Alto Mar

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Logo abaixo de seus pés uma luz vermelha incandescente surgiu em linhas grossas pelo chão. Quem estivesse mais ao longe podia facilmente vê-la, como uma marca parecida com dois bumerangues juntos.

Os libertos estavam atônitos diante da figura divina e o brilho vermelho aos seus pés. Os filhos de Odin se endireitaram como forma de respeito e esperaram que a valquíria dissesse algo.

- A runa Jera – ela murmurou, olhando para o chão -, era isso que eles queriam aqui. Um entre vocês foi fraco o suficiente para não cortar o mal pela raiz; o selo de nossa deusa Nerthus foi rompido.

- Nerthus? – Megumi pergunta, tentando prestar o máximo de respeito – O que ela tem a ver com mortos-vivos?

- Tolos! – ela riu com escárnio – Para que algo renasça é necessário que algo se perca. A colheita foi feita, já não importa mais desperdiçarem suas lágrimas. Vão, imbecis filhos de Odin, agora precisam interromper o ciclo! Seus irmãos os esperam nas terras de Kievilin.

Então a valquíria tirou sua espada do chão e a colocou diante do rosto na vertical, uma luz multicolorida saiu de algum lugar do céu e se conectou a ela. Seu corpo tremeluziu e logo sumiu junto com a luz.

- O que faremos agora? – Krystine quebrou o silêncio.

- Vamos embora. – Nilimus disse, enquanto limpava sangue de seu rosto – Não podemos perder mais tempo. Precisamos chegar até o barco e ir embora.

Todos concordaram com o semblante cansado. Eles marcharam em direção ao barco, seguindo Misneach. Alguns quilômetros depois, puderam avistar uma cabana e o barco logo atrás, atracado nas rochas. Ouviu-se vários sussurros esperançosos.

- Ei! – Misneach chamou ao chegar perto da cabana – Druman! Está aí?

- Misne? – uma voz vinda de trás da cabana perguntou – O que faz aqui nessa época?

- Preciso do barco! – ela sorria, ao ver seu amigo chegando na parte da frente da cabana e percebendo que ela não estava sozinha.

- Eu estava certo? – ele arregalou os olhos.

- Sim, Druman! Você estava certo! – Misneach o abraça com força, tirando-o do chão.

- Vejo que não estão tão bem – ele observa o grupo.

- Encontramos a maldição das ruínas – ela sussurra. – Não era apenas boatos.

- Não creio! – sua boca abriu, descrente. – Então os mortos realmente andam?

- Espere! – Payoram interrompeu a conversa – O que estão falando? Misne, você sabia que tinha alguma coisa na ruína?

- Não... exatamente... – ela falou sem jeito – nós ouvíamos falar de uma lenda sobre as ruínas, mas nunca tive coragem de ver. Eu sempre pegava um atalho até aqui, mas como somos um grupo grande agora, não tinha como pegar o atalho por cima das árvores,

- Você sabia! – Payoram gritou, indignado – Como pode ficar calada sabendo que tinha algo lá?

- Eu não sabia – ela falou em sua defesa – Lendas são lendas. Ninguém sabia se era verdade ou não. Durante décadas apenas éramos avisados para não vir até aqui. Como uma superstição boba.

- Bom, agora sabemos que não é boba, graças a você! – ele continuava gritando.

- Não vamos perder a cabeça agora – Krystine interveio – Temos um longo caminho pela frente, não adianta ficar brigando por algo que já aconteceu.

- Vocês parecem exaustos. Que tal se limparem com a água do mar antes de partir? Não é muita coisa, mas vocês podem se livrar desse cheiro terrível – Druman tampou o nariz para enfatizar seu argumento.

Payoram bufou e se distanciou indo em direção ao mar, queria ficar sozinho para se lavar e esfriar a cabeça. Nilimus concordou com Druman e disse para todos irem pular no mar, precisavam daquilo para lavar tanto a sujeira quanto a jornada pesada até ali.

Depois de uma hora de descontração, os libertos voltaram a se reunir próximo a cabana. Os primeiros a chegar ajudaram a carregar o barco com mantimentos e preparar para viagem. Payoram ainda não tinha aparecido. Misneach decidiu percorrer a costa, para chamar os remanescentes e encontrar Payoram.

