Somnium

Capítulo VI

Amélia acorda com o cheiro de café, bacon e torrada, e mais do que isso, há o som de risadas e conversações. O espaço reservado ao seu lado e separado pelos travesseiros agora está vazio e as persianas foram abertas parcialmente de modo que o quarto se encontra brevemente iluminado.

Para sua felicidade e estranhamento, ela não tinha sonhado novamente. Não houve sonhos enigmáticos como aqueles em que perdia um dente ou caía de algum prédio, nem aqueles em que Ethan e ela própria se mascaravam com outras identidades. Ainda não entendia os motivos por trás daquela falta, no entanto, isso iria ajudar a conseguir olhar para ele sem se sentir esquisita.

O que realmente parecia um sonho lúcido era ainda estar na casa de Ethan e ter dormido nos seus lençóis. A noite de ontem foi caótica, como é de se esperar das festas de Ollie, mas ter parado aqui e dividido sua cama era um patamar novo.

Amélia joga as cobertas para o lado e espreguiça todos os seus membros até se sentir verdadeiramente acordada. O cheiro de Ethan está espalhado por toda a cama e ela espera que ninguém abra a porta quando enfia o nariz nas fronhas para o sentir melhor. A primeira coisa que decide fazer quando se levanta é abrir totalmente as persianas e assim descobre que a visão da floresta lá fora é ainda mais bonita com o sol raiando. Não faz a mínima ideia se acordou cedo ou tarde, mas espera que tenha sido uma hóspede suficientemente decente para não ter demorado tanto.

Pelos murmúrios e pelas risadas masculinas ecoando longe do quarto, Ethan possui companhia e Amélia se amaldiçoa por ter apenas esse pedaço pequeno de vestido para fazer uma aparição. Quando se olha no espelho, pensa que poderia facilmente ser confundida com alguma companheira de sexo casual da noite anterior e espera que ele tenha explicado sua situação para quem quer que esteja presente. É então que ela percebe que há na mesa de cabeceira junto ao livro, o presente que foi lhe dado, uma muda de roupas com um bilhete deixado em cima.

"Para você, Amélia" é o que está escrito em uma caligrafia rebuscada.

Amélia retira o pedaço de papel e desdobra as peças, deparando-se com uma camisa de algodão feminina branca e uma calça jeans de lavagem escura. Na noite anterior, Ethan tinha dito que não possuía nada que ela poderia vestir, então isso só podia significar que essas roupas são novas. Ela não sabia como iria conseguir devolver tanta gentileza que estava sendo feita, ainda era uma surpresa ver esse lado dele.

No banheiro, Amélia escova os dentes e troca seu vestido preto pelas vestes recém-adquiridas. É um traje casual que não atua na sua aparência drasticamente, mas que Ethan conseguiu acertar no tamanho sem precisar de ajuda.

Antes de sair do quarto, Amélia encosta o ouvido na porta tentando reconhecer as vozes que não param de dialogar, mas nenhuma é perceptível. Não tem intenção alguma de conhecer pessoas novas, principalmente os amigos de Ethan, então espera que consiga se despedir e sair pela porta da frente rapidamente. Na melhor das hipóteses, Ethan contou para eles sua situação, caso contrário, seu caminho até lá será uma caminhada da vergonha.

Com o livro e as asas de mentira na mão, Amélia sai do quarto e as vozes se tornam mais claras. Conforme anda pelo corredor, não consegue ter uma visão da cozinha, mas escuta um assunto qualquer sobre escola e nunca quererem voltar para ela. Amélia para, indecisa por um momento se deve ficar escondida no corredor para escutar o que estão falando, até que Ethan aparece na sua frente e elimina essa possibilidade.

- Bom dia, Amélia. Dormiu bem? – A súbita aparição fez Amélia levar um susto, mas tudo que ela faz é sorrir, concordar e esperar que ele não tenha percebido sua intenção ao estar parada no meio do corredor.

- Bom dia. Sim, como um anjo – diz. Antes de perguntar sobre as companhias na cozinha, decide ser cordial: - Muito obrigada pelas roupas, elas são muito confortáveis.