Me rendo a nós

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Havia vários papeis em cima da mesa, mas não estava com qualquer interesse em ler um por um. Fechou os olhos, levando suas mãos às têmporas, massageando enquanto pensava.

Estava deveras cansado, queria poder tirar alguns dias de descanso. Toda aquela burocracia e regras estavam o deixando exausto. Estranharia esse desejo em deixar o trabalho pela metade, claro que se isso fosse há alguns meses atrás. Mas agora, Kuchiki Byakuya sentia-se mais leve. Era como se tivessem tirado um peso de seus ombros. Um enorme peso do coração também. Sentia-se mais aliviado.

A dor em sua cabeça era mínima, nada que o fizesse cancelar aquele compromisso de mais tarde. Olhou então para a janela, o sol estava prestes a se pôr, as cores do céu se misturavam, num azul e vermelho intenso. Achou então que não precisava ficar ali até tarde, aqueles papéis não fugiriam de sua mesa. Levantou-se, ajeitando o cachecol no pescoço. Mas ainda precisou dar mais um tempo.

Estava sozinho em sua sala, havia dado o dia livre para seu tenente. Já que não achou necessário ele se estressar com leitura e essas coisas chatas. A quem ele queria enganar? Claro que preferia Renji cuidando de outras coisas. Afinal, já bastava ele estressado. Alguém deveria animá-lo. Respirou fundo, controlando suas emoções. Não ficaria bem alguém chegar ali e vê-lo rubro por conta de seus pensamentos.

Esses novos pensamentos, que nada combinava com o homem que era. Se é que ainda havias resquícios daquele Byakuya gélido de antes. Amargurado por um passado cheio de fantasmas. Moveu a cabeça, em forma negativa, tentando apagar esses pensamentos. Não era momento para isso.

Deixou o esquadrão quando a noite começava, achou melhor esperar um pouco até seguir para a casa de Renji. Mesmo tendo insistido de fazer o jantar na sua mansão, o ruivo foi categórico ao negar, dando alguma desculpa que não compreendeu bem. O lugar não estava tão acalorado de moradores, como foi uma noite passada. Byakuya não se sentia desconfortável ali, ao contrário, gostava da simplicidade do lugar.

Só não era agradável fazer parte de comentários. Esses que não chegavam aos seus ouvidos, por motivos óbvios, mas sabia. Sim, sabia. Mas não se importava tanto assim, do contrário não estaria ali mais uma vez.

Claro que na sua posição, a família, enfim... ele ainda estava se arriscando muito. Não pensou bem nas consequências de seus atos, nos últimos meses. Primeiro estava se descobrindo. E gostando do que conhecia.

— Capitão. — Renji abriu a porta, dando passagem para o homem entrar. E antes que ele resmungasse algo, corrigiu. — Você, demorou.

Byakuya entrou na pequena sala, ainda aquelas mesmas almofadas grandes, a mesma mesinha de canto e a planta. Gostava daquela decoração simplória, e bonita. Renji era bem prático, e não precisava de muitas coisas para viver.

— Achei melhor esperar a noite...

— Entendo. Vem, eu fiz uma bebida quente para o senhor. — Era impossível fazê-lo perder aquele senhor? Às vezes saía automático. Eles foram para os fundos da casa, onde o jardim do quintal parecia maior e mais colorido a cada dia. Sentaram-se e Renji o serviu com um chá.

— Renji, você não pretende mudar, digo, morar em um lugar maior? — Byakuya perguntou, sorvendo um gole do chá quente. Esperou que ele respondesse, mas o ruivo ficou em silêncio, pensativo talvez. Byakuya observou isso durante os últimos meses, o ruivo sempre pensativo e calado. Algo que ia contra a natureza dele. — Renji?

— Ah! Sim. Já pensei nisso, mas não vejo porque deixar minha casa. Afinal, eu moro sozinho. Não preciso de um espaço maior. — Ele sorriu, mexendo no cabelo, tentando disfarçar o embaraço. Claro que achava o lugar pequeno. Não combinava em nada com Byakuya, mas era aquilo que ele tinha. Não poderia sustentar mais do que podia. E de uma forma ou de outra, se o capitão estava ali com ele durante esse tempo, deveria também gostar. Ou, talvez, já estivesse cansado. — Mas, porque? Não gosta daqui? Achei que gostasse. — Resolveu perguntar de uma vez, e acabar com aquela curiosidade.

