Capítulo 5

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Por um momento Alice achou que estava sonhando, mas quando eles apertaram as mãos, ela soube que o que estava acontecendo era muito real.

― Cinco anos depois e você ainda cita "Alice no país das maravilhas" para mim.

A aliança na mão esquerda de Alice denunciava que ela ainda estava casada, "será que ela já tem filhos?", Jorge se perguntava. Apenas Alice sabia o quanto Jorge amava "Alice no país das maravilhas" e ele a fez ler o livro clássico poucos meses depois de se conhecerem. 1977 tinha sido um ano ótimo até o beijo, depois do incidente, eles se afastaram na última semana de aulas, Jorge não foi ao casamento de Alice e no ano seguinte ele já não estava na universidade.

Alice podia entender o que desencadeou a ausência do amigo, esperava revê-lo, mas sua esperança se esvaiu quando chegou o recesso no meio do ano, e foi destruída quando o ano acabou e ele não apareceu. Jorge já tinha se tornado uma memória e ela o gravou como na noite em que assistiram Guerra nas Estrelas, em pé em frente a república de Alice, e o beijo já se parecia com um sonho do qual você acorda se perguntando o porquê daquilo. Mas ali estava Jorge.

― Senhora ― a voz da balconista fez Alice despertar de seus devaneios ―, a chave do seu quarto.

Alice e Jorge soltaram as mãos, o tempo parecia ter congelado para eles enquanto se tocavam.

― Nos vemos na conferência? ― perguntou Jorge se afastando com sua mala.

― Sim ― sorriu Alice segurando a chave do quarto com força ―, nos vemos sim.

Alice subiu até o seu quarto no terceiro andar e quando trancou a porta atrás de si uma redoma de sentimentos a isolou do mundo lá fora. Ela se sentia de novo no primeiro ano da faculdade, descobrindo coisas novas, vivendo coisas diferentes e conhecendo novas pessoas. Parecia ter entrado no espelho de Alice, tudo parecia igual, mas alguns detalhes a faziam perceber que não era.

Estava mais velha, já tinha feito muitos testes de gravidez e aquele não era o prédio da universidade. Jorge agora tinha barba. Jorge. Olívia estava casada. Gostaria de falar com Olívia naquele momento. Tudo parecia igual 1977, mas não estava. Tinha uma cicatriz no braço direito e olheiras fundas que precisava cobrir com a maquiagem que Melissa lhe emprestou. Mas ela atravessou o espelho, e o ar era tão mais limpo, e as coisas eram tão mais leves que ela se lembrou como era respirar.

Por reflexo procurou seu diário para escrever, mas se lembrou que ele ficou para trás, e agora se perguntava se Carlos o tinha encontrado junto com a mala e o que teria feito com ele. Rasgado? Queimado? Carlos. Só pensar no nome de Carlos fez com que o quarto se escurecesse de repente e ela não parecia mais além do espelho. Pensou mais uma vez no diário e concordou consigo que Carlos nunca poderia lê-lo, talvez o queimaria quando chegasse em casa. Com certeza a maioria das entradas tinham a ver com Jorge, até ela parar definitivamente de escrever dois anos antes.

Alice sentiu a euforia passar e colocou os pés no chão, estava no prédio da conferência de ciência mais importante do Brasil e acontecesse o que fosse quando voltasse para casa, ou o que quer que acontecesse com Jorge a partir de agora, não era o momento de se preocupar. Ela respirou fundo três vezes e começou a se arrumar para a noite.

De frente para o espelho, Alice viu o corte em seu braço e se lembrou que não podia ficar sem o casaco se quisesse evitar perguntas indesejadas. "Quão diferente seria minha vida se eu tivesse desistido do meu casamento antes mesmo dele acontecer?'', ela se perguntou. "Se tivesse nascido em uma cidade diferente em uma época diferente... Mas eu não seria eu se alguma coisa tivesse acontecido diferente", concluiu. Ela não estaria ali, não teria conhecido Melissa ou Roberto, não teria presenciado o casamento deles ou dividido aquele sorvete de goiaba com Olívia quando elas receberam as notas do semestre.

O que fazem cem bilhões de estrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora