8- O PASSADO NUNCA VAI EMBORA (ARLO)

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Foi difícil me acostumar com o rosto novo. Normalmente quando se referem a algo novo, as pessoas imaginam alguma coisa bonita, limpa... NOVA, mas o meu não. O meu era diferente, enrugado, feio, deformado.

Nos primeiros meses eu tive vergonha de aparecer fora do meu próprio quarto, na verdade, não somente vergonha, não via motivo para isso. Maíra, insistia tanto em cuidar de mim que eu permiti, como tudo que me solicitava.

Eu sabia, mesmo sem a capacidade de ler mentes, que ela pensava nele. Seus olhos, por diversos momentos no dia, vagavam para bem longe de mim e de Mathias, que a chamava umas cinco vezes antes de ser percebido. Era ele quem a trazia de volta. Eu nem cogitava conseguir essa façanha.

A primeira vez que eu tive coragem de me expor ao público, foi para comprar veneno a fim de cometer suicídio. E como ficaria nosso filho, se sua mãe não o notava?, pensava. Injustiça dizer isso! Ela o amava. Era por ele que estava conosco, porém passava por uma fase difícil como a minha, mas por amar alguém que me tornou um homem infeliz.

- O que foi? - Me pegou a olhando. - Eu fiz alguma coisa? Você está sério. - Ela não tinha ideia do que eu pensava. Quer dizer, podia ler a minha mente, mas não fazia nem questão disso. Me tornei insignificante para Maíra.

- Nada. - Respondi cabisbaixo, sentado na cadeira de balanço em nossa varanda e ela, sentada nos degraus da escada de entrada, com um livro no colo, olhando para floresta, como se esperasse ver alguém. A cada movimento naquela direção, se esgueirava desconfiada e ao constatar que era um animal, suspirava desanimada.

Na verdade, poderia ser muito mais do que isso. Depois da queda do submundo, os sete monstros ficaram presos aos destroços, dessa forma, Anhangá os prendeu, mas algumas bestas escaparam do calabouço e com elas, almas, que passaram a vagar procurando por luz. Era o que diziam os nativos.

Às vezes, eu achava que poderia ser uma dessas opções, mas não tinha certeza se isso era fato ou lenda. Para Maíra, lenda não existia no mundo em que vivíamos. Assim como nosso gato desaparecido, ela afirmava com afinco, que ele deveria ser um metamorfo, pois  esteve na batalha da profecia.

Três anos se passaram após o sumiço de Liam e finalmente tivemos uma noite romântica. Parte dessa demora, em voltarmos a agir como um casal, se deu por eu não me sentir confiante como antes. Me via sendo inferior a ela, com toda a sua juventude e formosura. Maíra não estava envelhecendo. Ela parecia a mesma menina de vinte e três anos, seus cabelos loiros, chegavam a cintura e seus olhos, mais azuis do que nunca. Ela estava com trinta e um anos e eu, com quarenta e nove.

Um dia fomos à cidade do Porto. Mathias tinha sete anos e se interessava por tudo que eu fazia. Lá estava ele, barganhando para conseguir um pirarucu. Maíra estava aérea olhando para os novos prédios, mas precisamente para uma taberna. Se eu não a conhecesse bem, desconfiaria que estava se sentindo atraída pelas mulheres que estavam à porta.

- Venha, meu bem. - A chamei. Tive receio que alguém conhecido a visse próxima às meretrizes e destruísse a sua reputação.

Eu conversava com os comerciantes e o nosso filho se divertia indo em barracas e pedindo amostras grátis de frutas e biscoitos. Ela o acompanhava com olhar, mas estava ao meu lado.

- Aqui, comandante Arlo. Está limpinho. - Falou o vendedor a respeito do peixe. - Esse seu menino não é fácil. Sabe pechinchar, vai ficar rico. - Rimos ele e eu. Maíra estava distraída observando Math.

- Que pessoal é esse na igreja? - Perguntei. Parecia um grande evento na região. A igreja estava lotada.

- Eles são de um vilarejo mais ao leste. Tudo foi destruído por lá. Eles ficaram sem suas casas, muitos morreram. - Maíra se interessou rapidamente pela história e ficou atenta a sua fala.

- Quem destruiu? Eles falaram em monstros ou almas? - Ela o perguntou. Nessa época, muitos já acreditavam nas crenças indígenas.

- Não. Foi um tipo estranho de incêndio. -Respondeu o comerciante. Ela arregalou seus olhos ao ouvi-lo.

- Estranho quanto?- O questionou enérgica. Respirei fundo.

- Maíra, vamos embora. O Math está cada vez mais longe. - Segurei sua mão para puxá-la e ela se soltou. - Maíra, olha para mim.- Havia lágrimas brotando em seus olhos. - Esqueça isso! -Ordenei. Tive medo que nos deixasse. Ela confirmou com a cabeça.

Passamos mais quatro anos ouvindo histórias de incêndios descontrolados, a maioria era boato. Mas soubemos de um na floresta e esse os meus soldados confirmaram, pois trabalharam na contenção do fogo que se alastrava sem dó, rapidamente. No primeiro momento, Maíra se isolava e depois se acostumava à notícia. Nosso filho já sabia e dizia, É dia da mamãe ficar sem voz. Era muito difícil ser seu marido, mas não sabia ser outra coisa além disso.

Numa noite, após a festinha do aniversário de onze anos de Matias, estávamos conversando na sala, com meu pai, minha mãe e Dona Rita. Nosso menino pegou no sono sentado, com a cabeça apoiada no ombro do avô. Ríamos disso, pois o comparávamos a mim, pelo fato de ser bom de cama. De repente Maíra, que olhava para o quintal pela porta aberta da sala, se levantou. Ela saiu como se não houvesse ninguém em volta dela e foi para floresta.

- Onde ela está indo?- Perguntou Dona Rita e meus pais se olharam confusos.

- Não sei, vou atrás dela. - Peguei a minha espingarda na biblioteca e corri para conseguir segui-la.

Alcancei Maíra. Ela falava com uma mulher ruiva, que estava acompanhada de alguns homens estranhos. Sendo três deles, também ruivos. E os outros dois, de pele morena e cabelos pretos. Seriam eles algum tipo de assombração?, Analisei cada um para saber se o maldito estava entre eles.

A mulher entregou algo a ela, não consegui identificar, mas Maíra não estava feliz. Ela recusava aceitar o que lhe era falado, chorava e tentava devolver o objeto. Eu fiquei escondido, mas por pouco tempo.

De repente a moça dos cabelos vermelhos me olhou e gritou.

Acordei em minha cama, demorei um pouco a recordar o que havia visto

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Acordei em minha cama, demorei um pouco a recordar o que havia visto. Meu ouvido doía. Levantei, desci as escadas e me deparei com meus pais, que ainda estavam na casa.

- Bom dia! - Ajeitava meu cabelo ao entrar na cozinha. - Onde está Maíra? _ Questionei e vi a hesitação em seus rostos.

- Ela sumiu, Arlo. - Disse minha mãe, aflita.

- Sumiu? - Fiquei preocupado.

- Sim. Já tem dois dias.

- Dois dias? - Me espantei. - Eu vou resolver isso. Me arrumem um espelho.

 Me arrumem um espelho

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DEUSES DA FLORESTA 2 - NA CHAMA DO TEMPOOnde histórias criam vida. Descubra agora