capítulo seis

232 23 27
                                    


TW: menções ao racismo

Não era como se todo mundo odiasse Jorge, muito pelo contrário, o garoto que já havia mostrado inúmeras vezes o seu desgosto por todos pelo menos uma vez na vida. Então não foi uma surpresa para ele quando teve que andar até sua carteira sendo rodeado por olhares raivosos, confusos e curiosos.

Recentemente, ele havia feito um intercâmbio para o Canadá, e ele jurava que nunca mais voltaria para o Brasil. Mas seus pais não pensavam da mesma forma. No país norte-americano, ele viveu o melhor ano da sua vida, com festas, amizades novas e até mesmo um romance. Lá ele aprendeu a como não ser um babaca, o que ele com certeza era com seus colegas da Escola Mundial. Bom, ele estava disposto a mudar isso e mudar a imagem que os outros tinham dele. Para isso, esperou até o horário do intervalo para pedir atenção de todos. O menino subiu em uma mesa, enquanto os outros adolescentes caminhavam até ele.

─ Oi ─ ele disse, um pouco nervoso. ─ Eu sei que nos últimos anos eu fui um porre com todos vocês...

─ Foi mesmo! ─ Falou Jaime, em alto e bom tom.

─ É ─ o garoto que estava em cima da mesa ficou com vergonha. ─ Mas eu queria consertar isso. Por isso, esse final de semana vou dar uma festa na minha casa, todos estão convidados. Meus pais vão viajar.

─ Uou ─ uma voz se sobressaiu, era a de Kokimoto. ─ Parece que você mudou mesmo.

─ Né? ─ Davi concordou. ─ Eu lembro de uma vez em que a gente tinha que fazer um trabalho em grupo e ele disse que na casa dele não podia porque "pobres não podem entrar".

─ Desculpa por isso... ─ Ele falou, querendo enfiar a cara em um buraco.

Realmente, Jorge tinha mudado. Ele não tinha mais os pensamentos retrógrados que foram cultivados em sua cabeça desde muito pequeno, e ele reconhecia isso. E tinha uma pessoa em especial que precisava se desculpar, e Jorge se arrependia todos os dias de ter feito comentários racistas, apesar de não ter tido conhecimento e não ter sido educado sobre. Mas isso não importava, as feridas que ele criara em Cirilo eram muito piores do que o seu sentimento de culpa. Por isso, se viu caminhando em direção ao outro menino, que estava junto de Alícia.

─ Cirilo, posso conversar com você?

─ Claro ─ o menino concordou sem pestanejar.

─ Em particular. ─ Jorge olhou para Alícia, envergonhado.

─ Se ele te atacar eu corro pra te proteger ─ Alícia falou para Cirilo, e depois se afastou.

─ Então. ─ Cirilo encarou Jorge, esperando por algo. ─ O que você quer?

─ É... ─ Ele começou, nervoso. ­─ Eu não sei como fazer isso, e sei que isso não vai consertar nada, sei que eu te machuquei e magoei muito no passado. Mas me desculpa, de verdade, perdão por todas as vezes em que eu fui um filho da puta racista e classista com você.

─ Tá tudo bem ─ o outro falou, sem expressar nenhuma reação. ─ É só isso?

─ Eu quero dizer também que tudo que você precisar eu estou disposto a te ajudar e... e pode contar comigo para tudo.

─ Beleza, cara. ─ Cirilo forçou um sorriso.

Depois de se despedirem, ele voltou a conversar com Alícia, mas seus pensamentos vagavam por sua cabeça. Ele com certeza não queria guardar rancor de Jorge, mas não conseguia se curar das cicatrizes que o racismo infligira em si. Por mais que ele quisesse perdoar Jorge, Maria Joaquina e os outros, ele ainda se sentia muito mal com todas as situações que viveu. Então quando Jorge o pediu perdão ele simplesmente falou o que o outro queria ouvir, porque preferia não falar no assunto que era como espinhos para Cirilo. Ele conseguia perdoar, mas não conseguia esquecer tudo que passara, tudo que o racismo sistemático enraizado na sociedade o fez passar. E não tinha certeza de que algum dia ele esqueceria.

***

─ Não. ─ Alícia falava ao celular, enquanto chegava em casa. ─ Eu vou com as meninas, nós já combinamos, Paulo.

Paulo queria fazer uma aparição em conjunto na festa de Jorge, mas ela já havia feito planos de se arrumar na casa de Maria Joaquina, junto com o resto das meninas. E por mais que fosse fofo que Paulo queria seguir o plano, ela não queria se privar das coisas e diversão. E percebeu isso, depois do seu "ataque de ciúmes".

─ Nós podemos dar as mãos lá, sentar juntos ou coisas do tipo. Todo mundo vai saber que estamos "juntos".

─ Verdade. ─ Paulo falou do outro lado da linha. ─ Nós podemos nos beijar na frente de todo mundo também...

O coração de Alícia deu um pulo.

─ O quê?

Mas a sua resposta foi o fim da chamada. Ela recebeu uma mensagem de Paulo: "Ué, a ligação caiu. De qualquer jeito, tenho que ajudar minha mãe com algumas coisas". A menina riu. Ela não tinha certeza se estava gostando dele de verdade. Mas com certeza não se importaria de beijar ele na frente de todo mundo.Os sentimentos de Alícia estavam muito confusos, e ao que parecia, os de Paulo também.

Ela suspirou, quando chegou na frente da porta da casa, ela carregava sua mochila, o skate e uma sacola de pano, que comprou para ajudar Marcelina em uma campanha de ajudar o meio ambiente, ou algo do tipo. Alícia estava prestes a enfiar a chave na fechadura, quando a porta se abriu subitamente, a assustando. Seu skate caiu no chão. Ela não estava esperando que fosse aquela pessoa a abrir a porta para ela.

─ Eleonora?

faz de conta ➵ paulíciaOnde histórias criam vida. Descubra agora