Faca e Fogo

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Bianca

Eu poderia ter atirado ali mesmo, mas cometi a burrice de olhar diretamente naqueles olhos de aço.

Não era o olhar tépido, enfastiado e oblíquo da mulher que eu pensava conhecer, mas um olhar de desafio, também duro como o aço. Aqueles olhos eram capazes de deter qualquer adversário com uma única mirada.

E por um instante senti uma arrebatadora excitação — não o tipo de entusiasmo juvenil que um catálogo de roupa íntima é capaz de despertar. Era como se... sei lá, como se minha mente, e não apenas o meu corpo, estivesse subitamente subjugada por ela. Como eu poderia destruir o que suscitava em mim aquele desejo de posse tão incontrolável?

Quando hesitei um segundo para decidir se acabaria com ela ali mesmo, aqueles olhos de aço cintilaram de maneira quase debochada.

Em seguida, com a naturalidade de alguém que entra num elevador, Rafaella se jogou pela janela.

O coração batendo a mil, corri até o parapeito e vi que ela deslizava por uma espécie de corda.

Acho que naquele momento o tal desejo de posse bateu mais forte ainda. Eu jamais deixaria aquele tesouro escapar!

Pulei atrás dela. Isso mesmo. Pulei.

Embora não contasse com o benefício de um fio de kevlar. Nem de um pára-quedas.

Eu despencava em queda livre de uma altura equivalente a cinquenta andares, tentando bolar um plano enquanto voava.

Rafaella me viu e ficou devidamente chocada — quisera eu um pouco impressionada também.

Seria ótimo se ela não se importasse em receber uma visitinha naquele horário tão inconveniente.

Furando a escuridão, continuei caindo até me chocar diretamente com o corpo de Rafaella. Agarrei os pulsos dela e depois seguimos juntas, pendurados na mesma alça.

O peso adicional diminuiu a velocidade da descida; o fio começou a perder tensão até se afrouxar completamente.

Então ficamos ali, penduradas no meio do fio de kevlar, braços e pernas entrelaçados num mesmo desejo de sobrevivência, cinquenta andares acima das ruas, onde a borbulhante vida noturna da cidade prosseguia alheia ao nosso pequeno probleminha. Estávamos numa espécie de limbo, vertiginosamente suspensas no ar.

Acho que foi aquela altura toda que me deixou um pouco zonza. No entanto, devo confessar que Rafaella era o colete salva-vidas mais delicioso que eu jamais havia vestido em toda a minha vida.

Naturalmente, meu ego ficou um pouco avariado quando pude constatar que nosso inusitado abraço não havia produzido nela o mesmo efeito que havia produzido em mim.

— Você poderia ter atirado lá em cima — ela disse. — Mas não atirou. Um gesto delicado. E suicida.

Então ela ainda planejava acabar comigo! Não se divertia tanto quanto eu com aquele romântico rapei! Fiz menção de pegar a arma no bolso, mas Rafaella apertou minha mão com a força de um alicate.

Puxa, onde será que ela vinha malhando? Meus dedos pareciam estar sendo esmagados por um maldito gorila.

— Fui descoberta lá em cima apenas porque eu quis — falei com sarcasmo. — Você é previsível, Rafa. Sei exatamente o que se passa dentro de você.

Virando o punho, Rafaella conseguiu enfiar a mão no meu bolso, um gesto que eu teria apreciado muito fossem outras as circunstâncias. Era da minha arma que ela estava atrás.

— Não era essa a impressão que eu tinha quando estávamos na cama — ela disse. — Será que você mudou tanto assim?

Vaca! Agarrei-a pelo braço e fiz com que girasse no ar, de modo que agora eu a prendia pelas costas, meus lábios na altura das orelhas dela.

Mrs. & Mrs. Kalimann-AndradeOnde histórias criam vida. Descubra agora