Mais uma vez Amélia tinha sonhado com ele, já acontecia há meses e nas últimas duas semanas com frequência ainda maior, toda vez ela repetia o mesmo ritual: abria a gaveta da mesa de cabeceira ao lado da cama e fazia uso do caderno cheio de anotações e desenhos. O mesmo rosto se repetia em várias páginas posto ao lado de diferentes mulheres e homens. Numa nova página em branco ela anotou o dia: terça-feira, 28 de outubro, e começou a traçar o que se lembrava. Seu nome naquele sonho era Elizabeth, seu rosto era angelical e ela aparentava ser rica para a época (vitoriana, talvez?), enquanto ele continuava com a mesma aparência mas nome diferente, isso era o que mais a intrigava. Em todos os sonhos os dois se separavam de alguma forma, nem sempre vivenciavam um romance, algumas vezes eram amizades com fortes conexões, mas sempre se viam distanciados por motivos diferentes no fim. Com palavras-chaves ela descreveu os acontecimentos e foi tempo suficiente para o despertador tocar, era hora de se arrumar para a aula.
No banho, os momentos repassavam na sua mente como um filme, mas diferente das mídias, ela ainda conseguia sentir o que aquela mulher sentiu: o toque na sua pele, o beijo delicado, o temor e a tristeza de ter sido descoberta. Ela não compreendia porque continuava vendo aquele rosto em seu sono. Certa vez, tinha lido que você só era capaz de sonhar com rostos que já viu em algum momento, mas tinha certeza que seria capaz de se lembrar daquele homem marcante se o tivesse visto em qualquer multidão.
Amélia já tinha sonhado que vivia em mansões, palácios, e até no meio de florestas, mas nunca com a realidade de sua situação: vivia numa pequena casa no interior da Pensilvânia, com sua mãe e seu pai. Quando era mais nova, ela via os pais como o casal perfeito, tinha certeza que tinham saído de algum conto de fadas, mas agora ela não sabia dizer se o tempo fez com que o amor dos dois se perdesse ou se sempre havia sido assim e as lentes infantis do passado embaçavam isso.
Se arrumou, prendendo parte do cabelo liso castanho e deixando solto o resto com comprimento até os ombros, ajeitou a gargantilha marrom no pescoço e se retirou para a cozinha. Tomou café da manhã sozinha e esperou sua carona até a escola, Erin, que sempre a ajudava quando os pais saíam pra trabalhar mais cedo, o que era frequente. Dentro do carro, ela repassou o sonho para a amiga de pele escura e cabelo cacheado.
- Sabe o que eu acho? Que você tem dado muita importância para esses sonhos e por isso eles têm se repetido.
- Não é uma opção a ser descartada, mas o que não faz sentido é o porquê de ter começado a sonhar com ele. Eu nunca vi esse homem antes.
- Você acha que nunca viu ele antes. Já viu aquilo que as marcas usam mensagens subliminares na televisão para você sentir vontade de consumir ou algo do tipo? Esse cara deve ter aparecido no fundo de algum filme e está agindo dessa forma na sua cabeça.
- Claro, ele e um fast food tem o mesmo efeito sobre mim.
Amélia não gostaria que o assunto tivesse se tornado repetitivo e cansativo para a amiga, ela e Victoria eram as únicas pessoas que havia contado sobre e não tinha intenção de compartilhar com mais ninguém, mas talvez fosse melhor parar e guardar aquilo pra si mesma e as folhas do caderno marrom.
- Olha, eu acredito em você, mas acho que essa história não está te fazendo bem. Minha psicóloga diz que os sonhos têm significado, talvez você deveria fazer terapia pra entender melhor. - não era uma ideia ruim, sabia que era verdade aquela explicação, mas ela sentia que os seus sonhos tinham um motivo maior, algo oculto por trás.
Quando chegaram, Erin estacionou no mesmo lugar de sempre. Era outono e as folhas alaranjadas estampavam cada canto aberto da escola. O dia das bruxas chegaria em alguns dias e por toda parte haviam decorações que indiciavam isso, quando contornaram o caminho de uma caveira de plástico que ornamentava um chapéu de bruxa, Erin falou:
VOCÊ ESTÁ LENDO
Somnium
FanfictionDe acordo com o psiquiatra Carl Jung, "os sonhos são as realizações de desejos ocultos", no entanto, Amélia Brown não consegue entender por que sonha todas as noites com o rosto de um desconhecido e sente uma forte conexão por ele. Quando Amélia com...