Capítulo 5

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O tom das vozes femininas subia e descia, pontuado por risadas e ruídos de xícaras de café. Umm Faisal convidara as amigas para conhecerem Felicia e, a julgar pelo número de mulheres aglomeradas na sala, a anfitriã devia conhecer toda a população feminina da cidade.
A maioria das visitantes era da geração de Umm Faisal e, de uma janela no andar superior, Felicia as vira quando saíram de carros luxuosos, os corpos pro-tegidos por túnicas pretas e pesadas, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda. Uma vez dentro de casa, no entanto, as túnicas foram dispensadas como crisálidas, para revelarem roupas da luxuosa moda parisiense e jóias que rivalizavam com as européias.
Do lugar em que estava, sentada de pernas cruzadas sobre uma almofada damascena, Felicia escutava a vizinha descrever uma recente visita feita aos EUA. Todas as mulheres falavam inglês, embora às vezes com sotaques que tornavam quase impossível para ela reconhecer a língua nativa.
Aquela era a primeira vez que Felicia observava o ritual formal de recepção de convidados à moda árabe, a rica hospitalidade e as graciosas boas-vindas. A maioria delas fora a Londres uma ou mais vezes e todas demonstravam uma curiosidade quase infantil sobre a vida de Felicia por lá.
A empregada, Selina, serviu café e Felicia suspirou. Seu estômago estava abarrotado do líquido amargo, mas já que ninguém mais parecia recusá-lo, ela percebia que não poderia fazê-lo também. Umm Faisal notou isso e sorriu compreensivamente. Ela sussurrou algo para Selina e, para alívio de Felicia, a morena serviçal passou direto, sem encher sua delicada xícara de porcelana.
Chão de mármore e almofadas damascenas... Como aquilo era distante do apartamento de um quarto com mobília de segunda mão. Felicia percebeu que não mais pensava na austeridade das paredes todas brancas como um estranho contraste em relação às sedas e cetins luxuosos que os árabes usavam como decoração. Ela se acostumara a ver Umm Faisal sentada de pernas cruzadas em

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uma almofada, embora a maioria dos quartos fossem mobiliados e possuíssem estilo mais ocidental, mas duvidava de que pudesse superar a segregação entre homens e mulheres; a absoluta e difundida dominação masculina. Porém, Zahra lhe dissera que até mesmo aquilo tinha adesão menos estrita do que antes, e Felicia foi forçada a admitir que, no que tangia a sua família, Raschid era um homem bastante progressista. Era uma pena que seus pontos de vista liberais não a incluíssem!
Alguém bateu à porta e imediatamente as mulheres pegaram seus véus, sem pressa nem fingimento, colocando-os no lugar, enquanto Selina abria a porta. Serviçais, dissera Zahra para Felicia, não precisavam usar véus.
— É o senhor, sitti — disse a mulher para Umm Faisal.
— Ah, sim, ele veio para buscá-la, Felicia. Raschid vai mostrar a Cidade do Kuwait para Felicia — explicou ela para as convidadas, acrescentando algo em árabe que fez mais de um par de olhos piscar.
— Ela disse que ainda bem que Raschid é um homem de honra impecável — sussurrou a acompanhante de Felicia. — Em nosso tempo, tal coisa não era permitida, mas os tempos mudam. — Ela deu de ombros, como a dizer que não poderia afirmar se aquelas mudanças eram para melhor ou para pior, rindo quando Felicia se levantou sem muita firmeza. Não era de admirar que aquelas mulheres fossem tão graciosas e leves. As pernas delas eram treinadas desde a infância para suportar aquela posição, enquanto as de Felicia protestavam agonizantes, um dos pés formigando dolorosamente.
Depois do confronto que tiveram no jardim, Felicia jamais pensava que Raschid levaria adiante a promessa de mostrar a cidade para ela, se é que fora mesmo uma "promessa", mas o orgulho não permitiu que ela recuasse e se recusasse a sair com ele.
Ela se vestira para as convidadas de Umm Faisal com especial carinho, mas, ao abrir a porta, assomou-lhe o terrível pensamento de que Raschid poderia pensar que se vestira daquele jeito para ele.
Usava um terninho de linho cor de pêssego, perfeito para sua cor ardente, e uma simples blusa creme de seda por baixo da jaqueta bem-ajustada. Sapatos creme e uma bolsa de mão combinavam perfeitamente como sutil linho cor de pêssego e finos braceletes de ouro chocalhavam musicalmente quando ela se movia. Foram um presente de Faisal, presente que ela tentara recusar até que ele lhe dissera que, se não os aceitasse, eles seriam jogados fora. Felicia pensou na aliança de esmeralda que Faisal comprara, que agora estava com ele em Nova York, e a raiva dele quando ela se recusou a usá-la até que a família aceitasse o noivado. Agora, quando era tarde demais, Felicia desejava ter levado a aliança com ela. Talvez vê-la ajudasse a recuperar parte da esperança com a qual fora

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até o Kuwait.
Vestida em roupas orientais, ela sabia que jamais poderia competir em graça com as mulheres que as usavam desde a infância. Mas, ao olhar para o espelho de corpo inteiro colocado na parede, pensou que tinha razão suficiente para se sentir agradada com sua aparência. E saber que estava bem lhe deu um ar de confiança que se refletiu na cor de suas bochechas e no caloroso brilho de seus olhos.
Naquele dia, ultrapassara um importante obstáculo. As amigas de Umm Faisal a aceitaram, apesar das diferenças culturais. O Ocidente e o Oriente podiam se misturar alegremente, não importava o que Raschid dissesse. Com o ardor da batalha nos olhos, Felicia foi se encontrar com o homem que esperava por ela no pátio de ladrilhos.
A fraca luz era filtrada pelas longas janelas do hall de entrada. Primeiro, ela não conseguiu ver nada. Depois, andou e percebeu o branco puro da camisa de Raschid, as abotoaduras imaculadas. Uma delas apareceu quando ele olhou para o relógio, gesto tão tipicamente masculino que a fez sorrir. E foi então que ele se virou e a viu, parada no vão de entrada, a madeira escura fazendo o enquadramento perfeito para sua beleza superior. Um riso fez tremer a generosa curva da boca de Felicia, os olhos dela estavam calmos e tranqüilos.
Ele foi até ela com uma expressão indecifrável. Daquela vez, Felicia estava determinada a se impor.
— Sinto muito por tê-lo feito esperar — desculpou-se formalmente —, mas as amigas de sua irmã...   
— Você não precisa me explicar como são as mulheres, srta. Gordon. Estou perfeitamente ciente do vício delas de conversar sobre coisas improdutivas.
A arrogância dele a deixou sem fôlego.
— Só são improdutivas porque homens como você se recusam a lhes dar oportunidade de ser diferentes — respondeu ela, e a serenidade desapareceu de seus olhos para dar lugar à raiva, mas Raschid apenas olhou para ela, parecendo se divertir.
— É isso que você vinha fazendo? Dando lições às convidadas de Fátima sobre os direitos da mulher livre? Você não vai ser muito bem-vista pelos maridos delas, srta. Gordon.
— Não me importo — anunciou Felicia, despreocupada.
— Tolice sua — comentou Raschid. — Porque esses mesmos maridos têm o poder de proibir as esposas de se relacionarem com você, se quiserem, e Faisal não aprovaria isso. Ele pode parecer ocidentalizado para você, srta. Gordon, mas

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vai querer que a esposa obedeça às regras de sua sociedade, eu lhe garanto.
Ignorando o aviso, Felicia virou o rosto, passando por Raschid e se dirigindo ao lugar onde o carro estava estacionado. Se antes ela quisera conseguir a aprovação dele por Faisal, agora parecia obter intensa satisfação ao combatê-lo intencionalmente, um traço tão alheio a sua personalidade que ela se perguntava com alguma amargura por que tinha de ser, de todas as pessoas no mundo, o tutor de Faisal aquele que despertara esse sentimento nela.
— Faisal e eu não vamos morar no Kuwait — falou ela para Raschid, lembrando-se do que Faisal lhe dissera.
— Não? — O olhar de esguelha dele era sarcástico. — Você não está esquecendo de algo, srta. Gordon?
Ela se recusou a olhar para ele, andando à sua frente pelo pátio, onde o cheiro de rosas amanhecidas já subia, embriagante, no ar quente.
— Se estou, tenho certeza de que você vai me lembrar.
— Exatamente — concordou Raschid. — Como empregado do banco, e não se engane, Faisal é um empregado, o dever dele é ir aonde a diretoria decidir que deve ir.
— A diretoria? — perguntou Felicia com amargura. — Ou seja, você?
— Nessas circunstâncias, acho que posso concordar que os dois são sinônimos.
A suave satisfação dele a abalou como um nervo em um dente dolorido tocado por uma língua distraída. Felicia hesitou, esteve a ponto de se recusar a acompanhá-lo, mas então se lembrou que o aniversário de Zahra se aproximava e aceitou que provavelmente não haveria outra oportunidade de comprar-lhe um presente. Engolindo as palavras, juntamente com o orgulho, ela se contentou com um olhar frio lançado na direção de Raschid.
Nos últimos dias, a casa comportava um movimento frenético de pessoas que faziam os arranjos para transportar Umm Faisal, Raschid, Zahra e ela, bem como os empregados e tudo de que eles precisavam, para o oásis, para as comemorações do aniversário. Naquela manhã mesmo, Zahra confidenciara rindo que, se Raschid não comandasse a movimentação, ela duvidava de que eles conseguissem sequer ir além da Cidade do Kuwait. Felicia sugerira de maneira bastante hesitante que talvez pudesse ser melhor ela voltar para casa, pois sua presença em um momento como aquele poderia ser um empecilho, mas a tristeza repentina de Zahra logo a fizera mudar de idéia. . Na verdade, Felicia e Zahra haviam se tornado muito próximas e apenas a afeição crescente pela garota mais Jovem a impedia de perder o controle de sua antipatia por Raschid. Como ele próprio dissera de forma bastante acertada, Zahra ficaria magoada se pensasse

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que S dois estavam brigando, e Felicia não tinha a menor vontade de estragar as festividades de aniversário, assim como Raschid também não. Por esse motivo, um desconfortável cessar-fogo, ao menos da parte dela, se estabelecera entre os dois.
— Uma decisão inteligente — falou lentamente e de súbito Raschid, surpreendendo-a. Ela olhou para ele com raiva e suspeita, pega desprevenida quando ele disse suavemente: — Não se preocupe em negar que está pensando em recusar minha companhia. Detesto pessoas mentirosas quase tanto quanto desprezo caçadoras de dotes.
A raiva crua gerada pelo tom de desprezo dele a deixou sem fala, totalmente incapaz de retaliação. E foi só quando ele andou até o lado contrário do carro estacionado e abriu a porta do motorista que Felicia percebeu que Ali não os acompanharia. Raschid se inclinou para o banco do carona, destravando e abrindo a porta.
— Acho que prefiro sentar no banco de trás — disse ela firmemente. — Não é isso que você acha que boas mulheres devem fazer? Tomar obedientemente o banco traseiro e deixar a direção para seus mestres e senhores?
— Nessa ocasião, acho que vamos optar pelos costumes ocidentais — respondeu Raschid secamente. — De outra forma, eu colocaria em risco as nossas vidas, porque teria que olhar constantemente por sobre o ombro para conversar com você. Ou você acha que tenho um propósito mais sinistro do que esse? Sua imaginação vai longe comigo, srta. Gordon.
A voz dele se tornou ainda mais grossa e rude, e Felicia ruborizou dolorosamente, sabendo que ele a estava provocando de propósito. 
— Mesmo se fosse meu desejo — continuou ele —, e posso garantir que não é, eu nunca, nunca mesmo faço o mesmo percurso entre minha casa e a cidade. Os motoristas do Kuwait não são os mais polidos do mundo, nem os mais tolerantes, como você vai descobrir. Sinto muito se não sigo as proezas de seus outros acompanhantes quanto a isso, mas, no Oriente, nós preferimos desempenhar esse tipo de atividade em casa.
Felicia estava de pé ao lado do carro, desejando bater a porta com força, querendo poder pensar em alguma resposta adequada e ferina para destruir de uma vez por todas a complacente arrogância que Raschid usava. Ela se esquecera de que, ainda que estivesse ao lado do Mercedes, Raschid podia ver a expressão dela com muita clareza pelo retrovisor, então teve um sobressalto quando ele falou sarcasticamente:
— Quase posso sentir a faca entrando em meu coração, srta. Gordon.

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Tenha cuidado. Neste país, nós acreditamos em olho por olho, dente por dente. — Coração? Que coração? — respondeu ela, furiosa demais para prestar atenção ao resto da frase. — Você não tem esse tipo de coisa, sheik Raschid!  — Entre no carro, srta. Gordon, e guarde sua raiva para motivar algo mais produtivo do que discutir comigo.
Que arrogância! Felicia entrou no carro morrendo de raiva, ignorando o sorriso de Raschid quando ele se inclinou sobre ela para fechar a porta do carro, com a proximidade, uma aura de severa masculinidade emanou dele. Felicia tinha plena ciência do calor brilhante da pele de Raschid, esticada sobre os ossos estreitos do rosto dele; da maneira como os cílios se deitavam, longos e escuros, sobre o rosto desenhado. Seda contra cetim, pensou ela, trêmula e consciente da presença dele, de um jeito como jamais apreciara em Faisal. Mas seu coração era de pedra. — Passei na sua revista?
Ela ruborizou tão vivamente quanto as rosas florescentes do pátio interno, odiando ser pega prestando atenção a ele, não importava por que razão. E, naquele caso, pura curiosidade atraíra os olhos de Felicia para o rosto dele, uma indesejável admiração os mantendo ali, meditando sobre a perfeita simetria da estrutura óssea por baixo da pele macia, mesmo que o perfil arrogante fizesse a raiva dela crescer como um rio durante uma enchente, vindo do nada para surpreendê-la com sua ferocidade. Como era estranho que uma mistura de Oriente e Ocidente tivesse produzido aquele homem senhorial e sensual, enquanto o puro sangue árabe de Faisal produzira um homem de molde mais suave.
Enquanto lutava contra a raiva, Felicia disse a si mesma que, por causa de Faisal, deveria aprender a se controlar, a se sentar, gentil e dócil, sofrendo com a língua afiada como lâmina e o olhar examinador de Raschid. Ela lera em algum lugar que um falcão podia enxergar a presa a milhares de metros do chão. A mesma coisa acontecia com Raschid. Aqueles olhos acinzentados conservavam todo o poder latente de um moderno raio laser.
Eles pegaram a estrada à beira-mar. O dia estava deliciosamente quente, o simples bafo do vento frio do ar-condicionado alçava seu cabelo, enquanto eles se dirigiam à cidade. Os assentos de couro reclinados aconchegavam o corpo e o rádio emitia uma música Suave, mas Felicia não conseguia relaxar. Estava tão tensa quanto uma mola encolhida, imprudentemente revelando a ansiedade nos dedos rígidos e recolhidos.
— Relaxe — disse Raschid, surpreendendo-a. — Ou é o fato de ser passageira em vez de motorista o que a deixa tão tensa? Como vocês, mulheres européias, se privam de sua própria feminilidade ao insistirem em fazer tudo por si mesmas! 

