Capítulo II

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Bruno

A noite está um pouco fria quando coloco o meu casaco, o chapéu e meu precioso violão, meu xodó e instrumento de trabalho, encapado nas costas. Ele só não é mais adorado do que a minha amada Hope. Saio de casa sentindo o vento frio bater no meu rosto, penso em pegar um táxi, mas apesar de ser barato até o meu trabalho, 4 dólares fazem falta no final da semana com o cachê extremamente baixo que ganho tocando na noite. Pouco mais de vinte minutos estou entrando no Leyenda. A casa ainda está vazia, são pouco mais de 20h e nesse horário ainda estão a preparando para abrir. Arrumo o amplificador no pequeno palco improvisado, em um dos cantos escondidos do bar, onde as pessoas mal conseguem me ouvir, piorou me ver.

— E ai Brunão, como está? — Miguel me cumprimenta com um toque de mãos.

— Estou bem, cansado, porém bem!

— Essa dupla jornada ainda vai acabar com você! — sorri.

— Vai nada, quando se precisa não tem descanso certo!

— Tá certo meu amigo! E Hope, como está?

— Bem obrigado! — sorrio ao lembrar do meu amor.

— Que bom, manda um beijo pra ela! — ele sorri e eu o olho de cara fechada. — Calma, sem ciúmes! — eleva os braços e gargalha.

Sorrio de canto e volto a mexer nas minhas coisas, sei que ele fala de brincadeira, também levo na esportiva.

São mais de 22h e a casa está cheia, são muitas pessoas andando de um lado para o outro, bebendo, cantando e dançando ao som da minha música. Tenho um repertório bem eclético para agradar a todos os gostos, desde música americana, às músicas tipicamente latinas com o meu espanhol totalmente fajuto e copiado que faço o maior esforço para cantar e fingir que sou fluente. Claro que não funciona, mas ninguém reclamou até hoje.

Estava com a garganta seca quando o Josh, um dos garçons, me trás uma caneca grande de cerveja. Agradeço e ele sorri de lado se aproximando um pouco mais de mim.

— Não agradeça a mim, é uma cortesia de uma cliente que parece ter gostado bastante de você! — ele sorri de canto e me indica a mesa onde se encontra a tal cliente.

— Vai tomar no c#, Josh! — meu semblante fica sério, mas é impossível não sorrir. A cliente em questão é uma senhora de provavelmente tem pouco mais de 70 anos. Ela está acompanhada de outras senhoras que acenam em minha direção e eu apenas sorrio retribuindo.

— Depois não pode reclamar que não é visto aqui do canto do bar. — ele mais uma vez sorri e me dá as costas como resposta.

Balanço a cabeça em negação, dou um gole na minha cortesia e continuo a tocar para que todos possam se divertir.

Já passa das duas da manhã de uma quinta feira. Amanhã ainda é sexta e eu não consigo acreditar na disposição que esse povo tem para ficar em um bar a madrugada toda e ainda trabalhar no dia seguinte. Só eu sei como vou trabalhar amanhã na loja de ferragens. Trabalho na Ferragens do Ed durante o dia, toco a noite apenas para complementar o salário de merda que ganho na loja. Preciso pagar aluguel e luz, por sorte a água é inclusa no aluguel, então me alivia um pouco. Tenho as compras do mês e as coisas da minha Hope. Minha menina linda, minha princesa, a única coisa de real valor que essa vida que escolhi me deu de presente. Minha menina tem exatamente 6 anos de idade, é um amor, parece uma princesa com os olhinhos castanhos, cachinhos esvoaçantes e a pele um pouco mais clara que a minha, herança de sua mãe, ou melhor, da mulher que a gerou e colocou nesse mundo.

Sharon era uma mulher linda, porém o que ela tinha de linda, tinha de gananciosa. Ela sempre queria o que eu não podia dar a ela, queria uma casa enorme, carro de luxo, roupa de grife e coisas extremamente caras e muito fora da minha realidade. Como sempre toquei e cantei, ela insistiu que eu me tornasse músico, cantor para ser mais exato, mas a vida não sorriu pra mim e eu não podia ficar esperando cair do céu vendo o aluguel atrasar e o senhorio ficar no meu pé. O que ela não entendia é que ela estava grávida, morávamos juntos, eu tinha apenas 19 anos e ela 18, éramos praticamente crianças. Erramos? Sim! Mas eu não me arrependo do meu erro, dele nasceu o presente mais lindo que eu poderia receber.

Ela queria que eu fosse para portas de gravadoras e implorasse por ajuda, um emprego, uma oportunidade qualquer. No início eu até ia, mas depois vi que estava apenas me humilhando para tentar suprir um capricho que era apenas dela. Na semana em que minha princesa nasceu, foi a última vez que vi a Sharon. No dia em que teve alta hospitalar, a levei para casa e tivemos uma briga, pois ela não queria amamentar a filha, disse que os seus seios iriam cair e ficar flácidos, queria que eu comprasse fórmula, mas eu não tinha dinheiro.

Depois dessa briga, ela simplesmente disse que precisava respirar, deu as costas e foi embora. Nunca mais deu sinal de vida.

Desde então somos apenas eu e a minha pequena Hope, sou seu pai e sua mãe, cuido dela com o maior carinho do mundo. Já tentei várias vezes reconstruir a minha vida com outras mulheres, mas sempre que eu dizia ter uma filha pequena, elas iam embora. Nunca deu certo quando a minha filha era menor e agora, bem, agora ela mesmo faz o favor de colocar para correr. Quando não gosta da garota, faz de tudo para que eu não fique nem perto.

Enfim, essa é a minha filha Hope Hernandez, é por ela que trabalho de dia e de noite, me desdobro inteiro para poder lhe proporcionar o melhor que eu posso oferecer e é por ela que estou chegando em minha casa pouco mais de duas e meia da manhã. Vim caminhando do bar até minha casa. É meio perigoso, principalmente se tratando do Brooklyn, mas só para um desconhecido, eu já moro aqui há bastante tempo e ninguém mexe comigo. Entro em casa e me deparo com Sheyla dormindo no sofá, sorte ela ser nossa vizinha. Ela deve ter uns 17 anos e faz o favor de cuidar da minha menina quando trabalho apenas durante a noite, pois durante o dia ela vai para a creche.

Me aproximo de onde ela está e toco em seu braço com cuidado para não assustá-la. Ela desperta e muito sonolenta a levo até a sua casa ao lado da minha. Agradeço por ter cuidado da minha princesinha e retorno para casa. Tranco a porta e vou direto para o quarto de Hope. Me aproximo da cama, me inclino e beijo o topo de sua cabeça, ela respira fundo, mas não se mexe. Sorrio, é por ela que me sinto revigorado todos os dias.

Tomo o meu banho, vou até o meu quarto, coloco apenas uma cueca box e uma camisa, estou tão cansado que só quero dormir e nada mais. Amanhã preciso levantar cedo, pego às nove na loja e antes de ir trabalhar tenho toda uma rotina com minha filha até deixá-la na creche.


Espero que estejam gostando, beijos e ate breve...

Love UnfamousOnde histórias criam vida. Descubra agora