Rafaella
Mais uma viagem de táxi pelas ruas da cidade. Luzes cintilando como diamantes no ar fresco da noite.
Eu tinha tomado um banho rápido e trocado de roupa: a máquina mortífera acabara de cumprir uma missão e agora podia trocar computadores e armas por novos adereços: batom, rímel, um vestido novo, sapatos de salto alto.
O táxi parou junto ao meio-fio, e um porteiro me ajudou a sair. Diante de um dos restaurantes mais sofisticados de Nova York, conferi minha aparência no reflexo sobre a janela de vidro laminado. O vestido me favorecia: preto, feminino, sexy. Eu estava de volta ao papel de Rafaella Kalimann-Andrade — mulher e esposa.
"Não", meu coração lembrou. "Esposa, nao." "Viúva."
Santo Deus, eu precisava beber alguma coisa. Então entrei, mal reparando nos olhares de admiração que me seguiam enquanto o maitre me conduzia até a mesa. Mesa para dois.
— Champanhe, por favor — eu disse enquanto me sentava.
— Pois não, sra. Kalimann-Andrade.
As pessoas me conheciam ali. Bianca e eu éramos assíduas frequentadoras.
Aquele era — ou melhor, tinha sido — um dos nossos restaurantes prediletos.
Pisquei as pálpebras para afugentar as lágrimas que ameaçavam brotar em meus olhos e examinei o ambiente — em parte por instinto e hábito, em parte por curiosidade. A sala parecia fervilhar de pessoas felizes. Amigos, familiares, casais apaixonados... Pelo menos todo mundo estava com alguém.
A solidão não era nenhuma novidade para mim. Boa parte da minha vida eu tinha passado sozinha, mesmo quando criança.
Mas naquela noite... Eu nunca havia me sentido tão sozinha.
Fechei os olhos e dei um longo gole no champanhe — a bebida das comemorações —, desejando que aquela efervescência contaminasse meu espírito. Afinal, não me faltavam motivos para comemorar, certo?
Eu havia sobrevivido ao desmantelamento de uma situação que já não se mostrava mais operante.
A frase era boa. Precisava anotá-la.
Mas, pensando bem... Os casais se separavam a toda hora, e em razão dos conflitos mais banais. Caramba, eu não tinha tido um conflito com a minha esposa. Tinha tido uma verdadeira guerra — com armas, explosivos, o escambau. Não podíamos simplesmente dizer uma a outra: "Então tá, valeu, a gente se vê por aí". Nosso relacionamento era de outra natureza. Do tipo "matar ou morrer".
Até que a morte nos separe.
Naquela ânsia de dizer o tão esperado "sim", ninguém realmente para pra pensar nessas palavras.
Então era isto: nossos joguinhos de amor e ódio tinham chegado a seu fatídico fim. Eu tinha vencido. E por sorte ainda estava viva.
No entanto, ao depor a taça de cristal sobre a toalha impecavelmente branca, tive a impressão de que, à minha frente, o prato e os talheres intocados e a cadeira vazia zombavam de mim.
Meu coração não se deixava convencer de que estávamos ali para comemorar.
De repente, risadas misturaram-se aos meus pensamentos. Tentei desesperadamente descobrir de onde elas vinham. Não deveria ter olhado. Vinham de duas pombinhas apaixonadas, sentadas num canto distante, totalmente imersas na adoração uma da outra e alheias a tudo o mais que se passava ao redor, inclusive à vexaminosa expressão de inveja que decerto cobria meu rosto.
Lembrando a mim mesma de jamais desejar o impossível outra vez, levantei a taça vazia entre os dedos.
E, como se tivesse lido meus pensamentos, uma garçom surgiu ao meu lado para servir mais um pouco do champanhe.
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Mrs. & Mrs. Kalimann-Andrade
FanficRafaella e Bianca Kalimann Andrade aparentemente parecem formar um casal normal, mas na realidade ambas mantêm um segredo. As duas são assassinas de aluguel contratadas por empresas rivais. A verdade só vem à tona quando Rafaella e Bianca, sem saber...