Byakuya deixou o chá de lado, virando-se para o ruivo. Como ele iria dizer que gostava dali, mas não era um lugar apropriado para os dois? Dizer isso sem fazê-lo se ofender.

— Eu gosto, é um lugar calmo. Mas, como posso dizer, é pequeno.

— Sim, é pequeno porque moro sozinho. — Renji se incomodou, claro que não poderia se dar ao luxo de ter uma mansão como a de Byakuya. O jardim ali nem era dele, como poderia ter uma casa maior?

— Mas... — o capitão respirou fundo. — Vamos supor que se eu quisesse ficar com você por mais de uma noite. — Byakuya não acreditava no que estava dizendo. Mas havia pensado nisso dia e noite. E quando achou a hora certa, então falou. — Digo, não posso passar o resto da vida assim. Ao menos um lugar eu deveria ter para guardar alguma coisa minha. Não é nada convencional eu ter que usar alguma roupa sua cada vez que algum acidente ocorrer. Eu não quero dar trabalho.

Byakuya sentia seu rosto corar. Deveria estar vermelho, mas não sentia assim tanta vergonha, só estava constrangido com a situação. Mas era pior guardar aquilo para si. Odiava ter que sair pela manhã como um gato fujão. E deixar para trás Renji e toda a bagunça na casa. Era organizado demais, para ser tão displicente daquele jeito.

Renji engasgou como o chá, quando ouviu o capitão falar. Claro que havia um sonho distante de quem sabe um dia poder ficar mais do que uma noite com Byakuya. Mas aquilo parecia ser tão distante que foi pego de surpresa. Como fora em todos aqueles meses.

— Quer dizer, o senhor e eu...

— Não posso oferecer muito Renji, não agora eu acho. Mas, eu não posso deixar de pensar nisso. Podemos começar devagar. — Byakuya esfregou os braços, a noite estava ficando mais fria a cada dia.

— Não sabe que para mim, isso é mais do que eu já sonhei? Tudo o que me ofereceu até agora foi muito mais do que eu acreditei um dia conseguir. — Renji se levantou, estava mesmo ficando frio. Era hora de entrar. — Vem, tome o resto do chá na cama. — Ele sorriu, estendendo a mão. — Se quiser, posso procurar um lugar maior para eu me mudar.

— Bem, acho que não é necessário. Eu já resolvi esse problema. — Renji ergueu a sobrancelha, iria reclamar. — Vou me ofender se não aceitar. É um presente. — Byakuya segurou a mão dele, mas não se levantou, esperando a resposta. — Renji?

— Eu não sei o que dizer. — Apertou forte a mão dele, encarando-o sério.

— Diz o que você sempre me fala quando eu vou embora. — Dessa vez Byakuya sorriu, um sorriso milimétrico, fechando os olhos. Mesmo que fosse uma hora ruim a de ir embora, ainda gostava daquele momento, que era quando Renji o abraçava tão firme e dizia que o amava mais do que tudo.

Amar alguém mais do que tudo, parecia ser algo muito forte de dizer. Mas a cada dia que passava, ele sentia a mesma coisa pelo ruivo. Era loucura, mas viver isso era necessário.

Renji o puxou para se levantar e abraçou-o forte. Aceitar aquele presente não o faria mais ou menos orgulhoso de suas conquistas. Afinal, era algo que iria compartilhar com Byakuya. E os relacionamentos não eram assim mesmo? Dividirem tudo?

O ruivo aproximou seus lábios nos do moreno, roçando de leve, com carinho.

Estava totalmente rendido aquele homem, e bem ou mal, faria sim tudo o que ele pedisse. Tudo o que estivesse ao seu alcance para vê-lo feliz.

— Eu amo você, Byakuya, mais do que tudo.

Eles se beijaram, entrando na pequena casa, para passar ali a última noite juntos. Porque no outro dia, Byakuya iria poder se entregar por mais tempo a Renji, sem ter que ir embora escondido na manhã seguinte.


Notas da autora: Obrigada por lerem até o final. Beijos e, em breve, vou publicar as outras histórias do casal que são também antigas.

Me Rendo a vocêOnde histórias criam vida. Descubra agora