Alice nunca faltou a um dia de trabalho. Nem na lanchonete em sua cidade natal, nem agora no observatório. Ela também nunca faltou um dia de aula, só quando quebrou o braço e precisou ficar alguns dias sem ir para a escola. Na faculdade, ela não entendia como as pessoas podiam reprovar por falta. Ela nunca perdia nada porque, quando na lanchonete, tudo que ela queria era sair dali, agora, porque ela amava o que fazia.
Enquanto Alice se recuperava do choque encolhida debaixo da janela, os ponteiros do relógio giravam e seus colegas de trabalho começavam a chegar. Alice ouvia a casa silenciosa, mas sabia que não estava sozinha, a única certeza de que Carlos teria saído, seria a batida do portão na manhã seguinte, isso se ele a deixasse ali.
Eu não poderia ficar ali olhando Alice presa naquele cubículo então fui até o observatório.
Helga olhava para o relógio na parede a cada cinco minutos, mas não tinha nada que pudesse fazer a não ser rezar; mas nem isso ela fazia, porque não tinha nenhuma religião, mas ela tinha fé, e sua fé dizia-lhe que Alice estava bem.
― Você dá um convite para uma novata e ela já acha que pode deixar de trabalhar ― Oscar deu de ombros.
― Cale a boca, você não sabe o que aconteceu.
― Eu não vou fazer o trabalho daquela folgada.
― Você sabe melhor do que ninguém que é a Alice que faz todo o seu trabalho porque você é um incompetente.
― Cale a boca, secretária.
A história de Helga era, para o infortúnio dela, bem popular no observatório; em entrevistas seu marido a transformou em sua secretária e todos trataram como verdade absoluta.
Helga viu o relógio girar e Alice viu a lua subir. A rua ficou silenciosa e Alice ouvia o som alto dos grilos na janela, cantando no jardim. Ela acreditou que por trabalhar à noite conseguiria se manter acordada madrugada adentro, mas era diferente estar em um observatório cheia de coisas para fazer e em um quarto parcialmente vazio.
Alice arrumou a cama, empilhou alguns livros e trocou a cômoda de lugar para se manter ativa, mas logo as opções acabaram. Pensou em ler, mas ali só tinham livros de receita que fizeram seu estômago doer. "Carlos não me deixaria morrer de fome", ela pensou. Cogitou gritar, mas imaginou que isso desencadearia em Carlos outro ataque violento e era tudo que queria evitar.
Pensou em chamá-lo e tirar aquela história a limpo. Não iria mais viajar, se era isso que ele queria, lhe daria um filho, se era isso que ele queria, "mas o que é que você quer?, a voz de Olívia falou mais alto que seus pensamentos e ali ela chorou desamparada pela quinta vez na vida desejando existir uma maneira de enviar uma mensagem para quem quer que fosse. Ela chorou até dormir mesmo lutando bravamente contra o sono, mas vez ou outra acordava assustada, com um carro solitário passando na rua.
Quando despertou, Alice viu que Carlos deixou um pedaço de pão para ela durante a madrugada, mas por mais que seu estômago doesse, se recusou a comer, seria como levantar uma bandeira de paz, e ela agora se recusava a recuar; seu medo havia se transformado em raiva e a tristeza em coragem. Alice sentou debaixo da janela, ainda era madrugada; as poucas estrelas no céu indicavam um dia nublado e frio pela frente. Tirou as passagens que carregava do bolso e as segurou contra o peito, não ficaria ali para sempre.
Alice tentou soltar os parafusos da janela com as mãos, mas eles estavam muito bem presos. Tentou arrombar a porta do quarto em silêncio e até enviar um pedido de ajuda em código morse para quem quer que passasse na rua, mas o portão era longe dali e de qualquer forma, ela não sabia código morse, o que a fez rir genuinamente em muito tempo.
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O que fazem cem bilhões de estrelas
Genç Kız Edebiyatı*Esta foi a primeira versão do livro, antes dele ser editado para publicação na Amazon. No mesmo ano em que Alice recebe reconhecimento no seu trabalho no observatório de astronomia, seu marido é rebaixado na empresa do próprio pai, então ele fará...