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— Talvez porque nossa experiência com o seu sexo nos ensinou o quanto é tolo confiar em vocês para tudo —, respondeu Felicia, raivosa, pensando em seu tio George e em como ele fora egoísta ao se recusar a permitir ela ou à tia o menor prazer, realizando um extremo esforço para conceder cada coisa que lhes concedera. 
— É por isso que você quer se casar com Faisal? perguntou Raschid astutamente. — Por ver nele um ombro em que pode deitar a cabeça? Estranho... não pensei que você fosse do tipo que se apegava, Vejo que terei de revisar minha estratégia. As que se apegam são notoriamente difíceis de ser removidas, mas Faisal é fraco, srta. Gordon. Quem quer que se case com ele precisará ser mãe, amante e até carcereira às vezes. Tem certeza de que deseja desempenhar todos esses papéis?
— É fácil listar as falhas de Faisal quando ele não está aqui para se defender — respondeu Felicia, raivosa, tentando não reconhecer a verdade do que Raschid dissera. Afinal, ela não percebera uma inclinação para o papel de garotinho indefeso por parte de Faisal, quando as coisas não saíam como ele queria?
— Você ao menos é leal — respondeu Raschid, engolindo o final das palavras, como se admitir aquilo o desagradasse, depois mudou de assunto para chamar a atenção dela para a embaixada britânica. Porque ele esperava que ela entrasse no prédio em breve, pedindo para ser enviada para casa e desistindo de todos os sonhos de se ver casada com Faisal.
Não era a primeira vez que Felicia se perguntava sobre seu tolo ímpeto ao permitir que Faisal a persuadisse a ir ao Kuwait. Ele pagara a passagem. As magras economias dela se foram em seu novo guarda-roupa, mas Faisal lhe garantira inúmeras vezes que não demoraria até que pudesse se encontrar com ela no Kuwait, dando como certo o fato de que Felicia permaneceria com a família dele até o casamento. Se ele só fosse realizado quando Faisal completasse 25 anos, ela teria de voltar à Inglaterra. O que significava que teria de escrever e pedir a Faisal o dinheiro da passagem, porque estava convencida de que Raschid jamais permitiria que Faisal retornasse ao Kuwait enquanto ela estivesse ali.
Assim que o aniversário de Zahra acabasse, ela escreveria para ele, prometeu a si mesma, sentindo-se reconfortada com aquele gesto de independência.
Eles passaram pelo palácio de Sief, onde guardas permaneciam rígidos, de pé. Uma bandeira tremulava sobre a torre quadrada do relógio.
— Sua Alteza, o emir, está reunido no majlis — disse Raschid.
— E tenho certeza de que não erro ao presumir que o governo do emir é

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avassaladoramente masculino — respondeu Felicia, sem conseguir se conter.
— Você parece ter um problema fora do comum com as pessoas do meu sexo, srta. Gordon. Ou será que é porque, tendo conseguido sua independência, percebeu não querê-la mais? Felicia desviou os olhos do olhar cheio de malícia dele. Nunca fora uma feminista, contentando-se em desempenhar o papel para o qual a natureza a dotara, um papel que ela de maneira alguma considerava ser subserviente. Porém, viu-se dizendo de forma acalorada:
— Você nega que no seu país as mulheres têm que lutar freqüentemente para conseguir um status de igualdade?
— E isso desperta seu instinto combativo? Você ficaria surpresa se soubesse que as mulheres têm direitos aqui, que elas podem votar e concorrer a cargos públicos.
— Mas não tinham esses direitos até bem recentemente — respondeu Felicia de forma breve, desviando os olhos, subitamente consciente da insolente avaliação dos apertados olhos cinza.
Raschid fez uma curva, atirando-a com força contra ele, seu braço tocando nos seios dela e a deixando excitada com um desejo que jamais sentira nos braços de Faisal. O que era aquela tensão que parecia vibrar no ar sempre que ela estava próxima dele? O que quer que fosse, Felicia não gostava daquilo.
— Nós agora estamos entrando no souk principal e na região dos bancos, srta. Gordon — informou Raschid. — Sugiro que estacionemos o carro e que faça-mos o resto do passeio em passo mais lento.
Saíram do carro dentro de um estacionamento imenso, no subsolo de um enorme conjunto de edifícios comerciais com janelas espelhadas e cromadas.
— É aqui que fica nossa matriz — explicou Raschid. — Na verdade, esse prédio foi um de nossos primeiros investimentos na indústria da construção.
. — Mas não o último — comentou Felicia, lembrando-se de que Faisal lhe dissera que o banco ajudara a financiar a construção de um hotel, entre outras coisas.
A mão de Raschid estava debaixo de seu braço, uma cortesia que ela não esperava, e Felicia vacilou levemente quando saíram à luz do sol, o corpo de Raschid recebendo todo o impacto da tensão do corpo magro dela quando se tocaram. Mesmo aquele breve contato foi suficiente para deixá-la perturbada, os olhos cinza cinicamente prazenteiros ao perceberem as bochechas ruborizadas e os olhos raivosos.
— Não, não foi o último — concordou ele. — Embora esse investimento em particular tenha sido extremamente lucrativo. Como tenho certeza de que você

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sabe, o financiamento de construções responde por cerca de quarenta por cento de nossos lucros. — Ele olhou para o perfil alheio dela e abriu outro sorriso de lábios apertados. — Eu a estou entediando? Com certeza, não. Segundo minha experiência, a maioria das mulheres acha a arte de fazer dinheiro quase tão interessante quanto a de gastá-lo.
— Bom, não sou como a maioria das mulheres — respondeu Felicia rapidamente, parando de repente e estremecendo quando dobraram uma esquina.
A ampla rua à frente deles era cheia de árvores e canteiros de flores. Verde e cores tropicais se espalhavam por toda parte. Onde antes havia um deserto, fontes jorravam. Em vez de caminharem debaixo do brilho incinerador do sol, árvores com sombras frescas estendiam sua proteção verde sobre as pessoas que faziam compras.
— Essa é a rua Bond — falou Raschid educadamente, enquanto Felicia observava a exótica e impressionante amostra de pedras preciosas nas vitrines das joalherias. — Não tenho dúvida de que você preferiria andar por essas ruas na companhia de Faisal, em vez de na minha — falou ele lenta e calmamente, deixando implícito que Faisal poderia se deixar convencer a fazer mais do que apenas olhar impressionado para os diamantes brilhantes que abarrotavam as vitrines das lojas.
— Sim, preferiria. Mas não pelas razões que você supõe — deixou bem claro Felicia, olhando mais de perto, na esperança de encontrar algo de preço mais barato que pudesse comprar para Zahra. Sabia do amor que a garota tinha por jóias e sorriu um pouco ao imaginar a reação dela à exposição de gemas à sua frente. Felicia deixou escapar um leve suspiro. Não havia nada ali que pudesse comprar e as lojas, embora extremamente caras, eram, para sua decepção, muito ocidentalizadas.
— O que você esperava? — perguntou Raschid com maldisfarçada alegria quando ela lhe disse isso. — Souks tradicionais, com mendigos pedindo dinheiro? Houve uma época em que os cegos da cidade eram usados para servir de muezim no alto dos minaretes. São tantas as maravilhas da ciência moderna que, hoje, alto-falantes fazem o trabalho com maior eficiência e os pobres são sustentados pelo Estado.
— Os cegos eram intencionalmente empregados com esse propósito?
Intrigada, apesar de hostil, Felicia hesitou em virar o rosto interrogativo para o saturnino e sombrio Raschid.
— Você acha divertido esse tipo de salvaguarda da modéstia de nossas mulheres, tenho certeza. Mas não faz muito tempo, se um homem olhasse para o rosto da esposa de outro era um insulto grosseiro para os dois, um crime pior do

