capítulo 12

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A preguiçosa melodia me acordou no início da manhã. Eu não poderia dizer que dormi por mais de algumas poucas horas, mas me senti satisfeito com a sinfonia de ritmo compassado que me acolhia de forma tão calorosa que quase me convencia a levantar da cama quentinha.

Resmunguei ainda hesitante envolto nos lençóis, mas acabei me rendendo à música e me levantei, partindo para as escadas.

— Como você pode saber? — A voz de Melyssa atravessou a melodia quando cheguei aos últimos degraus, o doce de sua voz escorrendo através dela como o açucarado néctar derramando-se pela completude de uma flor perfumada, apenas para concluir sua perfeição.

— Porque sou vidente. Você deveria me ouvir mais vezes. — Era o timbre de Caio dessa vez, e ao contrário de Melyssa, sua voz grossa e afiada nada se comparava ao entonar da música, cortando-a como o estrondo do trovão destacando-se em meio à tempestade.

Entrei na cozinha enquanto Melyssa liberava uma gargalhada alta, os olhos fechados enquanto jogava sua cabeça para trás, Caio sorria sentado a sua frente, seus dedos acomodados ao redor de uma xícara.

— Sobre o que estão falando? — Agarrei o biscoito que Caio levava a boca e sorri para sua careta antes de dar a primeira mordida.

— Sobre o gosto musical terrível de Caio — Melyssa respondeu fazendo a careta dele se alargar— Ele deveria estar bêbado quando definiu sua playlist, não seria nenhuma surpresa.

— Não achei a música ruim— Apontei para a caixa de som— É muito boa aliás.

— Porque eu escolhi. Preferiria tacar fogo nessa casa a permitir que a seleção de Caio sintonizasse com aquele alto-falante. — Caio quase engasgou com seu café.

— Por todas as coisas sagradas. Deixe de ser exagerada, mulher!

Não consegui evitar antes que a risada escapasse sorrateira de meus lábios, eu poderia me acostumar com as manhãs assim.

— A propósito, por que está aqui tão cedo? — Perguntei.

— Trouxe roupas novas pra você, para que deixe de usar as cuecas do irmão de Melyssa.

— Que gentil. — Respondi sarcástico enquanto ele apontava para a mochila sobre o divã na sala de estar.

Sento-me em uma cadeira alta ao lado de Caio e me debruço sobre o balcão, Melyssa oferece uma xícara fumegante e aceito, meneando a cabeça com um agradecimento silencioso.

— Faltam duas semanas até as aulas da faculdade retornarem, Caio e eu geralmente aproveitamos o verão fora do acampamento nesse período.

— Vocês dois não perdem tempo. — Respondo a ela antes de inalar o vapor deliciosamente quente que resvala pelo meu rosto frio e sonolento da manhã, sentindo com delírio o cheiro forte e tentador do café.

— Eu não costumava ser um festeiro, mas uma vida convivendo com maus exemplos teve seus resultados.

— Não tente fingir inocência, seu descarado. Teve tanta culpa por seu estilo de vida quanto suas más influências. — Melyssa o cortou como um punhal, mas Caio não deu atenção ao insulto, bebendo de seu café e ignorando o olhar cortante que poderia me deixar de joelhos. —Enfim, Caio e eu estávamos pensando em ir a algum lugar— Ela dá de ombros— Talvez alguma cidade decente que tenha uma boate de verdade. Você poderia ir conosco.

— Claro— Eu não sabia ao certo com o que exatamente estava concordando, mas estava começando a gostar de passar meu tempo com esses dois, suas incessantes provocações e divertimento despertam memórias de casa que eu pensei ter há muito esquecido, e afastam a inquietação em meus ossos que me prendem permanentemente em uma névoa obscura de medo e desespero. — Acho que preciso me divertir um pouco.

— Do que você precisa é aprender a beber — Caio colocou o braço sobre meus ombros e piscou um olho em minha direção — Melyssa me contou sobre essa calamidade e eu me recuso a viver por mais um segundo sem aliviar seu sofrimento. Você começa suas lições essa noite.

Aquilo soou tão sério que se parecia mais com um presságio. Sem me arriscar a discordar concordei com a cabeça desvencilhando-me de seu braço e debruçando-me novamente sobre o balcão. Minha mente flutuando com a música enquanto o conteúdo em minha xícara se esgotava e a discussão sobre o lugar onde passaríamos a noite se acalorava entre os dois, eu não me atrevia a interromper, satisfeito ao me divertir com os insultos, carrancas e o escárnio infindável que provocava minhas emoções, como cócegas, fazendo-as despontar. Curiosas. Até mesmo a mais tímida delas, rodopiando entre uma e outra até finalmente conseguirem se decidir por sua predominante. Uma emoção que imaginei ter perdido a tempos, temi que tivesse definhado e sucumbido ao medo por trás daquela muralha intimidadora em minha mente. O sentimento de Lar. 

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⏰ Última atualização: Jul 17, 2022 ⏰

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