14 de março, dois meses antes.
Seguro a mão do meu pai enquanto atravessamos a rua, voltando para casa depois de termos ido à nossa sorveteria favorita. Atravesso sem olhar para os lados, meu foco é totalmente direcionado a ele.
Observo cada detalhe, cada traço. Sorrio para ele e ele sorri de volta.
Não sei o momento em que pisquei, em que soltei minha mão da mão dele.
Uma hora ele estava lá, na outra não estava mais.
Me vejo sozinha no meio de uma rua que não tinha movimento algum enquanto ele estava segurando minha mão. Um carro passa de raspão por mim, mas não consigo me desviar. Meu corpo está congelado.
Tento gritar, mas também não sai voz.
Aonde está meu pai?
Fecho os meus olhos, tentando fazer força para sair, e quando os abro, estou em uma sala branca. Não tem portas, não tem janelas, não tem pessoas.
Um vazio branco.
Vejo um pontinho andante vindo em minha direção. Estreito os olhos para tentar enxergar e, conforme ele se aproxima, o reconheço.
Pai.
Corro em sua direção, mas ele pede que eu pare, fazendo um sinal com a mão. Ele sorri para mim, e seu sinal de "pare" vira um aceno.
Ele está indo embora? Para onde?
-Papai! - Grito, o eco quase me deixa surda.
Ele não responde, mas continua acenando para mim com um sorriso carinhoso nos lábios.
Quando ele começa a virar as costas, desobedeço a ordem de ficar parada e corro o mais rápido que posso para chegar até ele. Meu pai para de andar e permite que eu o abrace.
Um abraço que poderia ter durado mais.
Ele me solta dele, olha no fundo dos meus olhos, beija minha testa e volta a andar. Dessa vez não corro, não grito, não choro. Apenas o assisto.
E ele some de vista.
Ainda parada, ouço sua voz:
-Estou indo. Te amo. - A frase é entregue por um eco gentil e suave. Nunca ouvi um tom de voz tão em paz.
Sua voz ainda ecoa dentro de mim quando minha tia me acorda.
- Ju, acorda. - Ela diz, colocando a mão no meu rosto delicadamente. Abro os meus olhos e vejo que ainda está escuro lá fora.
- Que horas são? - Pergunto, me sentando na cama e vendo o rosto dela vermelho de choro.
- São duas e vinte da manhã. Eu...eu preciso... - Vejo ela ensaiando as palavras, sem saber como dizer. Seus olhos lacrimejam.
-Ele se foi. - Não pergunto. Eu afirmo.
Meu pai veio se despedir de mim.
Minha tia não responde, só me abraça e eu grito de dor. Não estou com nenhum ferimento externo. O que sinto por dentro é dez mil vezes pior.
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Coração Que Chove
EspiritualMaria Júlia jamais imaginou que, com apenas 15 anos de idade, perderia uma das coisas mais preciosas de sua vida: seu pai. Além de enfrentar o luto, a jovem se vê dentro de sonhos enigmáticos que começaram logo após a partida dele. Nesses sonhos, um...