No hotel, Guaraná e Johnny encontravam-se em um momento de recolhimento e reflexão. O tempo estava nublado e a chuva caía incessantemente lá fora, deixando a atmosfera ainda mais pesada. Guaraná havia preparado chá quente para Johnny, mas agora a bebida estava fria, esquecida em uma mesa ao lado. Johnny, com o olhar fixo na janela, observava as gotas escorregando pelo vidro, mas sua visão estava embaçada. Tudo o que ele conseguia enxergar era uma tonalidade cinza, um reflexo do seu estado de choque e dor. O rádio do quarto tocava baixinho "Sweater Weather", preenchendo o ambiente com um ritmo suave e nostálgico.
Ainda abalado pela perda de Kimberly, sua amiga que se tornara vítima dos bandidos, Johnny sentia o peso da ausência dela em seu coração. As lembranças da brutalidade que sofreu nas mãos dos sequestradores também ecoavam em sua mente, como um eco interminável. Foi nesse momento sombrio que Guaraná apareceu, salvando-o da escuridão, mas as marcas desses eventos ainda eram visíveis em sua alma. Guaraná, percebendo o estado de Johnny, aproximou-se dele. Ela pousou a xícara de chá sobre a mesa e sentou-se ao seu lado, tentando oferecer apoio silencioso.
– Johnny, você tem que falar alguma coisa - Guaraná sussurrou com uma voz suave e reconfortante. - Você está assim há dois dias. Eu estou aqui por você, até mesmo nos momentos mais difíceis. Nós vamos superar isso juntos, Johnny.
Johnny desviou o olhar da janela e encontrou os olhos de Guaraná. Ali, ele viu empatia e um desejo genuíno de ajudá-lo a enfrentar aquela escuridão. Aos poucos, o cinza começou a se dissipar. Ele pegou a xícara de chá frio, segurando-a entre as mãos, sentindo o pouco calor que ainda emanava. Enquanto dava um gole, uma onda de gratidão por Guaraná o envolveu.
– Como a bala atravessou o seu ombro e fechou logo em seguida? - ele finalmente quebrou o silêncio, a voz trêmula. - E você agiu como se fosse nada?
Ela usava uma regata verde sem mangas e um short jeans desgastado, cruzando os braços como quem tenta esconder sua própria vulnerabilidade. Depois de alguns segundos, ela suspirou profundamente e se aproximou, sentando-se ao lado dele.
– Johnny... – começou, a voz carregada de hesitação e um peso invisível. – Tem algo que você precisa saber... algo que eu escondi de você.
Johnny desviou o olhar da janela, seu rosto ainda marcado pela dor e pelas memórias das últimas semanas. Ele segurou a xícara de chá frio entre as mãos, esperando.
– Eu... não sou quem você pensa que sou. – A voz dela falhou por um momento, e ela precisou respirar fundo antes de continuar. – Não tenho 20 anos... e o orfanato onde eu disse que cresci? Era mentira.
Johnny franziu a testa, confuso. Ele permaneceu em silêncio, esperando que Guaraná pudesse reunir coragem para dizer mais.
– Eu sou imortal, Johnny. Tenho 520 anos. – Ela falou com cuidado, como se testasse o peso das palavras no ar. – Nasci em 26 de julho de 1500, na floresta da Amazônia, perto dos cipós que dariam origem ao meu nome.
Johnny piscou, processando a revelação absurda. Mas Guaraná continuou, os olhos fixos no dele, como se estivesse confessando uma parte essencial de si mesma.
– Cresci sozinha, observando tribos indígenas e adotando um pouco de cada uma, mas nunca fiz parte de nenhuma. Não porque eu não quisesse, mas porque meu corpo... ele não envelhece. Ele se cura rapidamente, não importa o que aconteça. Já fui enforcada, afogada e até queimada na fogueira, acusada de bruxaria. Cada vez que tentaram me matar, eu voltei. E por isso, as pessoas passaram a me chamar de 'Vagante Imortal' – alguém que nunca morre, mas nunca pertence. E meu cabelo de fato é branco...
Ela desviou o olhar, lembrando-se de memórias antigas e dolorosas.
– Em 1500, um explorador português, Agostinho Fernandes, me encontrou e documentou o que viu em uma carta enviada ao rei Dom Manuel I. Essa carta ficou esquecida até 1930, quando foi redescoberta. Desde então, vivo sob um acordo com o governo brasileiro. Cada 15 anos, preciso mudar de cidade e começar uma nova vida, mantendo minha imortalidade em segredo. Em troca, recebo uma pensão mensal, mas a maior parte desse dinheiro eu doo. Guardar tudo não faria sentido para alguém que nunca envelhece.
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Noites Sombrias: Volume II
Mystery / ThrillerLogo após o termino do primeiro livro. Começa de onde parou, Johnny é uma pessoa amada e odiado por muitos pelas coisas que faz nas ruas durante a noite, mas quer ter paz. Kimberly o ajuda dando conselhos, mas não funciona até que decide salvar pess...