19 - O que está havendo comigo?

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Os seis anos seguintes exigiram todo o tempo de Ayla.

Entre as aulas, o emprego e os tios super protetores, a garota tinha pouco tempo para si, quem dirá para relacionamentos, mas quem foi que disse que eles só acontecem quando estamos prontos ou quando temos tempo? E, aos poucos, mesmo que sem querer, aquela rotina fazia com ela se esquecesse da pessoa que foi primordial em sua vida.

Assim que deixou a faculdade, Ayla se mudou. Havia sido aceita em uma galeria de arte para um estágio remunerado. Na sequência, o primeiro namorado e com ele os primeiros problemas. Johnny era um amor, nos primeiros meses. Atencioso, carismático. Não foi difícil conquistá-la. Ele exalava um charme que Ayla nunca tinha visto e o deslumbramento, encanto, foi quase instantâneo. As flores, os chocolates e as palavras românticas eram quase sempre presentes e nada parecia melhor. Isto é, até aquele dia.

A galeria, na qual trabalhava, decidiu fazer uma exposição de artistas desconhecidos, mas promissores e Ayla estava entre eles. Como seu convidado, Johnny foi até a exposição e ficou surpreso ao ver que os quadros dela eram predominantemente sobre dois homens, sendo que a maioria tinha em comum o mesmo rosto.

Todos, no evento, adoraram os quadros dela, a maneira como os retratou e pintou. Tão reais, mas ao mesmo tempo tão acima da realidade. Um de seus quadro precisou ser leiloado, pois haviam muitos compradores interessados nele.

A pintura consistia em um par de asas emplumadas muito brilhantes cercando um pôr do sol alaranjado sobre a casa que morou com os tios por anos. Mais a frente, o parquinho, uma menina e o homem que a salvara de um acidente. Ayla havia conseguido representá-lo de uma maneira quase invisível para quem olhava, mas que ainda assim se sabia que ele estava ali. E havia sido aquele elemento em particular que fez com que o quadro fosse tão requisitado.

Para a jovem, aquela era uma de suas obras favoritas até o momento. Ela o chamou de "The Guardian".

A noite rendeu-lhe bons contatos e uma excelente conta bancária. Mesmo que uma porcentagem dos ganhos tenha ficado com a galeria e que a maior parte fosse ser transferido apenas no dia seguinte, era muito mais dinheiro que ela jamais imaginou que ganharia. Especialmente em uma única noite, ou melhor, em questão de horas.

Ayla, a partir dali, passou a ficar ainda mais ocupada. Entre as ideias que surgiam em momentos nada aconselháveis (como no meio da noite), o trabalho, a faculdade e as sonecas que tirava no tempo livre, o namoro foi ficando em segundo plano.

Então do dia para a noite, Johnny se tornou outra pessoa.

Passou a exigir coisas que Ayla não estava pronta para dar ou abrir mão. Ele queria provas do amor dela. Queria tempo dela. Exigia que ela estudasse menos. Trabalhasse menos. "Sugeria" que se ela realmente o amasse cozinharia e limparia o apartamento dele. Afinal, você já está em idade para estar até casada.

A jovem se sentia encurralada. Pressionada. Como se ele quisesse fazer uma lavagem cerebral nela. Tinha consciência de que algo estava muito errado. Sabia que precisava fazer algo e foi quando, após uma ligação e conversa séria com Heidi, que Ayla fez algo que não fazia há muito tempo.

Ela orou.

Ajoelhada ao lado de sua cama, Ayla pediu por clareza de pensamento. Por ajuda para entender o que estava acontecendo e como se livrar daquela situação que a estava esmagando e destruindo pouco a pouco. Ayla não era uma pessoa religiosa fervorosa, mas aprendeu com os tios a ter um bom relacionamento com o Criador e ela sabia que vinha falhando com sua parte nessa relação. Ela nem sabia ao certo se Ele lhe ouviria ou se a responderia, porém algo ela precisava fazer.

***

Ao seu lado, Joshua sorria fraco.