- Eu entendo que esteja irritado – ela falou quando o encontrou perto de umas pedras grandes. – Mas não fiz por mal.

- Não foi você quem viu aquela criança e a mãe morrendo – ele falou. – Ficarei com aquela cena para sempre na minha cabeça.

- Se serve de consolo, acredito que nenhum de nós teria coragem de matar alguém a sangue frio. A culpa não é sua. Precisamos voltar, está na hora de partir.

Payoram ficou em silêncio, mas seguiu rumo ao barco. Seus pensamentos eram inquietos, e ele não conseguiu deixar de sentir aquele vazio em seu peito, como se algo tivesse sido tirado dele.

Logo os libertos estavam instalados no barco, prontos para partirem. Podia-se ver a felicidade transbordando dos rostos cansados, pensando que estavam mais perto de conquistarem suas vidas de volta.

Eles mantiveram o caminho à sul próximo a costa por longas horas, até que fosse o momento de virar à leste, rumo as terras bárbaras. Várias horas depois, ainda conseguindo ver a costa ao longe com uma leve nevoa costeira, um barco surgiu pelo horizonte. Ele estava muito rápido, o que era intrigante pensando que o barco onde estavam era movido pelo vento e remos no compartimento inferior. Uma hora depois o navio já estava próximo o bastante para verem seus detalhes e as pessoas a bordo. Antes que os libertos pudessem se perguntar o que estava acontecendo, o barco que estava vindo com a proa virada para eles deu uma guinada brusca e ficou com a lateral exposta. Pequenas janelas foram abertas em fileira horizontal, mostrando bocas de canhões prontos para serem lançados. Ouviu-se ao longe um grito de comando, e logo explosões foram em direção ao barco romano. Bolas de ferro fundido rasgaram o ar e passaram de raspão no barco, fazendo lascas de madeira voarem.

- Eles vão nos matar! – alguém gritou em desespero.

- Não somos romanos! – outra pessoa gritou a plenos pulmões, em uma tentativa em vão do inimigo ouvir.

- Preparem-se para lutar, é um barco antiescravista! – Nilimus ordenou para aqueles que estavam na parte de cima.

Aqueles que possuíam magias de longo alcance tentavam acertar os canhões, para evitar uma nova leva de tiros. O barco inimigo se aproximava rápido – o que era estranho, pensando que ele estava de lado. De relance, os libertos puderam ver uma figura no timão inimigo, era um... tubarão fora d'água?! Não sabiam exatamente o que estavam enfrentando ali, mas precisavam se defender, logo eles poderiam ter a chance de conseguir a liberdade destruída.

Em pouco tempo os barcos estavam lado a lado. Cordas foram lançadas rapidamente, e os inimigos começaram a invadir o barco romano. Logo eles estavam lutando, magia contra magia e metal contra metal, os diversos sons se entrelaçando em uma dança violenta.

Ninguém estava prestando atenção quando uma criatura deu um rasante e cortou o tecido da vela do barco dos antiescravistas.

- Harpias! - o capitão vociferou.

Era intrigante, quem prestasse atenção poderia ver que o capitão inimigo era uma mistura de humano com tubarão. Suas duas mãos foram substituídas por mecanismos de metal fortificado, eles eram como uma luva metálica, mas acabavam em hastes, que se encaixavam perfeitamente no timão do barco. Curiosamente, a roda que governava o barco não tinha os costumeiros pinos para navegação, eram apenas espaços vazios, como se alguém tivesse arrancado todos os pinos. Alguns libertos viram quando o homem-tubarão levou suas mãos ao cinto e as hastes deram lugar a uma arma em formato de meia lua com as pontas afiadas e vários espinhos de metal em sua extensão, e a um gancho pesado.

Trazido pelo vento, uma melodia frenética se espalhava. Seguindo as notas musicais, era possível ver uma harpa sendo tocada por um pequeno garoto sentado no mastro horizontal da proa do barco. Podia-se perceber que ele não se importava com a precariedade do local – pelo contrário – parecia se divertir com a adrenalina.

- Não deixem que elas cortem todas as velas! – uma criatura, que poderia ser confundida com um anão, gritou enquanto subia as redes que levavam ao mastro principal.

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