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que dormir com a esposa do melhor amigo em nosso país, embora eu saiba que hoje tais ocorrências são comuns.
O rosto de Felicia ruborizou.
— Não nos ambientes que freqüento — negou ela energicamente.
As sobrancelhas de Raschid se ergueram e ele deu de ombros. 
— Tem pouca importância para mim que seja de Um jeito ou de outro. Pode guardar seus protestos para outros ouvidos. Agora, se já viu o suficiente, sugiro que voltemos ao carro.
— Mas eu não comprei o presente para Zahra — começou a falar Felicia, entristecida, calando-se quando Raschid se virou para fitá-la.
— Foi por isso que concordou em vir? O que tinha em mente?
Ele parecia tão entediado e alheio que Felicia quase bateu o pé.
— Não se trata do que tenho em mente, mas do que tenho condições de comprar — disse ela francamente, apontando para as vitrines das joalherias — Com certeza, nada daqui.
Por um momento, ela pensou ter visto a boca dele se curvar com uma leve e condescendente satisfação.
— Não — concordou ele. — Sadeer é provavelmente o joalheiro mais caro do Kuwait e, de qualquer forma, você não vai conseguir rivalizar com os presentes que Zahra vai receber de Saud e de sua família.
— Não é uma questão de "rivalizar" — explodiu Felicia, furiosa com a incompreensão dele. — Seria embaraçoso e pouco gentil se eu não lhe desse ne-nhum presente.
— Você está pedindo minha ajuda?
Estava? Ela lutou contra o desejo de dizer a ele que não e, no entanto, fez que sim com a cabeça.
Era satisfação o que ela via no sorriso dele? Fervendo de raiva, Felicia olhou para o outro lado da rua, sem de fato ver o constante fluxo de carros milionários que passavam.
— Muito bem, srta. Gordon. — Ele pegou o braço dela, guiando-a pela rua até uma viela. Mas, antes que pudesse entrar nela, uma jovem mulher os parou. Tinha olhos de pálpebras pesadamente sombreadas, vestia jeans e uma fina camiseta de algodão, réplica das roupas usadas pelas garotas ocidentais. Felicia julgou que tivesse mais ou menos a sua idade ou talvez fosse um pouco mais jovem. Teve a impressão de que Raschid preferiria não entrar era contato com ela e, no entanto, o sorriso dele foi polido o bastante e escutou atentamente ao

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que ela falava num árabe rápido.
— Yasmin é filha de um amigo meu — explicou ele para Felicia, pedindo à outra garota para falarem em inglês. — Ela cursou universidade na Inglaterra por um tempo. A srta. Gordon é amiga de Faisal, Yasmin, e está hospedada conosco por um tempo.
— Enquanto Faisal está em Nova York? — Ela jogou o longo cabelo negro para trás e olhou para Felicia de um jeito examinador. — Fico me perguntando se ele sabe dessa amizade entre você e a "amiga" dele, Raschid. Talvez ele não se importe mais em dividir o que tem.
Ela desapareceu antes que Felicia pudesse dizer qualquer coisa e Raschid a observou partir em um silêncio sombrio.
— Se você achou Yasmin estranha, talvez eu deva explicar que ela foi uma das vítimas da capacidade de Faisal se apaixonar e se desapaixonar. Eles ficaram muito íntimos quando ela estava na Inglaterra e suspeito que Yasmin viu outro sentido em minha descrição de você como "amiga" de Faisal. Não importa... É improvável que ela espalhe a verdadeira natureza do relacionamento de vocês, tendo em vista os sentimentos dela por Faisal.
Yasmin e Faisal! Era estranho, o pensamento dos dois juntos não lhe causou ciúmes, refletiu Felicia. Na verdade, o que ela sentia pela outra garota era uma vaga piedade, apesar do comentário insinuante dela a respeito de Felicia e Raschid. "Dividir"! Se ela soubesse... Um sorriso amargo curvou os lábios de Felicia. Ela era a última mulher que Raschid gostaria de ter.
Ele andou pela estreita viela, sombria e quase secreta, que mostrava uma face indecifrável para o mundo.
Raschid certamente sabia aonde estava indo. Ele a guiou pelo labirinto de ruas estreitas, algumas construídas com os tijolos de adobe com os quais a antiga cidade fora erguida.
— Aonde está me levando? — perguntou ela a certa altura, alarmada com a súbita transformação do Ocidente em Oriente. Figuras de túnica passavam si-lenciosamente por eles e fragrâncias exóticas e irreconhecíveis preenchiam o ar.
Raschid riu.
— Não é para o mercado de escravos, se é o que você está pensando. Ah, sim, ainda há deles nos oásis mais remotos, onde membros de tribos capturadas são vendidos como escravos. E ilegal, claro. — Ele deu de ombros. — Mas quando o crime é descoberto, na maioria das vezes é muito tarde para evitá-lo. Tudo o que se pode fazer é garantir que as infelizes vítimas sejam libertadas.
Felicia deu de ombros, subitamente feliz com a imponente presença dele a

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seu lado. Eles estavam andando por um souk antiquado e coberto, onde mer-cadores chamavam os passantes do vão de suas portas. Mais acima, um deles segurava tapetes com jóias orientais, tão bonitos que Felicia parou para ver.
— Eles são feitos em Badu, no Irã — falou Raschid. — Usam estampas que passam de geração a geração.
O vendedor fez uma saudação, pressentindo uma possível venda, mas, embora Raschid o tenha cumprimentado, não parou.
Por fim, tocou gentilmente no braço de Felicia, dirigindo seus passos na direção de uma porta aberta.
Quando os olhos dela se acostumaram à escuridão no interior da pequena loja, Felicia viu que as prateleiras estavam abarrotadas de frascos e caixas, o ar cheirava a cedro, âmbar cinza, sândalo e outras essências que ela não conseguia reconhecer. Com vivo deleite, percebeu que Raschid a levara à loja de um fabricante de perfumes.
Enquanto olhava ao redor de si, absorta, em transe, os dois homens falavam em voz baixa. O dono da loja era encarquilhado como uma noz, tinha o rosto seco e sulcado pelo tempo. Mas os olhos negros, que olhavam para Felicia, eram astutos e examinadores. Ele disse algo para Raschid e Felicia ò viu abanar a cabeça com expressão fria.
— Ele vai conseguir preparar o perfume mesmo sem ver Zahra? — sussurrou Felicia, ansiosa, perguntando-se sobre o que conversavam.
— O perfume é para sitt Zahra? — perguntou o velho, revelando um conhecimento do inglês que Felicia não esperava. Sob o olhar fascinado dela, o velho passou os olhos pelas prateleiras, por fim pegando um pequeno frasco. — Tenho o perfume que fiz para ela na última vez que veio. A sitt gostaria de comprar um pouco?
Estava escuro no interior da loja, mas Felicia viu Raschid assentir com a cabeça, quando ela olhou para ele buscando orientação.
— Sim, por favor — murmurou ela.
Um amplo sorriso se abriu no rosto do vendedor.
— Que Alá me amaldiçoe, eu quase me esquecia de que a sitt vai casar em breve. Vou acrescentar algo para fertilidade e algo mais para o estado de mulher, que em breve será o dela.
Enquanto esperavam, ele fazia medições e derramava poções, ocasionalmente cheirando algumas. Em seguida, transferiu a mistura para um pequeno jarro de cristal.
— Posso cheirar? — perguntou Felicia, ansiosa. Para decepção dela, ele

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abanou a cabeça.
— Esse perfume não se harmoniza com a beleza da sitt. — Ele se virou para Raschid e disse algo em árabe, antes de dizer para Felicia: — Sua beleza é a da rosa antes de se abrir por inteiro, um botão que ainda não desabrochou, e assim deve ser o seu perfume. 
Felicia agradeceu o fato de a escuridão esconder seu rubor quando ele entregou a pequena caixa para ela. Não ousou olhar para Raschid, temendo o que poderia ver no rosto dele. E, no entanto, o velho fora cirurgicamente preciso. Ela ainda era um "botão", as pétalas da inocência a envolvendo firmemente, esperando o calor do amor de um homem antes que pudesse se abrir e virar uma flor por inteiro. Em silêncio, Felicia saiu da loja seguindo Raschid, confusa com a claridade do sol. Era a hora em que as lojas se fechavam pela tarde e, por toda parte, cortinas eram colocadas sobre as janelas e as portas, fechadas por causa do calor. Estavam justamente chegando à rua quando o fabricante do perfume gritou algo às suas costas e Raschid se virou, olhando para trás, para a escuridão perfumada que haviam acabado de deixar. 
— Um minuto — disse ele, sucinto, e desapareceu de novo dentro da loja.
Felicia hesitou, sem saber se devia ou não segui-lo. Os dois homens estavam envolvidos em uma conversa em tom baixo e, sem querer parecer curiosa, ela permaneceu à entrada.
O velho árabe estava ocupado, remexendo as prateleiras, tirando jarros e frascos. Ela sentiu o leve cheiro de lavanda inglesa que evocava sua terra e, depois, uma fragrância mais sutil e picante. O velho esmagou algo em um recipiente de madeira com um pequeno pilão e uma fragrância de violetas silvestres encheu o ar. Fascinada, Felicia observava. Raschid estava comprando mais perfume? Para sua irmã? Então, por que a conversa em tom baixo? Para alguma outra mulher, talvez? Uma criatura sofisticada com a camaleônica capacidade de transitar entre o Oriente e o Ocidente? Uma mulher que guardaria sua beleza de olhos curiosos em público, mas que tinha autoconfiança para se revelar sem timidez para o homem que amava, em particular?
— Srta. Gordon?
Quantas vezes mais ela teria de suportá-lo chamando seu nome naquele tom mordaz e imperioso?
Os passos errantes de Felicia a levaram para além dos confins da loja e uma fria exasperação tornou a voz de Raschid enquanto ele seguia atrás dela.
— Tudo o que minha irmã e eu lhe dissemos foram como grãos de areia dispersos pelo vento, ou são apenas o capricho e a teimosia que fazem você agir com constante desobediência?

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Desobediência! Felicia se virou, seus olhos se escureceram e esverdearam de raiva. Santo Deus, ela não queria brigar com aquele homem, mas também não permitiria que ele pisasse em seu orgulho, esmagando-a debaixo do sarcasmo e do desprezo.
— Eu me afastei porque não queria me intrometer — falou ela. — O assunto de vocês era claramente particular. — A raiva fez com que ela perdesse a prudência. — Um presente para alguma mulher que tem permissão para compartilhar sua cama, mas a quem não é permitido nenhum outro papel em sua vida... 
— Você descreveu o tipo de pessoa para quem o perfume foi comprado com precisão — falou Raschid pior entre os dentes. — Mas o fabricante do perfume não compartilha de minha visão a seu respeito, srta. Gordon. Ah, sim! — Ele riu com sarcasmo ao ver sua expressão chocada. — Você não adivinhou? O velho estava fazendo o perfume para você. A idéia foi dele, não minha, me apresso a informar. Aqui, tome — ordenou ele, empurrando o pequeno pacote para a mão dela. — Confidenciou-me que o perfume incorpora a inocência, que, segundo ele, é parte integral de sua natureza. Eu não quis dizer que a percepção dele devia estar começando a falhar se era isso o que pensava. Conheço meu sobrinho, srta. Gordon — concluiu Raschid sombriamente —, e conheço o tipo de mulher que compartilha a vida dele.
Felicia se virou, pretendendo escapar das palavras cruéis dele, mas as mãos de Raschid se estenderam e a seguraram; a expressão dele trazia uma advertência.
— Não seja tola — avisou Raschid. — Mesmo hoje os souks não são totalmente desprovidos de perigo para os incautos. Seus passos descuidados poderiam levá-la por uma das centenas de vielas e, antes que pudesse se dar conta, estaria irremediavelmente perdida, uma experiência pela qual, tenho certeza, nenhum de nós dois deseja passar.
Ela se imaginou perdida e assustada, dependendo daquele homem frio e autocrático para socorrê-la, e seu queixo se levantou orgulhosamente.
— Não precisa se preocupar, sheik Raschid — disse ela. — Se eu me perdesse, você seria o último homem a quem pediria socorro.
Felicia se afastou dele ao falar e um pedaço de pedra enterrada na areia crestada pelo sol bateu em seu desprotegido tornozelo, lacerando-lhe a pele macia. Ela fez uma careta de dor e o sangue jorrou do ferimento.
Raschid ficou tenso, franzindo a testa, ao ouvir o protesto involuntário dela. Depois, se agachou e resmungou alguma palavra que caiu macia no silêncio dourado da tarde.

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— Não foi nada — falou Felicia, desequilibrada, enquanto dedos delgados verificavam o corte com surpreendente gentileza.
— Está sangrando. Precisa ser lavado e limpo — respondeu Raschid, conciso.
Havia alguns lenços umedecidos na bolsa, que Felicia usava para limpar as mãos e o rosto, e ela a abriu e os pegou. 
— Eu faço isso.
O tom autoritário não podia ser ignorado e, em Silêncio, ela entregou a Raschid o pacote de lenços, franzindo o rosto um pouco quando o frescor deles tocou na carne pulsante.
— Como os britânicos são admiráveis na adversidade — ironizou Raschid quando ela endireitou o corpo. — Tão frios, tão controlados... tão preparados para todo tipo de contingência. 
A luz nos olhos dele fez Felicia lembrar que, algumas noites antes, houvera uma contingência para a qual ela não estava preparada. Mas Felicia ignorou isso, murmurando suavemente: — Nós tentamos...
— É verdade. Mas, às vezes, devemos falhar, pelo bem de nossa alma.
Ele lhe estava avisando que falharia na tarefa de convencê-lo a permitir seu casamento com Faisal? Felicia se afastou, fazendo nova careta quando sustentou o peso do corpo sobre o tornozelo. A mão de Raschid em seu pulso a equilibrou. Foi um contato momentâneo, não mais que isso, entretanto, naquele instante, o ar entre eles parecia tremer com uma emoção intangível. Depois, ela se libertou, o claro cheiro masculino dele desaparecendo de suas narinas com a mesma rapidez com que os dedos desapareceram de seu pulso.
— Qual é o problema?
Os cílios dela baixaram, mas não a tempo de evitar que ele lesse a expressão nos olhos. Raschid riu suavemente.
— Ah, sim, entendo! Você pensou que talvez eu pudesse repetir a cena romântica da outra noite. Acho que vou decepcioná-la, srta. Gordon.
— Romântica? E isso o que você acha que foi? — respondeu Felicia com raiva. — Então você tem uma idéia muito equivocada de romance, sheik. — Ela se virou, a raiva e o ressentimento ardendo dentro dela, tomada por uma necessidade de fugir daquele homem e de seu sarcasmo atormentador; um desejo de manter o máximo de distância possível entre eles, sem levar em consideração os perigos daquela atitude.
No souk vazio, as batidas de seu coração aceleraram e se faziam sentir em seus ouvidos, aumentando rapidamente enquanto passava apressada à frente de

