Transcrição completa de nossa conversa, acrescida de minhas notas.
Sra. Rafaella entra, hesitante, desculpando-se. Senta-se, cruza as pernas, descruza as pernas, inclina-se para a frente, recosta-se, gira a aliança repetidas vezes.
A mulher parecia cansada. Confiro minhas anotações: Sra. Rafaella Kalimann-Andrade é atriz e apresentadora, tem uma marca de roupa internacional, viaja muito, horários imprevisíveis, muitas vezes precisa sair de casa no meio da noite para viagens/trabalhos de última hora, não tem filhos. Uma vida atribulada.
Mas seu cansaço não parece ser apenas físico, percebo uma profunda fadiga emocional. Ela tem um sorriso encantador, mas que não se reproduz nos olhos, olhos esses que apesar de lindos, parecem cansados, vazios e tristes.
Como de costume, remexo nos meus papéis, esperando que ela relaxe, ofereço café e chá, e ela agradece, mas pergunta se pode fumar.
Fico surpresa, ela não fumou durante a primeira sessão, talvez não fume na frente da esposa. Um segredo particular.
Respondo que sim, é claro que ela pode fumar, não aconselho ninguém a fumar, mas na condição de ex-fumante, sei que um cigarrinho pode ser de grande auxílio nesse tipo de situação. É importante, no ponto em que estamos, que ela não se sinta censurada em nenhum aspecto.
Talvez possamos lidar com o tabagismo mais tarde, por ora vamos cuidar do casamento.
Ela retira da bolsa uma bonita cigarreira de couro, um porta-isqueiro do mesmo material e acende um cigarro. O gesto é tão elegante que a Sra. Rafaella se mostra inusitadamente sensual - parece uma atriz daqueles filmes preto e branco. Aqueles policiais clássicos, como Disque M para matar. A impressão é radicalmente diferente daquela produzida na primeira sessão, depois de dar uma longa tragada no cigarro, ela fica visivelmente mais relaxada.
Agora podemos começar.
Eu: Então me diga, Sra. Kalimann-Andrade. Por que resolveu voltar aqui sozinha?
Rafaella: (dá de ombros, desvia o olhar): Na verdade, não sei. Não creio que tenhamos um problema, quer dizer, eu amo a minha esposa, minha casa, nossa vida...
Nota: Ela não termina a frase, há um grande "mas" pairando no ar, esperando para ser dito. Seja o que for, ela aparentemente não sabe como continuar.
Eu: (incitando-a): Mas...
Nota: Sra. Rafaella assume um ar distante, decerto está mentalmente revivendo cenas do seu casamento, coisas que a deixam triste, mas depois apenas sacode os ombros.
Eu: E no entanto você veio, sozinha. Não se trata mais de um lote surpresa arrematado num leilão por mero capricho. Não se trata de uma simples conferida no óleo, não é mesmo?
Nota: Sra. Rafaella olha para as próprias mãos, balança a cabeça.
Eu: Está claro que você sente a necessidade de falar sobre alguma coisa.
Nota: Sorriso forçado, insisto no assunto.
Eu: Então, qual é o problema?
Nota: Sra. Rafaella traga o cigarro e olha pela janela, tenho a impressão de que é uma dessas pessoas que trancam tudo dentro de si, não será fácil para ela compartilhar os sentimentos mais íntimos, especialmente em voz alta. Por fim ela se volta para mim.
Rafaella: Há um buraco entre nós, um buraco que vai sendo preenchido com tudo aquilo que deixamos de dizer uma a outra, que nome você dá a isso?
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Mrs. & Mrs. Kalimann-Andrade
FanfictionRafaella e Bianca Kalimann Andrade aparentemente parecem formar um casal normal, mas na realidade ambas mantêm um segredo. As duas são assassinas de aluguel contratadas por empresas rivais. A verdade só vem à tona quando Rafaella e Bianca, sem saber...