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09.

Snow


Eu não consigo me lembrar o que aconteceu depois que escureceu.

Ao abrir meus olhos, está tudo num breu calmo e silencioso. Eu deveria ter alguma reação, mas a única coisa que consigo fazer é erguer o meu tronco e coçar meus olhos com força, balançando a cabeça.

Este é o meu quarto. O meu bagunçado, mas confortável, quarto. E eu estou sentado em cima da minha cama quente, cujas cobertas cobrem as minhas pernas.

Eu não sei qual pensamento me mandou me erguer e sair daqui, mas quando percebo, já estou em frente à janela. A madeira está fechada, fazendo com que os raios fortes do sol lá fora passem arduamente pela brecha no canto da janela. E quando eu a abro de repente, me cego por alguns segundos.

Eu não sei que horas são. Não sei como vim parar aqui. Não sei como eu consegui permitir alguém, inclusive a mim mesmo, a tirar a minha blusa de manga comprida, e deixar meus braços e pernas completamente a mostra.

As minhas cicatrizes a mostra. Todas elas.

Não sei como estou conseguindo encará-las por tanto tempo sem ter enjoo ou algo do tipo.

E ao observar todas as marcas quase invisíveis penetradas nos meus braços, memórias da noite anterior vem à tona da minha cabeça. É impossível lembrar como cheguei da Praça Municipal até aqui, mas eu me lembro do grande choque da noite.

Eu lembro que eu chorei nos ombros de Scorpius. As minhas lembranças me dizem que foram apenas três lágrimas, mas eu desconfio que sejam mais que isso.

Quem colocou essas roupas em mim? Quem me secou? Quem me levou para a minha casa? Quem me deixou aqui na minha cama e me cuidou até que eu adormecesse?

E se Scorpius for a resposta de todas essas perguntas?

É errado não querer que ele fizesse isso? É estupido da minha parte pensar que, mesmo que ele tenha me levado para casa e cuidado de mim, eu não queria que ele fizesse isso?

O que meus pais deviam ter pensado ao me ver destruído e encharcado na companhia de Scorpius? O que foi que ele mesmo pensou ao ver minhas cicatrizes tão estúpidas de horrorosas marcadas nos meus braços?

Você está sendo um idiota, Albus.

Por que ele faria isso por mim?

Ele é incrível demais para alguém como eu. Eu não mereço tudo isso. Eu não deveria estar tão pensativo.

É claro que deveria, bobo. É tudo sua culpa.

Craig está morto porque eu não soube cuidar dele do jeito que ele me cuidou durante todos esses anos. Ele morreu porque eu não sei pensar, porque eu não sei sentir, porque eu não sei mostrar as coisas direito.

Porque eu sou um ingrato por estar reclamando a cada segundo. Por me colocar no topo, em primeiro lugar. Por esquecer que Craig tem sentimentos e que os sente mais do que eu. Que os sentia mais que eu, porque ele não está mais vivo.

Minha cabeça está latejando com força, esmagando meu cérebro e me fazendo enxergar tudo desfocado. Penso que posso cair, porque não consigo sentir que estou equilibrado sobre minhas duas pernas, então me apoio no peitoril da janela e respiro fundo.

Esse é o cheiro da vida. É o cheiro da terra molhada depois de uma longa noite chuvosa. É o cheiro gelado e cortante da manhã. É o cheiro da paz do planeta, indiferente da perda de uma pessoa muito importante para a minha vida.

Sentimentos São - ScorbusOnde histórias criam vida. Descubra agora