Em junho de 1956, durante um eclipse solar total, Alice chorou pela primeira vez. Eu estava lá. A segunda foi quando ela entrou na faculdade, a terceira, quando se formou. Ela não era de chorar. Não chorou em seu casamento, onde não pude ir, mas chorou de alegria quando seu primeiro teste de gravidez deu negativo. Talvez eu não devesse espiar, mas é que eu não gostava de Carlos.
Já havia algum tempo que Carlos e Alice vinham se afastando, desde que as responsabilidades dela ficaram maiores no trabalho e ele se sentia deixado de lado. Bobagem. Antes que eu me esqueça, eu não fui ao casamento da minha filha porque eu morri.
Mas essa história não é minha.
Têm dias que Alice passa dezesseis horas do seu dia com o rosto virado para o céu e nas outras oito, ela sonha com galáxias que ainda não foram descobertas e tenta imaginar quantas já foram engolidas pela Via Láctea. Nos outros dias, o trabalho volta para o computador e são dezesseis horas olhando para baixo. Sua vida gira em torno do espaço ― descobri-lo, estudá-lo, entendê-lo.
A última vez que Alice chorou foi quando recebeu o convite para a Conferência Nacional de Astronomia, mas ela não chorou de imediato, esperou seu horário de almoço para chorar de alegria no banheiro do observatório.
― Meus parabéns! ― Helga disse, quase abraçando Alice com um grande sorriso. ― Fui convidada para a conferência anos atrás, mas não pude ir, espero que você consiga.
― Dá para ver que o evento não tem credibilidade nenhuma quando eles chamam novatas invés de homens com experiência ― Oscar disse encostando-se na bancada do café.
― Talvez, se você fizesse seu trabalho direito, participasse mais das nossas conferências ― disse Helga se aproximando dele com calma e tirando a xícara de sua mão.
― Estou aqui a menos tempo que você e fiz muito mais do que em sua carreira inteira.
― Todo mundo sabe que descobertas astronômicas dependem de sorte, Alice, você só estava no lugar certo na hora certa, talvez se torne menos frustrada quando perceber isso. "Mal amada".
Ele sussurrou aquelas duas palavras alto o suficiente apenas para que Alice ouvisse, o que fez com que ela acertasse com força a mão na mesa, com raiva. Alice já estava cansada de lidar com seus colegas de profissão e vinha se cansando desde a faculdade.
Todo mundo tinha alguma coisa a dizer de uma mulher na física, e nunca era algo bom. No fim do dia, todos eram cientistas, é verdade, mas não era assim que eles viam. Mesmo que a ignorância fosse a regra da profissão, isso não queria dizer não saber como tratar uma mulher. Não saber só é maravilhoso quando se trata dos segredos do universo.
― Não dê ouvidos à ele ― disse Helga segurando as mãos de Alice com carinho ―, só me prometa que vai aproveitar essa oportunidade, porque você nunca sabe o que pode conseguir nesses eventos.
***
Agora, já fazia mais de um mês que Alice estava escondendo o convite da conferência. Todos os dias ela esperava por uma deixa para contar ao marido que ela precisaria viajar e ficar um fim de semana fora, mas esse dia de compartilhar a verdade parecia nunca chegar.
Eu devo dizer que não podemos ficar presos a essa ideia porque, de uma hora para outra, podemos não mais estar aqui.
Alice saiu mais cedo do observatório disposta a contar sobre a conferência para Carlos, mas sabia que para amaciá-lo precisava preparar algo especial para a noite. Passou no mercado, comprou alguns drinks e massa, preparou a mesa de jantar imitando aquela do restaurante em que ele a levava sempre que tinha alguma ocasião especial ― forro branco de renda, uma vela de cada lado, taças de vinho e torradas no centro.
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O que fazem cem bilhões de estrelas
ChickLit*Esta foi a primeira versão do livro, antes dele ser editado para publicação na Amazon. No mesmo ano em que Alice recebe reconhecimento no seu trabalho no observatório de astronomia, seu marido é rebaixado na empresa do próprio pai, então ele fará...