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lojas trancadas, como inúmeros olhos fechados, desdenhosos da loucura da branca estrangeira que corria sem véu pela viela escura. A dor latejava cm seu tornozelo, mas Felicia não ligava. As batidas de seu coração se sobrepunham a todos os outros sons, exceto um: o dos inquietos passos atrás dela, firmes e incansáveis, fazendo-a parecer uma gazela aterrorizada fugindo de caçadores.
Raschid a pegou, como ela sabia que aconteceria, os dedos dele agarrando-a pela cintura enquanto puxavam as costas para ele, balançando-a de tal maneira que Felicia chegou a pensar que seu pescoço se quebraria. — Sua tola! Você é louca de correr com esse calor? Ou realmente quer que eu lhe dê razão para correr de mim?
Felicia olhou para a fina linha da boca de Raschid, severamente ameaçadora, e um tremor de algo alheio e indesejável passou pelo seu corpo, algo que ela não reconhecera à primeira vista. Quando reconheceu, o choque foi tão grande que mal conseguia compreender que ela, uma garota que jamais tentara excitar Intencionalmente nenhum homem, e, mais do que isso, que se recolhia a qualquer contato físico, sentiu Uma excitação e uma imensa satisfação com o olhar fulminante de Raschid. E um desejo de levá-lo além dos limites de seu controle, sentindo a própria fúria alimentada pela fúria dele.
O bom-senso lhe avisava que a batalha que estava por vir poderia destruí-la totalmente, mas Felicia não estava mais preocupada. Queria que Raschid experimentasse uma raiva tão grande quanto a sua; suportasse o açoite do desprezo dela em seu orgulho, do mesmo jeito que Felicia fora forçada a suportar o dele.
— Bem, srta. Gordon?
— Você já me deu razões suficientes. Mas, em sua arrogância, não admite isso.
Os dedos dele se firmaram na pele macia da parte superior do braço de Felicia, assustadores em sua intensidade. Raschid sorriu sem pena quando ela fez uma careta ao sentir a pressão esmagadora.
— Nós estamos no Oriente — lembrou ele. — Eu poderia puni-la aqui e agora pelo que acabou de dizer e nenhum homem levantaria a mão contra mim, nem mesmo se eu lhe aplicasse um corretivo físico em público, no meio da rua. Tome cuidado! Em cada homem mora um falcão; um traço de crueldade e uma sede por poder.
Os dedos dele se ergueram até a garganta de Felicia, apanhando a pulsação desenfreada, que ela não conseguia mais controlar. De repente, a batalha estava perdida e onde antes havia euforia, agora havia apenas medo. Raschid riu sem entusiasmo quando ela tremeu sob o toque dele, nervosa como as éguas árabes  de 

que dormir com a esposa do melhor amigo em nosso país, embora eu saiba que hoje tais ocorrências são comuns.
O rosto de Felicia ruborizou.
— Não nos ambientes que freqüento — negou ela energicamente.
As sobrancelhas de Raschid se ergueram e ele deu de ombros. 
— Tem pouca importância para mim que seja de Um jeito ou de outro. Pode guardar seus protestos para outros ouvidos. Agora, se já viu o suficiente, sugiro que voltemos ao carro.
— Mas eu não comprei o presente para Zahra — começou a falar Felicia, entristecida, calando-se quando Raschid se virou para fitá-la.
— Foi por isso que concordou em vir? O que tinha em mente?
Ele parecia tão entediado e alheio que Felicia quase bateu o pé.
— Não se trata do que tenho em mente, mas do que tenho condições de comprar — disse ela francamente, apontando para as vitrines das joalherias — Com certeza, nada daqui.
Por um momento, ela pensou ter visto a boca dele se curvar com uma leve e condescendente satisfação.
— Não — concordou ele. — Sadeer é provavelmente o joalheiro mais caro do Kuwait e, de qualquer forma, você não vai conseguir rivalizar com os presentes que Zahra vai receber de Saud e de sua família.
— Não é uma questão de "rivalizar" — explodiu Felicia, furiosa com a incompreensão dele. — Seria embaraçoso e pouco gentil se eu não lhe desse ne-nhum presente.
— Você está pedindo minha ajuda?
Estava? Ela lutou contra o desejo de dizer a ele que não e, no entanto, fez que sim com a cabeça.
Era satisfação o que ela via no sorriso dele? Fervendo de raiva, Felicia olhou para o outro lado da rua, sem de fato ver o constante fluxo de carros milionários que passavam.
— Muito bem, srta. Gordon. — Ele pegou o braço dela, guiando-a pela rua até uma viela. Mas, antes que pudesse entrar nela, uma jovem mulher os parou. Tinha olhos de pálpebras pesadamente sombreadas, vestia jeans e uma fina camiseta de algodão, réplica das roupas usadas pelas garotas ocidentais. Felicia julgou que tivesse mais ou menos a sua idade ou talvez fosse um pouco mais jovem. Teve a impressão de que Raschid preferiria não entrar era contato com ela e, no entanto, o sorriso dele foi polido o bastante e escutou atentamente ao

que ela falava num árabe rápido.
— Yasmin é filha de um amigo meu — explicou ele para Felicia, pedindo à outra garota para falarem em inglês. — Ela cursou universidade na Inglaterra por um tempo. A srta. Gordon é amiga de Faisal, Yasmin, e está hospedada conosco por um tempo.
— Enquanto Faisal está em Nova York? — Ela jogou o longo cabelo negro para trás e olhou para Felicia de um jeito examinador. — Fico me perguntando se ele sabe dessa amizade entre você e a "amiga" dele, Raschid. Talvez ele não se importe mais em dividir o que tem.
Ela desapareceu antes que Felicia pudesse dizer qualquer coisa e Raschid a observou partir em um silêncio sombrio.
— Se você achou Yasmin estranha, talvez eu deva explicar que ela foi uma das vítimas da capacidade de Faisal se apaixonar e se desapaixonar. Eles ficaram muito íntimos quando ela estava na Inglaterra e suspeito que Yasmin viu outro sentido em minha descrição de você como "amiga" de Faisal. Não importa... É improvável que ela espalhe a verdadeira natureza do relacionamento de vocês, tendo em vista os sentimentos dela por Faisal.
Yasmin e Faisal! Era estranho, o pensamento dos dois juntos não lhe causou ciúmes, refletiu Felicia. Na verdade, o que ela sentia pela outra garota era uma vaga piedade, apesar do comentário insinuante dela a respeito de Felicia e Raschid. "Dividir"! Se ela soubesse... Um sorriso amargo curvou os lábios de Felicia. Ela era a última mulher que Raschid gostaria de ter.
Ele andou pela estreita viela, sombria e quase secreta, que mostrava uma face indecifrável para o mundo.
Raschid certamente sabia aonde estava indo. Ele a guiou pelo labirinto de ruas estreitas, algumas construídas com os tijolos de adobe com os quais a antiga cidade fora erguida.
— Aonde está me levando? — perguntou ela a certa altura, alarmada com a súbita transformação do Ocidente em Oriente. Figuras de túnica passavam si-lenciosamente por eles e fragrâncias exóticas e irreconhecíveis preenchiam o ar.
Raschid riu.
— Não é para o mercado de escravos, se é o que você está pensando. Ah, sim, ainda há deles nos oásis mais remotos, onde membros de tribos capturadas são vendidos como escravos. E ilegal, claro. — Ele deu de ombros. — Mas quando o crime é descoberto, na maioria das vezes é muito tarde para evitá-lo. Tudo o que se pode fazer é garantir que as infelizes vítimas sejam libertadas.
Felicia deu de ombros, subitamente feliz com a imponente presença dele a

