Capítulo 6

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Alice acordou na hora do almoço do dia seguinte, ainda sem acreditar no que tinha acontecido na madrugada. No espelho, ela se concentrava em não coçar o seu corte, o que a fazia lembrar que logo estaria em um ônibus voltando para casa. A conferência começaria só às sete da noite, então ela tomou um banho rápido e saiu para caminhar. Alice sentia a necessidade de escrever. Ela comprou o mapa da cidade em uma banca de revistas perto dali, e nele localizou uma papelaria a alguns quarteirões e andou com calma até lá.

Ela encontrou um caderno parecido com o que Lisa lhe deu antes de começar a faculdade e o comprou junto com uma caneta, se sentou em uma praça perto dali e começou a escrever o que preenchia sua mente desde o dia anterior. Passou um tempo ali, imersa no que se desdobrava à sua frente. O clima estava bom e ela queria ter mais tempo para conhecer a cidade, olhou em volta, os habitantes pareciam ter uma vida simples, uma vida que ela desejava quando as coisas ficavam difíceis demais, ou só queria mais algum tempo antes de voltar para a sua realidade.

Alice fez o caminho de volta para o hotel e ao passar na porta de uma farmácia relembrou do teste de gravidez que fez algumas semanas antes e do pequeno macacão amarelo que Carlos jogou nela. Pousou a mão na barriga esperando sentir algum movimento diferente ou a batida de um coração desejando que tudo fosse diferente. Seguiu em frente voltando para o centro movimentado em direção ao hotel e encontrou uma pequena lanchonete com aparência antiga e decoração retrô, onde seu estômago denunciou que saíra sem café. Alice pediu uma torta de frango com suco natural de laranja e se sentou perto da janela.

Durante todo o tempo que caminhou por ali, Alice sentiu olhares estranhos sobre si, e só notou o motivo quando viu seu reflexo na janela da lanchonete e a cicatriz em seu braço mais vermelha do que quando saiu do hotel. Ela esperava passar despercebida naquela cidade desconhecida, mas seu corte a denunciou. Tentou abaixar a manga blusa em vão, ela sempre voltava à posição original. Concluiu que aquele era o menor dos seus problemas e se deixou curtir aquele silêncio e o gosto da torta. Absorta em seus pensamentos não notou quando Jorge entrou pela porta e andou até sua mesa.

― Posso me sentar com você?

― Claro ― respondeu Alice tirando sua bolsa de cima da mesa. Sem o terno, Jorge parecia ter vinte e três anos de novo.

― O que achou da conferência? ― ele perguntou.

― Um loucura, eu confesso.

― Não é tão louco assim quando você compara com outras missões, como a de 1966 ― disse Jorge tentando contornar o ar cético de Alice. ― Você se lembra da missão de 1966, não é?

― Doze de novembro, eu não pude ir, já te contei essa história. ― Alice soava mais dura do que gostaria naquele momento.

― A base de lançamento dos quatorze foguetes é perto daqui e ainda tem resquícios dela na praia, ver a base te daria uma ideia de como a missão Oceano vai funcionar ― disse Jorge segurando sua mão e a soltando quando notou o que fez.

― Mas eu iria até lá por quê? ― perguntou Alice recolhendo a mão. ― Eu nem sei se farei parte da missão.

― Só pense nisso ― respondeu Jorge, dessa vez sério. ― Você sabe como visitar aquela base quando criança mudou as coisas para mim, sem a missão de 1966 eu não teria decidido ser um astronauta.

― Eu tinha me esquecido como nossas histórias são parecidas.

― Por que sua mãe não te deixou ver a missão de perto naquele ano mesmo?

― Porque ela odeia eclipses solares.

Eles conversaram até próximo do pôr-do-sol. Jorge tinha notado o corte no braço de Alice, mas decidiu não comentar nada; mas não comentar não o impedia de imaginar como ela o tinha adquirido. Caminharam juntos de volta para o hotel e se separaram como na noite do incidente, mas dessa vez com um demorado aperto de mão.

O que fazem cem bilhões de estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora