PRÓLOGO

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Paris, França, 1852

Era noite de verão e Elizabeth já começava a sentir calor dentro de seu espartilho, o pensamento de que ainda faltavam camadas de saia e mangas bufantes a serem colocadas a fazia estremecer.

- Quem sabe você encontra um lindo rapaz hoje? Anime-se. – Judith, sua criada, tentou a incentivar enquanto terminava de amarrar as cordas do corset.

- Duvido que exista algum rosto masculino que eu não tenha conhecido por essa vila, será mais uma noite gasta em danças e comida.

- Nunca se sabe! Seu pai não chamou os parceiros da Inglaterra por nada, talvez algum rosto inglês te impressione hoje.

Depois de conhecer tantos homens desinteressantes, Elizabeth começava a perder as esperanças de que fosse conseguir encontrar qualquer um que tirasse alguma risada genuína dela. Apesar de ter o sonho distante de ser uma mulher livre em pleno século XIX, sabia que precisava se casar logo ou estaria velha demais aos olhos da sociedade para conseguir um bom par, teria de se sustentar com aquele que fosse o menos enfadonho.

Se olhou no espelho, admirando a própria aparência: seu cabelo loiro estava preso no alto, enfeitado por pequenas flores brancas e amarelas, com pequenas mechas que caiam na frente emoldurando o rosto em formato de coração, suas bochechas tinham sido tingidas com um leve tom de rosa que fazia seus olhos verdes se destacarem e combinarem ainda mais com o longo vestido verde-escuro que usava. Quando ela entrou no salão abarrotado todos a admiraram, mas o que realmente importava para ela era quem teria sua admiração.


Nos fundos do jardim, um jovem casal ria alto, qualquer um que passasse ali diria que era culpa da bebida, entretanto, os dois estavam sóbrios. Sentados num banco à frente de um chafariz de cupido, a cena parecia uma obra de arte do romantismo: a menina loura rindo enquanto se curva para frente, aproximando-se do rapaz de cabelos escuros que conta uma piada, e no fundo o cupido arquitetando suas próximas vítimas com a flecha de coração.

Fazia tempo que Elizabeth não ria daquela maneira, o rapaz que tinha conhecido durante à noite foi uma surpresa agradável para ela. Ela o encontrou enquanto dançava com um escocês que já havia gastado conversas triviais em outros bailes, e então, Dominic apareceu e a convidou para dançar. De primeiro momento, o que a encantou nele foi sua beleza: seu rosto se destacava pelas pintas, ele possuía um forte maxilar e marcante nariz, cabelo escuro curto que harmonizava com o castanho de seus olhos, mas sua aparência não foi o que a manteve cativada, já tinha conhecido belos homens que se revelaram medíocres, todavia, ele se mostrou charmoso, inteligente e engraçado. Até então, ela não havia saído de perto dele.

- Eu estou esperando você me contar da onde veio. – ela insistiu novamente.

- Eu já disse! Vim da Itália e estou aqui com os ingleses, o duque de Corbyn é um grande amigo e vim acompanhá-lo.

- Não é a primeira vez que ele vem aqui, já você eu nunca vi antes.

- Mas é a primeira vez que eu venho, e não estou arrependido.

- Os negócios aqui estão sendo bons, então?

- Não somente isso. – ao dizer essas palavras ele olhou e sorriu diretamente para ela, Elizabeth corava toda vez que ele a cortejava.

A garota cresceu lendo livros dos mais variados gêneros, seus favoritos eram os de romance, ela se deliciava com as histórias de casais tendo amores proibidos, mas agora, tão longe dos olhares de qualquer um, ela não sentia a mesma coragem das protagonistas para beijá-lo. E se alguém os pegasse? Sua reputação estaria arruinada para sempre. Continuaram conversando então, contando histórias de vida e suas origens, a garota sempre acabando por dar mais detalhes que ele, e o tempo passou voando.

- Eu acho melhor voltarmos pra festa, não é bom para uma dama ficar aqui fora tão tarde. – sugeriu o rapaz.

- Estou cansada desses bailes, é sempre a mesma coisa. Você foi algo diferente hoje.

- Como posso tornar essa noite ainda mais especial?

- Existe alguma chance de nos vermos novamente? - era a resposta para aquela pergunta que ela temia a noite inteira, finalmente tinha encontrado um homem bom o suficiente e tinha medo de que fosse a única vez que o veria. Viajantes nem sempre eram os mais procurados pelas damas para um casamento, pois se mantinham muito tempo longe e nesse meio tempo poderiam acabar se casando com alguém do próprio país ou vilarejo.

- Para ser sincero, presumo que não. – a garota sentiu o coração apertar, como poderia se sentir tão afetada por alguém que tinha conhecido há horas atrás? Era refém das próprias expectativas.

- Então me beije, para mantermos uma lembrança.

Não era certo, ela sabia, mas queria que seu primeiro beijo fosse com alguém que admirasse e Dominic tinha atraído toda sua admiração. O garoto se aproximou, pegando em suas mãos e começando a retirar lentamente as luvas brancas que ela usava sem quebrar o olhar. O coração da garota batia tão forte que ela temia chamar a atenção de quem estava dentro da mansão. Ele, então, beijou os nós de seus dedos nus, sua palma, seu pulso, subindo para o braço e chegando ao pescoço, onde demorou-se. Quando ele se direcionou a sua boca, não a beijou imediatamente, ficaram ali trocando respirações, os narizes se roçando numa lenta carícia e ela sentiu que aquele mínimo espaço entre as bocas poderia a matar, precisava daquele beijo assim como precisava de ar para viver, e quando ele finalmente encostou os lábios nos dela, ela se perguntou se na verdade aquele beijo causaria a sua morte.

- Elizabeth? – a voz estridente da mãe da garota proferiu atrás deles, no mesmo momento os dois se afastaram e a garota se levantou – O que pensa que está fazendo?

- Mamãe, se acalme, por favor!

- Você não sabe a sorte que tem de ter sido eu a vir te procurar e não seu pai. – ela vinha com passos duros em direção aos dois – É pra isso que você pede tempo para encontrar um marido? Pra se engraçar com um garoto em segredo como uma prostituta?

- Senhora, essa com certeza não foi a situação, a culpa foi minha e... – inabalado, Dominic tentou ajudar mas foi interrompido:

- Com certeza foi! Não pense por um momento que essa história irá sair desse jardim. Elizabeth é uma dama de respeito e não ouse contar suas gracinhas para o duque de Corbyn ou qualquer outro.

- Mamãe, não há necessidade desse escândalo...

- Escândalo? Escândalo é o que teria acontecido se outra pessoa tivesse aparecido aqui! Agora vamos voltar. – agarrou-a pelo braço e caminharam com pressa para dentro da mansão novamente.

Aquela foi a última vez que Elizabeth e qualquer um da caravana inglesa veriam o garoto. Para ela, sobraria apenas a lembrança do seu humor, do beijo que nunca foi igual com qualquer outro que ela se casou e dos sonhos que ela teria toda noite com ele. Às vezes, ela se perguntava se aquilo tinha realmente acontecido ou teria sido um sonho que antecipou todos os outros. Da mesma maneira que Dominic apareceu de forma inesperada, ele também se foi.

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