capítulo 7

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Confusa, Felicia se perguntava como a ordem voltaria a se estabelecer em meio a tanto caos. As pessoas da casa estavam se preparando para a mudança para o oásis e Zahra, tirando outra muda de vestidos do guarda-roupa, disse travessamente que não se admirava de Raschid ter se ausentado da casa. A desculpa dele era que iria na frente para que tudo estivesse pronto quando elas chegassem. Mas Felicia acreditava que, se ele possuísse o menor pingo de decência, estaria ansioso para evitar a companhia dela, tanto quanto ela a dele.
Nunca, mesmo que Felicia vivesse 100 anos, esqueceria a destruição fria de suas frágeis barreiras, o assalto calculado aos seus sentidos e as amargas lições que ela aprendera. Ao dormir à noite, ela sonhava com ele, com seu rosto frio e zombeteiro e, acima de tudo, suas mãos experientes e acariciantes, e Felicia acordava trêmula de angústia, lágrimas jorrando dos olhos.
Não era de admirar que estivesse perdendo peso. Inúmeras vezes começara a escrever uma carta para Faisal, lhe dizendo com a máxima gentileza possível que o amor deles acabara. Toda vez que atingia a parte em que precisava pedir dinheiro a ele para voltar para casa, o orgulho a impedia de ir em frente. Estava num ponto em que começava a pensar em ir até a embaixada britânica, mas o prazer de Zahra com o fato de que ela permaneceria com eles para as comemorações de seu aniversário impedia que tomasse uma atitude até que eles voltassem do oásis. Ela poderia agüentar por alguns dias mais, disse a si mesma, tentando acreditar que era verdade.
— É uma pena que Raschid não possa permitir a vinda de Faisal — disse Zahra com tristeza.
— Uma pena mesmo — concordou Felicia, embora soubesse que a suposta "emergência" que mantinha Faisal em Nova York era mais uma armadilha da ima
ginação maquiavélica de Raschid.
Ela estava ajudando Zahra a fazer as malas. Jamais imaginara que uma garota pudesse possuir tantas roupas ao mesmo tempo, e disse isso.
Zahra sorriu.
— Raschid me dá uma mesada muito generosa. — Ela apontou para uma roupa de dançarina de harém, incluindo a calça folgada de chiffon vermelho e um top coberto de lantejoulas. — O que você acha? Comprei de brincadeira. Raschid ficaria furioso se soubesse. — As sobrancelhas erguidas de Felicia provocaram uma defesa imediata. — Saud disse que era uma pena que não existissem mais dançarinas de harém, a não ser na imaginação dos produtores de Hollywood, então pensei...
— Eu sei o que você pensou — murmurou Felicia, encantada e tocada ao ver Zahra enrubescendo um pouco. O que Raschid tinha a ver com o fato de a garota ter escolhido brincar de dançarina de harém com o noivo, que, evidentemente, apreciava a iniciativa? Ela dobrou a roupa rapidamente. — Não vai entrar nesta caixa. Ela está cheia — reclamou Zahra.
— Não importa, dê para mim. Há muito espaço na minha mala. — Felicia olhava para Zahra, confusa. — Por que você quer levá-la? Você não vai usá-la até estar casada, não é?
— Não quero deixá-la aqui, porque uma das empregadas pode ver — confessou Zahra. — Minha mãe não entenderia.
— Entendo — concordou Felicia, pensando no chiffon transparente. Era óbvio que Zahra amava muito Saud, e Felicia se pegava com um pouco de inveja, pensando em como seria se preparar para o casamento sob a aprovação calorosa da família. Ela alguma vez antecipara os carinhos de Faisal com o mesmo entusiasmo com que Zahra ansiava pelos de Saud? E mais uma vez ela pensou em sua habilidade de corresponder ao amor de um homem. A fria rejeição do tio quando era criança destruíra sua capacidade de dar e receber amor? E, no entanto, ela correspondera a Raschid. Mas não o amava. Ela o odiava. Ele estava determinado a destruí-la, pensou Felicia amargamente, pegando a pilha de roupas que não caberiam nas caixas de Zahra e as colocando em sua própria mala. E ele não se preocupou com os meios que usou para conseguir o que queria. Felicia endireitou o corpo e os seios se enrijeceram como quando Raschid a tocara. Com o rosto ardendo, ela abafou o impulso de colocar a própria mão sobre a pele latejante em uma tentativa de erradicar a lembrança pulsante.

A distância até o oásis não era tão grande, medida em quilômetros. Mas a viagem os levaria através do deserto vazio e cuidadosos preparativos tinham que
ser feitos, checados e rechecados por Ali, encarregado da segurança delas. Garrafas d'água tinham que ser enchidas, pneus checados e galões de gasolina reserva colocados nas malas dos carros. Eles viajariam em comboio, o Mercedes levando Umm Faisal, Zahra e Felicia na frente, três outros carros com os empregados e a bagagem vindo atrás.
Felicia ficava confusa com a correria dos preparativos, até que Zahra lembrou o destino de outros viajantes menos cuidadosos. Morrer de sede sob um sol escaldante não era uma morte agradável e podia acontecer até aos mais experientes viajantes do deserto se Uma tempestade de areia começasse, cobrindo a estrada, ou uma pedra afiada furasse o tanque de gasolina, deixando-os sem transporte.
Eram pouco mais de 160km até o oásis, mas Felicia sentia que pareciam ter percorrido 1000km até que a fímbria verde das palmeiras avisasse que o fim da viagem estava próximo. Mesmo com o ar-condicionado no máximo, o calor dentro do carro era sufocante, o sol, estonteante sobre o capo preto imaculado do Mercedes. Os pneus chiavam ao longo da estrada pavimentada até que eles entraram em uma pista de areia, levantando nuvens de poeira fina que encheram os olhos e as gargantas dos que vinham atrás. 
— Agora você entende por que vamos no primeiro carro — explicou Zahra. — O último veículo é o que corre mais risco. Mesmo um motorista experiente pode perder a direção quando o pára-brisa é coberto por areia.
Felicia reprimiu um leve tremor ao pensar em ficar perdida naquele vasto território árido. E, no entanto, pesar de todo o seu terrível vazio, o deserto tinha uma beleza própria. Até onde os olhos podiam ver, não havia nada além de quilômetros e quilômetros de areia sem fim, vermelho-amarelada, queimando contra o céu azul-cobalto. A intensidade da luz feriu os olhos de Felicia, que pensou de novo na tenacidade do povo que sobrevivia naquela imensidão inflexível.
— Estamos quase lá — disse Zahra alegremente, quando a fímbria das palmeiras ficou incrivelmente maior no horizonte. — Você vai amar o oásis, Felicia. Acho que Raschid o considera sua verdadeira casa, embora Faisal não goste dele da mesma maneira, mas percebi em você uma simpatia pelos nossos hábitos. Você gosta de nosso país, não gosta? — perguntou ela, ansiosa.
Felicia reconheceu que se deixara enfeitiçar, surpresa ao perceber como aquilo era verdadeiro. Se as circunstâncias fossem diferentes, ela ficaria contente em viver naquela terra magnífica e eterna.
— Só falta um dia para a chegada de Nadia — acrescentou Zahra. — Estou ansiosa para vê-la!
Felicia esperava que a irmã mais velha de Faisal fosse tão dada quanto a
mais nova. Desde que chegara a carta de Faisal, ela estava consciente de ser uma espécie de impostora, ao menos em sua própria mente. E ter Raschid como inimigo já era mais do que suficiente.
O sol estava se pondo quando chegaram ao oásis. Então, Felicia pôde ver muito pouco de seus arredores, exceto pelas copas das palmeiras carregadas, balançando à brisa leve da noite, e o brilho sedoso do luar sobre a água quando passaram pelo silencioso oásis.
— Certa vez, os Badu acamparam aqui — disse Zahra suavemente —, mas agora os homens da tribo foram para o interior do deserto, continuar com a forma de vida livre que escolheram.