Ver o quão desgastada Ayla estava o deixava triste. Sentindo-se quase impotente por não poder ajudar mais. Ela havia deixado de vê-lo há algum tempo e isso os tinha deixado solitários naquele apartamento, mesmo que ele não fosse muito grande, tornando o trabalho de proteção mais difícil, uma vez que ela já não o sentia com frequência. E desde que sua protegida havia arrumado um namorado, Joshua sentia que ela ia ficando cada vez mais longe dele.

Não que ele não a quisesse feliz, o platinado só não sabia que tipo de sentimento quente era aquele que tinha toda vez que via Ayla com Johnny. Ter de sair da sala toda vez que ele chegava para permitir que namorassem com privacidade. Vigiá-la de longe toda vez que saiam e pior, Joshua mão suportava a maneira como Johnny a olhava.

De um modo frio, calculado e possessivo. O anjo nunca havia desgostado de ninguém, mas aquele humano testava seus limites. Sempre fazendo exigências. Querendo coisas que deveriam ser oferecidas e não cobradas. Sempre dizendo coisas que deixavam a jovem desanimada e triste. Johnny nunca viu o talento que ela tinha.

Talvez porque, de modo inconsciente, ela pintasse Joshua e Hansol em diferentes momentos e ele não entendesse a razão dela gostar tanto de retratá-los. Afinal, eles foram de extrema importância em seus anos iniciais, mas Johnny não sabia disso. Não havia como saber e, mesmo que houvesse, o anjo tinha quase certeza de que ele estaria pouco interessado. Só seus desejos e caprichos importavam.

Para Johnny, Ayla pintava apenas dois caras desconhecidos, inventados, que ela imaginava como anjos. No fim, ele só estava com inveja e aquilo o deixava propenso a ataques malignos. E era disso que Joshua menos gostava. Johnny exalava uma energia pessimista muito ruim o que era um ótimo chamarisco para demônios e o anjo temia pela jovem e o futuro dela.

Ayla tinha uma carreira magnífica pela frente. Por isso, o platinado vivia soprando-lhe no ouvido o quão incrível ela era. O quanto suas obras eram especiais, bonitas e o quanto agradariam os interessados. Soprava-lhe cuidados pessoais.

"Hora de descansar."

"Tire um cochilo"

"Beba água"

"Não esqueça o protetor solar" - em dias de verão.

Mas também familiares.

"Ligue para seus tios. Eles devem estar com saudades"

"Heidi pensa em você, ligue para ela"

"Mantenha contato, não se afaste. Eles te amam"

E, talvez pela ainda existente conexão entre eles, mesmo que apenas um fiozinho, Ayla o escutava. Menos, é claro, quando o anjo pedia que ficasse atenta as atitudes do namorado. Aí ela balançava a cabeça e afastava seus conselhos.

Porém, Joshua não desistia e continuava a lhe dizer o que seria bom para ela e finalmente naquele momento Ayla parecia estar ouvindo. Ela orava baixinho ao Criador. O que aquecia o coração do anjo e que significava uma boa coisa. Ela não estaria se afastando ainda mais dele ou se afastando do Criador para dar ouvidos ao lado maligno e se perder para a escuridão.

Joshua percebeu de repente que os murmúrios cessaram e ao olhá-la Ayla cochilava com a cabeça apoiada no colchão e o corpo para fora da cama. O anjo sorriu encantado.

- Parece que voltamos aos tempos em que você era um bebê, não é, Ayla?

Rindo, ele escondeu suas asas e se deixou entrar na camada mortal. Pegou a jovem nos braços, depositando-a suavemente no colchão e quando ia se afastar, ela segurou sua veste firmemente.

- Fique. Fique comigo. Amo seu cheiro, Shua. Senti sua falta.

Joshua sabia que ela falava aquilo sem ter consciência e que na manhã seguinte não se lembraria de nada do que disse. Mas o saber não impediu que ele sentisse um frio em sua barriga, a espinha arrepiar, o coração acelerar ou que ele deitasse ao lado dela como costumava fazer.

O que está havendo comigo?




Fallin' ↬ Joshua HongOnde histórias criam vida. Descubra agora