seu lado. Eles estavam andando por um souk antiquado e coberto, onde mer-cadores chamavam os passantes do vão de suas portas. Mais acima, um deles segurava tapetes com jóias orientais, tão bonitos que Felicia parou para ver.
— Eles são feitos em Badu, no Irã — falou Raschid. — Usam estampas que passam de geração a geração.
O vendedor fez uma saudação, pressentindo uma possível venda, mas, embora Raschid o tenha cumprimentado, não parou.
Por fim, tocou gentilmente no braço de Felicia, dirigindo seus passos na direção de uma porta aberta.
Quando os olhos dela se acostumaram à escuridão no interior da pequena loja, Felicia viu que as prateleiras estavam abarrotadas de frascos e caixas, o ar cheirava a cedro, âmbar cinza, sândalo e outras essências que ela não conseguia reconhecer. Com vivo deleite, percebeu que Raschid a levara à loja de um fabricante de perfumes.
Enquanto olhava ao redor de si, absorta, em transe, os dois homens falavam em voz baixa. O dono da loja era encarquilhado como uma noz, tinha o rosto seco e sulcado pelo tempo. Mas os olhos negros, que olhavam para Felicia, eram astutos e examinadores. Ele disse algo para Raschid e Felicia ò viu abanar a cabeça com expressão fria.
— Ele vai conseguir preparar o perfume mesmo sem ver Zahra? — sussurrou Felicia, ansiosa, perguntando-se sobre o que conversavam.
— O perfume é para sitt Zahra? — perguntou o velho, revelando um conhecimento do inglês que Felicia não esperava. Sob o olhar fascinado dela, o velho passou os olhos pelas prateleiras, por fim pegando um pequeno frasco. — Tenho o perfume que fiz para ela na última vez que veio. A sitt gostaria de comprar um pouco?
Estava escuro no interior da loja, mas Felicia viu Raschid assentir com a cabeça, quando ela olhou para ele buscando orientação.
— Sim, por favor — murmurou ela.
Um amplo sorriso se abriu no rosto do vendedor.
— Que Alá me amaldiçoe, eu quase me esquecia de que a sitt vai casar em breve. Vou acrescentar algo para fertilidade e algo mais para o estado de mulher, que em breve será o dela.
Enquanto esperavam, ele fazia medições e derramava poções, ocasionalmente cheirando algumas. Em seguida, transferiu a mistura para um pequeno jarro de cristal.
— Posso cheirar? — perguntou Felicia, ansiosa. Para decepção dela, ele

abanou a cabeça.
— Esse perfume não se harmoniza com a beleza da sitt. — Ele se virou para Raschid e disse algo em árabe, antes de dizer para Felicia: — Sua beleza é a da rosa antes de se abrir por inteiro, um botão que ainda não desabrochou, e assim deve ser o seu perfume. 
Felicia agradeceu o fato de a escuridão esconder seu rubor quando ele entregou a pequena caixa para ela. Não ousou olhar para Raschid, temendo o que poderia ver no rosto dele. E, no entanto, o velho fora cirurgicamente preciso. Ela ainda era um "botão", as pétalas da inocência a envolvendo firmemente, esperando o calor do amor de um homem antes que pudesse se abrir e virar uma flor por inteiro. Em silêncio, Felicia saiu da loja seguindo Raschid, confusa com a claridade do sol. Era a hora em que as lojas se fechavam pela tarde e, por toda parte, cortinas eram colocadas sobre as janelas e as portas, fechadas por causa do calor. Estavam justamente chegando à rua quando o fabricante do perfume gritou algo às suas costas e Raschid se virou, olhando para trás, para a escuridão perfumada que haviam acabado de deixar. 
— Um minuto — disse ele, sucinto, e desapareceu de novo dentro da loja.
Felicia hesitou, sem saber se devia ou não segui-lo. Os dois homens estavam envolvidos em uma conversa em tom baixo e, sem querer parecer curiosa, ela permaneceu à entrada.
O velho árabe estava ocupado, remexendo as prateleiras, tirando jarros e frascos. Ela sentiu o leve cheiro de lavanda inglesa que evocava sua terra e, depois, uma fragrância mais sutil e picante. O velho esmagou algo em um recipiente de madeira com um pequeno pilão e uma fragrância de violetas silvestres encheu o ar. Fascinada, Felicia observava. Raschid estava comprando mais perfume? Para sua irmã? Então, por que a conversa em tom baixo? Para alguma outra mulher, talvez? Uma criatura sofisticada com a camaleônica capacidade de transitar entre o Oriente e o Ocidente? Uma mulher que guardaria sua beleza de olhos curiosos em público, mas que tinha autoconfiança para se revelar sem timidez para o homem que amava, em particular?
— Srta. Gordon?
Quantas vezes mais ela teria de suportá-lo chamando seu nome naquele tom mordaz e imperioso?
Os passos errantes de Felicia a levaram para além dos confins da loja e uma fria exasperação tornou a voz de Raschid enquanto ele seguia atrás dela.
— Tudo o que minha irmã e eu lhe dissemos foram como grãos de areia dispersos pelo vento, ou são apenas o capricho e a teimosia que fazem você agir com constante desobediência?

Desobediência! Felicia se virou, seus olhos se escureceram e esverdearam de raiva. Santo Deus, ela não queria brigar com aquele homem, mas também não permitiria que ele pisasse em seu orgulho, esmagando-a debaixo do sarcasmo e do desprezo.
— Eu me afastei porque não queria me intrometer — falou ela. — O assunto de vocês era claramente particular. — A raiva fez com que ela perdesse a prudência. — Um presente para alguma mulher que tem permissão para compartilhar sua cama, mas a quem não é permitido nenhum outro papel em sua vida... 
— Você descreveu o tipo de pessoa para quem o perfume foi comprado com precisão — falou Raschid pior entre os dentes. — Mas o fabricante do perfume não compartilha de minha visão a seu respeito, srta. Gordon. Ah, sim! — Ele riu com sarcasmo ao ver sua expressão chocada. — Você não adivinhou? O velho estava fazendo o perfume para você. A idéia foi dele, não minha, me apresso a informar. Aqui, tome — ordenou ele, empurrando o pequeno pacote para a mão dela. — Confidenciou-me que o perfume incorpora a inocência, que, segundo ele, é parte integral de sua natureza. Eu não quis dizer que a percepção dele devia estar começando a falhar se era isso o que pensava. Conheço meu sobrinho, srta. Gordon — concluiu Raschid sombriamente —, e conheço o tipo de mulher que compartilha a vida dele.
Felicia se virou, pretendendo escapar das palavras cruéis dele, mas as mãos de Raschid se estenderam e a seguraram; a expressão dele trazia uma advertência.
— Não seja tola — avisou Raschid. — Mesmo hoje os souks não são totalmente desprovidos de perigo para os incautos. Seus passos descuidados poderiam levá-la por uma das centenas de vielas e, antes que pudesse se dar conta, estaria irremediavelmente perdida, uma experiência pela qual, tenho certeza, nenhum de nós dois deseja passar.
Ela se imaginou perdida e assustada, dependendo daquele homem frio e autocrático para socorrê-la, e seu queixo se levantou orgulhosamente.
— Não precisa se preocupar, sheik Raschid — disse ela. — Se eu me perdesse, você seria o último homem a quem pediria socorro.
Felicia se afastou dele ao falar e um pedaço de pedra enterrada na areia crestada pelo sol bateu em seu desprotegido tornozelo, lacerando-lhe a pele macia. Ela fez uma careta de dor e o sangue jorrou do ferimento.
Raschid ficou tenso, franzindo a testa, ao ouvir o protesto involuntário dela. Depois, se agachou e resmungou alguma palavra que caiu macia no silêncio dourado da tarde.