A casa não guardava nenhuma semelhança com a; que ficava nos arredores da Cidade do Kuwait. Construída com pedras brancas, suas estreitas janelas mouriscas pareciam indecifráveis. Elas passaram sob um arco corroído e entraram em um pátio levemente parecido com o da outra casa, mas enquanto este construção moderna que combinava Oriente e Ocidente, aquele era uma evidência muda de épocas antigas. Por trás deles, enormes portas de carvalho com guarnições de ferro se fecharam, um lembrete de que, antes, os visitantes do oásis podiam não ser amigáveis. Criados muçulmanos de andar leve aumentavam a sensação de volta no tempo e Felicia não se surpreenderia se visse algumas dançarinas de harém passeando pelo jardim, os cordões em seus tornozelos chacoalhando ao ritmo de seus movimentos sinuosos.
Em vez disso, Ali as levou por um amplo corredor e Felicia arfou, surpresa e encantada. Pilares de malaquita sustentavam um teto com formas intrincadas, pintados em cores acesas e vistosas. Ela podia ouvir o som de água em algum canto, a distância, e o eterno encanto do Oriente a tomou por completo.
Zahra riu ao vê-la de boca aberta e maravilhada. 
— Sabia que você ia gostar!
Ali e os outros criados estavam trazendo a bagagem, empilhando-a no fresco piso de mármore. Selina correu para dentro, prometendo que logo, logo teriam uma xícara de café, quando as portas duplas do outro lado do corredor se abriram. Felicia viu Raschid, com sua túnica solta, que contrastava com o belo bronzeado de sua pele e as sedas coloridas da decoração.
— Zahra vai levá-la até os aposentos das mulheres, srta. Gordon. Eles dão para um pátio interno. No deserto, um homem sábio mantinha seus tesouros mais preciosos trancafiados e, no tempo de meu avô, as mulheres do harém nunca podiam sair de dentro desta casa. Para deleite de minha avó, ele construiu um jardim dentro das muralhas, para que ela pudesse aproveitar a brisa fresca que sopra do deserto quando chega a noite. Ela costumava dizer que o vento a fazia
lembrar da Inglaterra.
— Você vai amar este lugar, Felicia — disse Zahra suavemente —, e os aposentos do harém. Eles são ridiculamente exóticos. Acredite ou não, há até mesmo uma banheira de mármore, grande o suficiente para nadar.
Ela riu, encantada, quando Felicia ruborizou, reclamando de repente:
— Tio Raschid, os olhos de Felicia são exatamente da mesma cor desses pilares!
— A cor da malaquita — concordou Raschid, olhando para Felicia e passando seus dedos longos e acariciantes sobre o pilar mais próximo dele. — Mas acho que a srta. Gordon não vai achar elogioso ter os olhos comparados com a fria dureza do mármore, não?
Como sempre, o tom de voz quando Raschid falava com Zahra era brincalhão e bondoso, e Felicia ficava chocada com a diferença que havia quando ele se dirigia a ela.
Ali entrou com mais uma pilha de caixas, as quais deixou ao lado das malas de Felicia. A do topo caiu de lado, despejando seu conteúdo sobre o chão. Felicia estava olhando para Raschid e viu seu rosto se transformar de súbito, de uma bondade paternal para sombrio desprezo. Ele caminhou, cortando o chão com alguns passos leves, inclinando-se para tocar desdenhosamente no chiffon carmesim que contrastava com a brancura de sua túnica.
Zahra tremeu, lançando um apelo mortificado com os olhos para Felicia e ela imediatamente agiu. Não importava se os dedos de Raschid afastavam o chiffon com desprezo e arrogância, nem se seus olhos se apertavam ao fitar pensativamente o rosto ruborizado dela, a boca curvada para baixo em asco.
