Relato de um velho coveiro

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Era uma noite muito fria e quieta. Eu estava fazendo uma caminhada pelo cemitério, com a lamparina em uma mão e o molho de chaves na outra. Tinha fechado os portões há pouco tempo e decidido realizar a vigília antes de finalmente ter meu merecido descanso.

O cemitério estava vazio naquele momento (e não falo de pessoas, mas sim de animais). Não tinha nem uma leve brisa balançando a grama ou até mesmo o som de uma coruja por entre as velhas árvores. Meus olhos estavam pesados por causa do sono. Os únicos postes com luz da rua mal iluminavam os túmulos próximos da entrada.

E um pouco mais afastada da luminosidade, uma silhueta estava estática diante de um jazigo de mármore branco.

Aproximando-me lentamente da figura, levantei a lamparina para vê-la melhor. Um arrepio repentino passou por minha espinha. Arrependi-me depois, naquele curto instante, de ter usado a voz.

- O cemitério está fechado. Não deveria estar aqui. – falei, com uma convicção que eu na verdade não possuía.

A cabeça daquele corpo virou-se para mim. Seu rosto ainda estava meio coberto pela escuridão.

- Desculpe, achei que não tinha problema.

Era uma garotinha. Usava um vestido florido.

- Está tarde demais para você estar aqui. Pode vir amanhã. – afirmei.

Ela não moveu mais nenhum músculo. A luz da lamparina começou a enfraquecer.

- Eu queria, mas não posso.

Cheguei mais perto. Ainda não tinha visto o rosto da menina com clareza.

- E por que não pode? - indaguei.

A criança voltou a olhar para frente. Subitamente um ruído estranho me fez parar.

De trás das portas de ferro do jazigo, algo me encarava avidamente. O olhar era de uma fera esfomeada, mas o corpo era idêntico ao de um ser humano. De seus braços saíam correntes que alcançavam o pescoço da garotinha.

- Por causa dele.

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