, o que gerou uma gargalhada tão forte em Melyssa que um pouco da cerveja escorreu pelo canto de seus lábios. — Nunca bebeu em sua vida, não é? — Ela limpou a boca com o dorso da mão e voltou sua atenção a mim— Fico surpresa por Caio não ter lhe ensinado.  Aquele garoto é um beberrão, precisa vê-lo nas festas de fim de ano.
—Imagino— Baixei a cabeça ajeitando o tecido das roupas um pouco justas que ela havia oferecido, e senti o olhar de Melyssa se suavizar, percebendo seu erro.
— Desculpe. É difícil me lembrar das condições absurdas pelas quais você passou.
— Como aceitou tão rápido? — Reivindiquei um pedaço de pizza que parecia maravilhosamente delicioso, ainda não a encarando quando completei: — Quero dizer, é insano, tudo isso. Eu provei a Caio, de certa forma, mas nada provou a você que toda essa situação é verdade.
Ela liberou uma gargalhada grave antes de ponderar alguns segundos em silêncio absoluto. Até seus dentes pareciam empenhados em trabalharem com quietude ao mastigarem seu pedaço de pizza. Quando Melyssa finalmente cortou o silêncio, soou com uma voz carregada:
— Sabe, você não é o único que passou por circunstâncias inexplicáveis e complicadas. E se toda essa bagunça se mostrar uma verdade absoluta— Ela deu de ombros— Quem se importa? Não posso julgá-lo por algo que está além de seu controle.
Você não é o único que passou por circunstâncias inexplicáveis e complicadas. As palavras me atingiram como açoites conforme eu tentava inutilmente processar a informação. Ela já havia presenciado situações semelhantes antes, percebi com algo próximo à esperança conforme as palavras se assentavam e uma dúvida intrincada se instalava tentada a invadir o espaço profundo em minha mente, onde aquela muralha de pedra forjada por pura insistência e força de vontade agora ondulava com o rugido que ampliava rigidamente em seu interior. Ela não resistiria por muito mais tempo. E quando desabasse, eu não poderia saber o que restaria de mim mesmo. E desse mundo.

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Quase murmurei uma oração de agradecimento quando minha cabeça abarrotada e dolorida atingiu o travesseiro na escuridão acolhedora do quarto. Considerando a exaustão que os últimos dias me garantiram, eu acreditava que não demoraria muito até que a inconsciência serena combatesse a inquietude desconcertante entranhada no fundo de meu ser, mas os pensamentos incessantes que continuavam vindo em uma avalanche, trazendo em seu encalço a preocupação e as perguntas agitadas eram um indicativo de que aquela noite seria mais longa do que eu havia imaginado.

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