×The Scar× [ᶜʰᵃᶰˡᶤˣ]

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Enquanto isso na casa dos Lee

—A senhora é realmente incrível omma-Exclamei ao ver a mesa da cozinha repleta de coisas gostosas, a fome que eu sentia era tanta que eu poderia comer tudo isso e ainda mais.

—Que nada meu querido, nós merecemos comer coisas boas sempre que dá, hoje mais cedo eu recebi o dinheiro do dia então passei ao mercado na volta comprar os camarões e as fritas, não me esqueci dos Brownies que você adora.-Sorriu.

—Obrigado Omma, Como foi lá no seu primeiro dia?-Me sentei pra comer com ela após agradecermos a comida.

—Foi cansativo, o rapaz é bagunceiro mas é uma boa pessoa.-Riu gentilmente após tomar um gole do suco.

—Ele pagou bem?-Questionei curioso.

—Sim, 400 wons só hoje, como agradecimento lhe fiz uns petiscos pra comer.

Minha boca se fez num grande "O", 400 wons são muita coisa só pra um dia. Mas seja como for, espero que omma sempre seja reconhecida assim.

—Fico feliz pela senhora, merece mais que tudo, e obrigado pela comida também. Espero que volte lá novamente, afinal receber 400 wons não é nada mal.-Rimos juntos ao término de minha fala.

Nunca vi ela tão contente depois do acidente, faz tanto tempo que não comemos algo diferente no jantar, tanto tempo que não sorrimos verdadeiramente como agora. Minha mãe só não podia nem sonhar que eu peguei o carro, ela me mataria.

Eu me sentia grato pelo homen bondoso..

—Tomou seus remédios querido?- Me questionou com aquele olhar preocupado de sempre.

—Sim, hoje começo a tomar o outro que é depois do jantar.

—Pois bem, não os esqueça, e não esqueça também que amanhã tem médico, eu queria ir com você mas tenho uma entrevista de emprego.

Um emprego era o que precisavamos mais que tudo, nossa situação era precária e vivíamos como podíamos numa pequena vila aqui de Seul, a mais humilde.  
Depois do acidente fui suspenso de trabalhar em qualquer coisa, só daqui seis meses até eu conseguir viver normalmente, mas até esse período chegar está sendo bem difícil pra nós.

—Queria poder trabalhar mãe, pra lhe ajudar, me sinto... inútil.-Engoli uma lágrima.—Mas eu prometo que quando eu estiver cem porcento, serei eu quem irei trabalhar e a senhora não precisará se cansar.

Minha mãe é de idade apesar da aparência, tem suas limitações. Ela é a âncora na família!! Eu sou apenas um estorvo,  apenas alguém impossibilitado,e isso me irrita profundamente, mas dia após dia eu finjo estar tudo bem.

—Não se sinta inútil meu bem, você é tudo o que eu tenho, é útil pra mim mais do que pra qualquer pessoa.-Segurou minha mão ao parar de comer.-Eu posso sustentar a nós dois como fiz quando você era criança, só não prometo que terá brownie todo dia.-Sorriu sem graça dando de ombros me fazendo rir também.-Eu te amo Felix, tudo vai ficar melhor pra nós, acredite, vamos viver um dia de cada vez.-Depositou um beijo suave na minha mão e voltou a comer o jantar assim como eu.

Ela era mais forte que eu..

O resto da noite correu bem, a ajudei na louça e fomos pra cama, dormíamos cedo quase todos os dias.  Escovei os dentes após um banho quente e fui pra cama, me sentei com as pernas cruzadas e em seguida tirei do criado mudo uma folha de jornal prestes a querer amarelar, fina pelo tempo, nela tinha detalhes daquele dia, o dia em que tudo mudou.

Eu não sabia por que a guardava, era uma lembrança ruim, mas que de certa forma me fazia agradecido por alguém que nunca verei.

Cada segundo ainda está fixo na minha mente, no começo eu perdia o sono com frequência mas aprendi a aceitar a verdade.

Eu estava a beira da morte mas fui salvo por um desconhecido que foi mais além e não teve a sorte que eu tive, serei eternamente grato a ele por ser parte de mim. Por eu estar aqui hoje.

Olhar esse pedaço rasgado do jornal todos os dias as vezes me deixa em branco, não sei o que pensar ou sentir, as vezes eu choro por horas, e outras vezes eu não esboço nem mesmo uma sequer reação.

"Acidente na rodovia principal deixa dois mortos e uma vítima inconsciente"

Na tarde tempestuosa de hoje (13/06) um automóvel  em alta velocidade invade a pista contrária e bate de frente com outro veículo. Os dois homens que efetuaram a batida vieram a óbito no momento do ocorrido enquanto que a vítima seguinte foi levada ao hospital inconsciente e em estado grave.

Ainda lembro de como omma chorou por dias quando acordei do coma de três meses, debilitado, sem movimentos, e com vinte porcento de chances de sair daqui e ter uma vida normal como antes, eu tinha certeza que morreria. Mas quando eu pensei que tudo estaria acabado, ele apareceu e me salvou, involuntariamente mas me salvou.

Guardei o pedaço do jornal dentro do criado mudo denovo logo fechando a gaveta, me acomodei na cama apagando o abajur que iluminava uma boa parte do quarto. Hoje, como ontem, eu só senti um grande peso na alma.

Os dois homens que morreram estavam embriagados e tinham família sem dúvidas, minha mãe correu o risco de ficar sozinha sem mim e ela sofreria muito, e eu...bom, eu sobrevivi, e aqui estou, remédios, consultas, exames semanais, muitas restrições..é o preço que se paga para estar vivo.

Me enrolei na coberta quentinha pois fazia um pouco de frio aqui, ainda mais em meu quarto que parte da janela havia quebrado desde a última tempestade, tentei remendar um pedaço de papelão mas não ajudou muito. 

-Droga de vento frio.-Me cobri por completo e assim consegui dormir.

E agradeço a Deus por não ter feito chover essa noite.