5- ESPELHO DE MÁRMORE ( MAÍRA)

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Descendo o vulcão, agradecida por nada de mal ter acontecido, já que as minhas experiências normalmente eram bem desagradáveis, avistei ainda longe meu pai caído de bruço com o rosto ao pó. Corria até ele. A distância parecia cada vez mais longínqua.

E se ele tiver caído agora?, pensei. Apesar de saber o tempo que levamos na parte superior daquele vulcão, talvez ainda  pudéssemos fazer alguma coisa.

— Pai! Pai! — Me desesperei. Arlo seguia atrás de min, tentando me alcançar. — Pai! — Escorreguei faltando poucos metrôs de César, me fazendo arrastar pela superfície rochosa, com vestígios de cascalhos, terra e areia, senti um forte ardor em minhas costas, o meu movimento só acabou ao me esbarrar nele. Mesmo com o solavanco, permaneceu imóvel.

— Maíra! — Arlo chegou até mim e se abaixou. — Está tudo bem?

Eu não tive coragem de virá-lo. Eu só chorava. Mas eles assim fizeram e constatamos a sua morte.

Meu pai sentia dores fortes no peito. Eu o vi assim durante toda a minha estadia em Neiva. Quando adulto, ele havia tentado vários tipos de magias, mas não conseguiu a cura permanente. Depois passou a procurar por artefatos de deuses e de outros seres mágicos, que pelas histórias que se ouvia do povo,  prometiam maiores conquistas. Mas  tudo foi em vão e dessa forma, tentando roubar o chifre de um Bugoso, caçado pela própria rainha, ele foi pêgo e trazido para colônia, como punição. Ele acreditava que se o tivesse, poderia pedir qualquer coisa e teria a sua saúde restabelecida. Porém esse furto reaproximou meu pai e minha mãe,  que na época alimentava aos condenados, presos na masmorra do castelo, antes do acidente que deformou seu rosto.

— Temos que ir! — Falei para mim mesma. Sentada ainda estava, na mesma posição após a minha queda, o olhava fixamente inconsolável. Em tão pouco tempo ao seu lado, ele conseguiu me fazer sentir querida. — Temos que ir! — Ergui meu olhar aos dois que estavam parados em silêncio aguardando a minha direção. Arlo, se abaixou ao meu lado, revezava carícias entre meus cabelos e minhas costas.

— Se você quiser, podemos esperar um pouco, meu bem. — Meu marido falou, com a voz alterada.

— Não podemos! — Me exaltei e o assustei, fazendo com que retirasse as mãos de mim no instinto. — Me desculpa, me desculpa! — Me levantei e ele veio ao meu encontro com um abraço tão quente. Dando continuidade às carícias, em meus ombros, esfregava seu queixo. Suspirei e enxuguei minhas lágrimas.

— Nós realmente temos que ir. Eu também conhecia a profecia. Meus pais sempre falaram, mas nunca imaginei que faria parte dela. —Falou Porã. — Me ajude a enterrá-lo. — Pediu a Arlo. Ele acenou para mim com um olhar de "sinto muito" . Eu ainda chorava.

O frio era literalmente de doer os ossos, mas eles não doíam mais que o meu coração. Eu carregava aquela esfera pesada, mesmo os dois homens se oferecendo para me ajudar. Me sentia no dever de protegê-la, a final, era o meu portal.

Rumamos para a floresta em um silêncio absoluto. Eu tinha que superar o fato de largar o corpo de César ao relento, apesar de enterrado, seria um túmulo que eu nunca visitaria, não saberia encontrá-lo.

Tentava manter-me sã. Caminhava com a minha mente oscilando entre o luto e minhas inseguranças. Eu fazia parte da profecia. Estava predestinada a encontrar Tau antes mesmo de nascer. O destino, poderia tornar muita das vezes, mais difícil nossas decisões. Acreditava ser alterável, por isso ainda tinha fé de que nossa interferência anularia o que foi profetizado. Meu pai afirmou que o ato de atravessar superfícies reflexivas vinha da maldição imposta a mim pela deusa Jaci, por ter me deitado com o avô de Liam, assim como sobreveio a Kerana, gerando seus filhos monstros. Para ele, independente de Anhangá ter retirado o sopro da morte, que me transformou em uma sugadora de alma, essa maldição ainda estava sobre mim. Eu não tinha certeza, porque em cinco anos, nunca vivenciei essa experiência antiga. Esse era o primeiro problema e o segundo, era que eu precisava, depois de lançar o cristal por uma das portas do submundo, ser chamada por Liam através dele.

DEUSES DA FLORESTA 2 - NA CHAMA DO TEMPOOnde histórias criam vida. Descubra agora