Capítulo 3

34 7 4
                                    

Não consegui dormir muito bem depois que soube que meu pai faleceu. Assim que consegui parar de chorar, minha tia me deu um remédio para dor de cabeça e disse que iria ver como a minha vó estava.

— Foi ela quem atendeu ao telefonema do hospital, mas pediu que eu viesse falar com você. Ela não conseguiria... — Tia Sarah explicou, depois de me dar um copo d’água.

— Eu vou falar com ela. — Me levanto e vou em direção à porta do meu quarto, mas sou segurada.

— Dê um tempinho, Ju. Mais tarde temos muitas coisas para resolver. Por favor, descanse você também... — Minha tia fala sem força alguma.

Todas nós o perdemos.

Concordo com a cabeça, também sem forças para falar mais nada. Ela me abraça apertado, se levanta e deixa meu quarto.

Depois que minha tia saiu, desabei novamente. Eu visitei o meu pai todos os dias desde que ele ficou doente, há quatro meses atrás. No último mês ele foi encaminhado para uma ala diferente do hospital, e as visitas passaram a ficar mais restritas. Eu dava o meu jeito, mas nem sempre conseguia tapear a segurança e entrar escondido.

Eu não o vi ontem.

Da última vez que o vi, há dois dias atrás, ele não estava acordado. A enfermeira explicou que precisou administrar um remédio mais forte, pois os médicos queriam ver se ele reagiria melhor.

— Deixarei vocês a sós, qualquer coisa é só apertar esse botãozinho aqui. — A enfermeira gentil, que eu tinha descoberto recentemente que se chamava Mary, explicou enquanto levantava um pequeno controle branco com botões coloridos.

— Obrigada, Mary. — Respondi, sorrindo para ela.

Sentei no pequeno sofá que ficava ao lado da cama dele e peguei sua mão.

Ainda quente.

Aperto a mão dele, querendo que seu calor passe para mim. Espero que minha pulsação o alimente e que ele se levante, forte como sempre foi. Mas ele não faz isso.

Sua respiração pesada, o barulho da máquina que acompanha seus batimentos cardíacos, a medicação pingando dentro do saco e correndo pelas suas veias.

Sons que não consigo me esquecer.

Não sei quantas horas fiquei naquele quarto segurando a mão dele. Só fui embora quando uma outra enfermeira apareceu, avisando que o horário de visitas tinha acabado.

Se eu soubesse que seria a última vez, teria brigado para ficar.

Rolei na cama a noite inteira. Quando me canso e decido me levantar, vejo que já está claro lá fora. Saio do meu quarto e vou direto para o quarto da minha avó, mas ela não está lá.

Enfio a cabeça dentro do quarto da minha tia. Ela também não está.

Meu coração começa a acelerar como se estivesse saindo para fora do meu corpo.

Desço as escadas correndo. Meu coração acelera ainda mais quando percebo que a escadaria não tem fim. Tentando sair, me viro e subo novamente as escadas que, para minha surpresa, me levam direto para uma porta preta.

Que porta é essa?

Encosto na sua maçaneta fria e a abro. O cenário com o qual me deparo é conhecido.

A mesma sala branca.

A porta some atrás de mim, não me dando a escolha de voltar. Só me resta seguir em frente.

Seguir em frente.

A frase ecoa e se repete, cada vez mais alto, cada vez mais perto de mim. Quando percebo, ela parece estar sendo sussurrada no meu ouvido.

Seguir em frente — Não é mais um eco, é um sussurro tão próximo que parece estar vindo de dentro de mim. É uma voz grave e cheia de poder. Uma voz que eu nunca ouvi antes.

Algo pinga no meu ombro. Depois na minha testa. Depois na ponta do meu nariz.

Pingos de chuva.

Os pingos passam a ser uma chuva forte, fria e cortante. Seu som preenche a sala se misturando à voz. A união se torna insuportável.

Meus olhos se abrem com um pulo. O eco da frase e o som da chuva caindo sobre mim se distanciam, deixando de existir. Minha pele está arrepiada.

Seguir em frente. Como?

Olho o relógio. 05:30 da manhã.

Consegui dormir por uma hora.

Sinto alguém dormindo ao meu lado e quando viro, vejo que é a minha avó.

Me sento devagar e passo a mão pelos cabelos dela, ato que faz ela se assustar.

— Eu estou aqui, vó, tente ficar calma. — Digo, tentando fazer com que ela durma um pouco mais.

Ela não responde, mas me olha profundamente. Seus olhos revelam que ela está em outra atmosfera.

— Você sempre foi igual a ele. — Ela diz, pegando firmemente minha mão.

Ao dizer isso, uma única lágrima escorre dela. Uma lágrima solitária, delicada e contida.

Como a primeira gota de chuva que sempre cai antes de vir a tempestade de verdade.

Coração Que ChoveOnde histórias criam vida. Descubra agora