— É minha — disse bravamente Felicia, com doçura artificial na voz, abaixando-se para pegar o chiffon. Raschid estava segurando o vestido com mais força do que ela pensava e, quando Felicia o puxou eficazmente, a calcinha da roupa foi revelada inteiramente. Ela quase riu da expressão de desgosto dele ao abrir mão do cinto de lantejoulas depois de um olhar incrédulo de nojo. — Comprei no souk outro dia. Pensei que podia começar uma nova moda em meu país. — Algum espírito travesso, havia muito desaparecido, subitamente ressurgiu, fazendo com que ela acrescentasse com irreverência: — Espero que Faisal goste. — Modestamente, deixou os cílios caírem para cobrir as bochechas com discrição, arriscando mesmo uma tímida risada. — Não vou usar para sair, claro, mas para uma noite calma em casa... — Ela deixou a voz morrer de propósito, erguendo olhos límpidos para a acidez concentrada nos de Raschid e permitindo apenas uma ponta levemente sugestiva transparecer em sua suposta modéstia.
Olhando as feições impassíveis dele, Felicia admitiu estar brincando com

fogo, mas afastou o pensamento: perdido por um, perdido por dez! Quando longos segundos se passaram, com Zahra paralisada como uma esfinge e a expressão no rosto de Raschid remotamente indecifrável, ela se perguntou se não fora longe demais.
Um frio olhar cinza, cheio de um insulto proposital e precisamente calculado, percorreu o corpo de Felicia, indiferente ao protesto chocado de Zahra. Ao final de algum tempo, ele falou arrastada e despreocupadamente:
— Não é a sua cor, eu acho, srta. Gordon. Com esse cabelo...
— Não? — Ela era toda sorriso e doçura. — Você me surpreende. Eu achei que você consideraria exatamente a minha cor, já que é vermelha.
A maneira como os olhos de pálpebras pesadas se apertaram informou-lhe que ele entendera o que queria dizer, mas Raschid não se dignou a responder e coube a Ali recolher as roupas do chão e retirá-las do cômodo.
Tanto melhor se o aborrecimento de Raschid com ela ocupasse a maior parte de seus pensamentos, refletiu Felicia ao seguir uma Zahra completamente trêmula. De outra maneira, Raschid talvez houvesse percebido que o restante das roupas no chão pertenciam a sua sobrinha e não a ela!
Foi uma garota muito mais contida que entrou no quarto de Felicia horas depois, quando ela estava terminando de retirar as coisas de sua última mala. O quarto era diferente daquele que ela ocupava no Kuwait, uma mudança da água para o vinho. Para começar, não tinha mobília moderna, exceto pela confortável cama de casal. O chão era de madeira polida, coberto de tapetes persas, muito antigos e caros. Um longo e baixo sofá, coberto de almofadas, ficava encostado a uma parede, debaixo das janelas terminadas em arco, convidando-a a relaxar e admirar o belo arranjo de árvores e plantas no pátio logo abaixo, Como em todas as casas árabes mais ricas, o som de água nunca estava distante, porque nos tem-pos passados um árabe podia quantificar sua riqueza considerando a quantidade de água que era capaz de gastar.
Um pequeno closet continha o guarda-roupa, mas foi na arca com guarnições de ferro que Felicia guardou cuidadosamente a roupa de harém.
Zahra fez uma careta ao ver aquilo.
— Nunca vi Raschid com tanta raiva — disse ela em voz baixa, olhos perturbados. — Ah, Felicia, eu sinto muito... A maneira como ele olhou para você... As coisas que ele disse!
— Bom, agora você sabe por que ele nunca me entusiasmou. Mas não guardo ressentimento — garantiu Felicia com suavidade.
— Nenhum ressentimento?! — Os olhos de Zahra se encheram de lágrimas

indignadas. — Você não pode dizer isso depois da maneira como Raschid a tratou. Você é a futura mulher de Faisal!
Agora era hora de ela dizer a verdade a Zahra, mas, antes que pudesse falar, Zahra continuou: 
— Devo dizer a Raschid o quanto ele está enganado, Felicia. Não posso permitir que você seja culpada pela minha tolice e Raschid deve pedir desculpas a você pelo que disse.