— Não foi nada — falou Felicia, desequilibrada, enquanto dedos delgados verificavam o corte com surpreendente gentileza.
— Está sangrando. Precisa ser lavado e limpo — respondeu Raschid, conciso.
Havia alguns lenços umedecidos na bolsa, que Felicia usava para limpar as mãos e o rosto, e ela a abriu e os pegou. 
— Eu faço isso.
O tom autoritário não podia ser ignorado e, em Silêncio, ela entregou a Raschid o pacote de lenços, franzindo o rosto um pouco quando o frescor deles tocou na carne pulsante.
— Como os britânicos são admiráveis na adversidade — ironizou Raschid quando ela endireitou o corpo. — Tão frios, tão controlados... tão preparados para todo tipo de contingência. 
A luz nos olhos dele fez Felicia lembrar que, algumas noites antes, houvera uma contingência para a qual ela não estava preparada. Mas Felicia ignorou isso, murmurando suavemente: — Nós tentamos...
— É verdade. Mas, às vezes, devemos falhar, pelo bem de nossa alma.
Ele lhe estava avisando que falharia na tarefa de convencê-lo a permitir seu casamento com Faisal? Felicia se afastou, fazendo nova careta quando sustentou o peso do corpo sobre o tornozelo. A mão de Raschid em seu pulso a equilibrou. Foi um contato momentâneo, não mais que isso, entretanto, naquele instante, o ar entre eles parecia tremer com uma emoção intangível. Depois, ela se libertou, o claro cheiro masculino dele desaparecendo de suas narinas com a mesma rapidez com que os dedos desapareceram de seu pulso.
— Qual é o problema?
Os cílios dela baixaram, mas não a tempo de evitar que ele lesse a expressão nos olhos. Raschid riu suavemente.
— Ah, sim, entendo! Você pensou que talvez eu pudesse repetir a cena romântica da outra noite. Acho que vou decepcioná-la, srta. Gordon.
— Romântica? E isso o que você acha que foi? — respondeu Felicia com raiva. — Então você tem uma idéia muito equivocada de romance, sheik. — Ela se virou, a raiva e o ressentimento ardendo dentro dela, tomada por uma necessidade de fugir daquele homem e de seu sarcasmo atormentador; um desejo de manter o máximo de distância possível entre eles, sem levar em consideração os perigos daquela atitude.
No souk vazio, as batidas de seu coração aceleraram e se faziam sentir em seus ouvidos, aumentando rapidamente enquanto passava apressada à frente de

lojas trancadas, como inúmeros olhos fechados, desdenhosos da loucura da branca estrangeira que corria sem véu pela viela escura. A dor latejava cm seu tornozelo, mas Felicia não ligava. As batidas de seu coração se sobrepunham a todos os outros sons, exceto um: o dos inquietos passos atrás dela, firmes e incansáveis, fazendo-a parecer uma gazela aterrorizada fugindo de caçadores.
Raschid a pegou, como ela sabia que aconteceria, os dedos dele agarrando-a pela cintura enquanto puxavam as costas para ele, balançando-a de tal maneira que Felicia chegou a pensar que seu pescoço se quebraria. — Sua tola! Você é louca de correr com esse calor? Ou realmente quer que eu lhe dê razão para correr de mim?
Felicia olhou para a fina linha da boca de Raschid, severamente ameaçadora, e um tremor de algo alheio e indesejável passou pelo seu corpo, algo que ela não reconhecera à primeira vista. Quando reconheceu, o choque foi tão grande que mal conseguia compreender que ela, uma garota que jamais tentara excitar Intencionalmente nenhum homem, e, mais do que isso, que se recolhia a qualquer contato físico, sentiu Uma excitação e uma imensa satisfação com o olhar fulminante de Raschid. E um desejo de levá-lo além dos limites de seu controle, sentindo a própria fúria alimentada pela fúria dele.
O bom-senso lhe avisava que a batalha que estava por vir poderia destruí-la totalmente, mas Felicia não estava mais preocupada. Queria que Raschid experimentasse uma raiva tão grande quanto a sua; suportasse o açoite do desprezo dela em seu orgulho, do mesmo jeito que Felicia fora forçada a suportar o dele.
— Bem, srta. Gordon?
— Você já me deu razões suficientes. Mas, em sua arrogância, não admite isso.
Os dedos dele se firmaram na pele macia da parte superior do braço de Felicia, assustadores em sua intensidade. Raschid sorriu sem pena quando ela fez uma careta ao sentir a pressão esmagadora.
— Nós estamos no Oriente — lembrou ele. — Eu poderia puni-la aqui e agora pelo que acabou de dizer e nenhum homem levantaria a mão contra mim, nem mesmo se eu lhe aplicasse um corretivo físico em público, no meio da rua. Tome cuidado! Em cada homem mora um falcão; um traço de crueldade e uma sede por poder.
Os dedos dele se ergueram até a garganta de Felicia, apanhando a pulsação desenfreada, que ela não conseguia mais controlar. De repente, a batalha estava perdida e onde antes havia euforia, agora havia apenas medo. Raschid riu sem entusiasmo quando ela tremeu sob o toque dele, nervosa como as éguas árabes de


crina sedosa de Badu.
— Vê? — provocou ele. — Finalmente percebe que o homem não é um igual, mas uma força diferente, inclinada à destruição quando sua raiva é despertada.
— Pare! Pare agora — pediu Felicia. — Não quero escutá-lo! —A voz dela tremia, presa em algo entre a indignação e o medo. — Você não me engana de jeito nenhum. Você quer que eu vá embora; quer me assustar para que desista de Faisal. Acha que vou ser derrotada por essa masculinidade potente de que você tanto se orgulha, como uma heroína vitoriana, tímida e recolhida, presa na armadilha de seus próprios juízos? Bem, você vai ficar desapontado! Conheço perfeitamente as diferenças entre meu juízo e meu coração.
— Tem certeza? — provocou ele suavemente, o movimento sensual de seu polegar contra a maciez do pescoço fez com que, tarde demais, ela se desse conta do perigo. Felicia tremia com a deliberada provocação da carícia e Raschid riu, soltando um som do fundo da garganta.
— E o que o seu juízo diz agora, srta. Gordon? 
Era tarde demais para fingir que o toque dele não lhe causava nenhum efeito, tarde demais para desejar nunca ter permitido que a fúria a traísse e a levasse até aquela posição terrivelmente desprotegida. Felicia fechou os olhos e falou por entre os dentes:
— Segundo ouvi dizer, sexo sem amor é como o deserto sem água: uma terra árida onde nada pode florescer.
— Mas essa terra árida, como você a chama, possui uma magia própria.
O polegar dele estava acariciando seu queixo agora, os dedos de aço forçando o queixo a se erguer, não importava o quanto ela lutasse contra a pressão. Felicia abriu os olhos. Os dele estavam poucos centímetros afastados, de um cinza escuro, os lábios sensualmente curvados sorriam, finos.
Raschid inclinou a cabeça na direção da dela e Felicia era como a presa do falcão, perdida, resignada com seu destino. O leve respirar dele levantava os cabelos dela.
— Você já experimentou a força do deserto, srta. Gordon?
Santo Deus, o que estava acontecendo com ela? Com um grito angustiado, Felicia conseguiu se libertar. O que ele estava tentando fazer com ela? Seduzi-la para tirá-la de Faisal? Faisal! Por que ela só pensara nele agora? Por que a lembrança do amor dele não impedira que correspondesse à aproximação de Raschid?
Recolhendo o que restava de seu orgulho, Felicia olhou friamente para o homem à sua frente.
— O deserto não me atrai nem um pouco, sheik Raschid. E você, também não.




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Olá amores...
Então me conta, o que está achando da história?
Comenta e vota aí😉
Quem sabe hoje eu não trago mais um capítulo  pra vcs😱

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