Cap. 2: Fragmento Soturno

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A noite era longa e fria, com o silêncio cortado apenas pelas sirenes que ecoavam ao longe. Guaraná, ainda ofegante e com o coração acelerado, olhava ao redor do cenário caótico na sala de estar da casa de sua amiga. A festa de aniversário havia terminado de forma trágica e violenta. O que começou como uma comemoração entre amigos rapidamente se transformou em um pesadelo quando criminosos armados invadiram a casa. Todos estavam agora mortos, o chão manchado de sangue, e policiais preenchiam o espaço, registrando cada detalhe.

Guaraná ainda sentia o peso da arma nas mãos, o cheiro de pólvora queimando em suas narinas após os acontecimentos. A imagem de Johnny, em pé, com o cano da pistola encostado em sua cabeça, não parava de se repetir em sua mente. No calor do momento, ela o confrontou, furiosa e confusa. Embora tivessem lutado juntos contra os criminosos, quem colocou fim àquela noite de terror foi Johnny. Ele matou os assaltantes.

Após a tensão insuportável e o confronto direto com Johnny, ela acabou abaixando a arma, mas o trauma ainda reverberava em seu corpo.

Um dos policiais se aproximou de Guaraná, que estava sentada no sofá, tentando se recompor:
— Pode nos contar exatamente o que aconteceu? — perguntou ele, com um olhar firme, mas tentando demonstrar compreensão.

Ela suspirou, esfregando as têmporas com os dedos trêmulos. — Eles... Eles invadiram a casa durante a festa, armados. Estavam gritando, exigindo dinheiro e joias. Foi tudo muito rápido. Eu... — ela hesitou, a garganta apertando enquanto revivia os momentos mais intensos. — Eu peguei uma arma, tentei defender minha amiga. Mas... — seus olhos caíram no chão. — Quem matou os criminosos foi Johnny, esse assassino que tanto falam... Eu só... tentei impedi-lo depois. Foi um caos.

O policial assentiu, anotando tudo em seu caderno. — Entendo. Vamos precisar que você vá até a delegacia para fazer o boletim de ocorrência.

Guaraná franziu a testa, exausta tanto física quanto emocionalmente. — Tem como deixar isso para amanhã? — perguntou, quase suplicante. — Estou muito cansada agora.

O policial a encarou por um momento, então, de forma surpreendentemente casual, disse: — Você pode fazer o boletim em uma delegacia perto da sua casa amanhã, se preferir. Mas precisa ser feito.

Guaraná piscou, surpresa. Algo não parecia certo. Nunca tinha ouvido falar de algo assim, especialmente após um crime tão grave. Ela sabia que a lógica mandava fazer o boletim logo após o incidente, ali mesmo, onde tudo aconteceu.

— Tem certeza disso? — perguntou ela, desconfiada.

— Sim, sem problemas. Pode ir para casa descansar, e amanhã resolve isso — ele respondeu de maneira quase automática, como se fosse uma formalidade.

Ainda relutante, Guaraná assentiu e saiu do local, mergulhada em uma confusão de pensamentos. Parte de sua mente continuava presa na imagem de Johnny ajoelhado à sua frente, enquanto outra parte tentava processar o que os policiais haviam lhe dito.

Na manhã seguinte, após uma noite de sono fragmentada e cheia de pesadelos, Guaraná se dirigiu à delegacia mais próxima de sua casa. O bairro de Cachambi ainda estava acordando, com o som distante dos ônibus e o cheiro do pão fresco da padaria se misturando ao ar. Mas, para Guaraná, a tranquilidade era um luxo que ela não podia se dar naquele momento.

Ao chegar ao balcão de atendimento da delegacia, ela esperou alguns minutos, observando o ambiente despretensioso. O saguão estava sem vida, exceto por alguns policiais conversando em voz baixa e algumas pessoas aguardando atendimento. Finalmente, um policial com um olhar entediado a chamou.

— Bom dia. Vim fazer o boletim de ocorrência sobre o assalto que aconteceu ontem na festa de aniversário da minha amiga. Os policiais que atenderam o caso me disseram que eu poderia registrar aqui — explicou ela, sentindo o cansaço ainda pesar sobre seus ombros.

Noites Sombrias: Volume IIOnde histórias criam vida. Descubra agora