Capítulo 9

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Eram quase quatro da manhã quando Alice chegou na rodoviária, seria um bate e volta rápido até a praia onde a base foi montada e uma leve euforia tomava conta do seu corpo. Ela tentou resgatar na memória o que fazia em novembro de sessenta e seis e pensou o que teria de diferente em sua vida hoje se tivesse acompanhando a missão de perto como Jorge. "Jorge", ela pensou. "E se nós tivéssemos nos conhecido naquela praia quando eu tinha dez anos? E se tivéssemos nos tornado amigos de infância? E se com o tempo nós tivéssemos nos apaixonado, mesmo com a distância? E se com isso eu nunca tivesse dado abertura para Carlos?". Alice foi orbitada por todos esses "e se" durante a hora que passou no ônibus.

Desembarcou com o sol apontando no horizonte e pegou um táxi até a praia. Uma brisa leve tirava seu cabelo do rosto e a umidade o deixava volumoso conforme mais perto do mar ela chegava. Ela desceu do carro, caminhou até a areia e se sentou em um pequeno tronco para tirar os sapatos.

Com os pés descalços e a barra da calça jeans dobrada foi até à beira mar e deixou que a água salgada banhasse seus pés. Por um segundo achou que ia chorar, mas tudo o que fez foi levantar o rosto para o céu que aos poucos clareava e sorriu. Com os braços abertos deixou o ar úmido passar por seu corpo enquanto seus pés afundavam na areia molhada. Enfim, Alice pegou o panfleto na bolsa e tentou se localizar no pequeno mapa.

A praia era enorme. De um lado, havia uma enorme extensão de pedras que juntas formavam um estreito caminho até o mar e um pouco mais adiante um navio encalhado dava à paisagem um ar de mistério. Se o sol já não estivesse alto, seria assustador estar ali sozinha.

Do outro lado, viu as dunas apontadas no mapa e sabia que era para lá onde devia ir. Ela não sabia muito bem o que esperar tendo se passado dezessete anos desde a missão, mesmo com os resquícios da base, não seria o mesmo que ver com todos os funcionários trabalhando e com os foguetes sendo lançados.

Ela caminhou à beira mar com seus dedos afundando na areia a cada passo, enquanto o sol beijava suas costas agora quase nuas com a regata que usava. Sua cicatriz já estava adormecida no fundo de sua mente. Seu casaco escorregava de sua cintura a cada passo que ela dava e fios de cabelo se soltavam de sua trança frouxa conforme ela se afastava das construções e a velocidade do vento aumentava. Uma maré mais alta cobriu seus calcanhares e Alice se deixou pousar ali até que ela partisse para seguir em frente. Finalmente, de frente as dunas, ela se sentou e observou mais uma vez a praia que se estendia à sua frente.

Antes, fora tomada pelos "e se" do passado, agora, ela estava tomada pelos "e se" do futuro. Se questionava se pedir a separação não foi uma decisão tomada por impulso, se havia alguma maneira de salvar seu casamento e o que sua mãe acharia quando descobrisse o que ela fez. Alice conseguia ouvir em alto e bom som a voz de Celeste dizendo "eu sabia que você seria uma decepção". Para tirar aqueles pensamentos de sua mente Alice escalou o grande monte de areia que formava a duna onde se afundava e do outro lado viu um pequeno complexo brilhando sob o sol. Ela se agachou e se deixou escorregar monte abaixo.

Jorge, que estava sentado do outro lado da duna observando o complexo e tentando recriar as cenas que viu na infância em sua mente, ouviu a areia se derramar sobre sua cabeça, mas quando olhou Alice já caía em cima dele.

― Minha nossa, eu sinto muito! ― Alice se apressou em se levantar sem reconhecer a pessoa que estava na sua frente.

― Não se preocupe... ― a voz de Jorge morreu em sua garganta não acreditando que estava diante de Alice.

Os dois se encararam por alguns segundos até entenderem que aquilo era real. Alice tirou o cabelo do rosto e os olhos de Jorge pousaram na mão, agora, não mais com a aliança dela e um frio subiu em sua espinha. Observou o sorriso de Alice se formar enquanto ela dizia como era bom vê-lo de novo enquanto seus olhos continuavam navegando, foi quando encontraram a cicatriz no braço de Alice, então uma sombra cobriu o rosto de Jorge, a qual ele se esforçou para esconder.

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