Os lábios dela tremiam e Felicia sentiu pena, imaginando o quanto magoara a jovem ver seu tio adorado como realmente era. Naquele momento, ela se sentiu imensuravelmente mais velha do que a Felicia que chegara ao Kuwait havia tão pouco tempo. Ela consolou Zahra o melhor que pôde, prometendo que a roupa desprezada agora seria utilizada no momento propício e lembrando a ela que a própria Felicia provocara os insultos ao enfrentar deliberadamente Raschid. Mas Zahra não se convenceu. Abanou a cabeça dolorosamente.
— Ele queria envergonhá-la diante de nós, Felicia. Pude ver isso nos olhos dele. Mas, em vez disso, ele me envergonhou! — A voz dela estava grossa por causa das lágrimas. — E agradeço a Alá por ter testemunhado o desprezo dele, porque eu não agüentaria se Saud olhasse para mim da maneira como Raschid olhou para você.
Entristecida, Felicia ouvia a dor na voz, mas não podia oferecer muito conforto, além de dizer que Raschid tinha motivos para não gostar dela.
— Porque ele não quer que Faisal se case com você? Felicia, me prometa que não vai deixar Raschid tirá-la de nós. Você se tornou muito importante para mim e já penso em você como uma irmã. Raschid vai ceder, eu sei!

O dia seguinte trouxe a chegada barulhenta de Nadia e do marido com seu pequeno filho. Muitos anos mais velha que Felicia, ela era uma versão mais baixa e feminina de Faisal, completada com seu sorriso brilhante e suaves olhos castanhos. E, no entanto, a familiaridade entre os irmãos não causava nenhuma emoção a ela, percebeu Felicia.
O filho pequeno de Nadia, porém, lhe derreteu o coração e, antes que tivesse permanecido mais de cinco minutos na casa, Felicia já estava completamente enfeitiçada por ele, escutando deliciada a sua importante conversa, enquanto ele a seguia para o quarto. Ele não exibia nada da timidez de seus contemporâneos europeus. Mantinha os largos olhos castanhos arregalados e curiosos enquanto andavam ao redor do quarto. Encontrou o pacote embrulhado que ela esquecera em um canto da mala vazia e insistiu em ver o que havia dentro. Na verdade, estava cuidadosamente removendo seu conteúdo quando Nadia en-
trou no quarto.
Ela levantou as sobrancelhas e sorriu, sentando-se à vontade e de pernas cruzadas no divã, na mesma pose de Umm Faisal. De aparência mais ocidental que a mãe e a irmã, Nadia tinha, no entanto, a aura da protegida mulher oriental. Ela fez um carinho no cabelo escuro do pequeno Zayad enquanto ele cambaleava em sua direção e lhe tirou o pacote das mãos.
— Um presente?
— Algo que alguém me deu por engano — disse Felicia, tensa, mudando de assunto rapidamente.
— Você deve estar entusiasmada com o casamento de Zahra.
— Não tanto quanto estive no meu. — Nadia riu, lembrando. — É estranho pensar que houve um tempo em que eu não queria me casar com Achmed. — Ela viu o olhar de surpresa de Felicia e fez que sim com a cabeça. — Ah, sim, eu era uma rebelde quando mais nova. Nosso casamento foi arranjado antes da morte de meu pai e implorei a Raschid que me libertasse do compromisso. Fiz até ameaças de greve de fome.
— O que aconteceu? — perguntou Felicia, intrigada. Ela não conseguia imaginar nenhuma mulher conseguindo vencer Raschid, mas Nadia estava clara e perfeitamente feliz em seu casamento. E Felicia ficou curiosa para saber como aquilo acontecera.
Nadia sorriu tristemente.
— Foi tudo graças a Raschid, que Alá o abençoe! Você deve ter ouvido falar da siyasa de que nos orgulhamos. Bom, quando me recusei terminantemente a me casar com Achmed, e você deve ter em mente que isso foi no começo do mês do Ramadã, faltando apenas poucas semanas para o casamento, porque ele deveria ser comemorado à mesma época da festa de Eid Al-Fitr, que marca o fim do jejum, Raschid não tentou discutir nem argumentar comigo. Em vez disso, arranjou para que Achmed visitasse a casa e pediu que eu me colocasse no quarto dele e olhasse para o pátio. Dali, veria a chegada de Achmed. Ele pediu que eu esperasse até então, antes de pedir para ser liberada do noivado. — Ela estendeu as mãos, rindo. — O que eu podia fazer? Concordei.
— E? — pressionou-a Felicia, sem fôlego. Nadia riu de novo.
— E, quando vi aquele homem muito lindo entrar nervosamente no pátio, percebi que meus protestos eram os de uma dama que teme as intimidades do casamento. Mas quando olhei para o rosto de Achmed, vi gentileza e compreensão ali e percebi não haver nada a temer. Raschid me conhecia melhor do que eu mes-ma. — Os olhos dela se suavizaram em uma expressão de brilhante prazer. — Vou dizer apenas isso para você, Felicia. Há aqueles de sua raça, e da minha também,
que antecipam seus votos de casamento, jogando fora a parte principal da semente e mantendo apenas a casca inútil, mas não há liberdade nem igualdade que se comparem com o prazer de compartilhar os mistérios do corpo com o marido amado e saber que esses mistérios são revelados para ele e somente para ele.
As palavras ternas quase levaram Felicia a chorar, pois denotavam sentimentos que ela sempre procurou, mas nunca soube expressar. Elas olharam uma para a outra em completa compreensão e Felicia notou que, o que quer que Raschid pensasse dela, Nadia adivinhou a verdade.
Ao se levantar para sair, ela apertou a mão de Felicia levemente.
— Zahra me disse que Raschid fez muito mal a você. Pelo bem dela, ela deve contar a verdade a ele, mas Raschid é um homem orgulhoso e pedir descul-pas não vai ser fácil. Mantenha isso em mente. 
E tornar as coisas fáceis para ele? Era aquilo que Nadia estava pedindo? Raschid tinha sorte de ter aquela família, pensou Felicia com inveja. Todos tinham grande estima por ele.
— Você se parece muito com a avó de Raschid suspirou Nadia. — Mas Zahra já deve ter lhe dito. Minha mãe me contou que você e Faisal são amigos. Percebendo o que estava por vir, Felicia disse apressadamente:
— Podemos falar disso outra hora... Depois do aniversário de Zahra, talvez? Nada deve manchar essa data.
— Certamente que não — concedeu Nadia, sorrindo e levando o filho para fora, para sua soneca vespertina.
Felicia logo descobriu que toda a família compartilhava do amor de Zahra pelo oásis e pela luxuosa casa que o avô de Raschid construíra ali para sua esposa inglesa. No deserto, a família adotava os costumes de seus ancestrais, com as mulheres se reunindo todas as manhãs para conversar e tomar café, enquanto Raschid e Achmed inspecionavam a plantação do outro lado do oásis e exercitavam os ferozes cavalos árabes que eram guardados em um estábulo num dos pátios mais afastados. Zayad se agradara de Felicia, seguindo-a aonde fosse, para diversão de Nadia.
Na véspera do aniversário de Zahra, quando os homens estavam fora cavalgando, um mensageiro da família de Saud chegou, convidando as mulheres para ir até a casa dele. Felicia teve muita dúvida sobre se o convite a incluía ou não, mas Zahra e Nadia a convenceram a ir.
Quando os homens retornaram, Zahra correu a contar as novidades. Ela não mostrava timidez alguma na presença do cunhado, que, em troca, a tratava com a indulgência de um irmão. Felicia gostou do marido de Nadia. Ele era tudo o quentes escorressem por suas bochechas, os dedos se encostassem furiosamente nas palmas das mãos e ela achasse alguma paz ao imaginar o corpo musculoso de Raschid se contorcendo era agonia mortal. 
Quanto à camisola... Felicia olhou desesperada para a frágil peça que cobiçara poucas horas antes. Ela a queimaria antes que pudesse chegar perto de seu corpo!




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