Capítulo 11

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Sabe aquele momento em que as coisas mudam e fazem mais sentido e ficam mais belas?

O momento em que o roxo passa a ser azul. O momento em que o laranja se torna vermelho.

Como se as transições se completassem e o que era velho se fosse.

Algo novo se mexe dentro de mim. Algo que não quero segurar.

— Meu nome é Maria. Maria Júlia. — Digo, nervosa. Estou de cara com a pessoa que cantou para a minha alma. Ela me fez chorar. Me sinto exposta e vulnerável como se meu corpo fosse transparente.

Ela não responde, apenas alarga seu sorriso e seus olhos lacrimejam, como se ela estivesse juntando forças para dizer algo. Me olho no espelho e vejo meu rosto vermelho por causa do choro. Respiro fundo e olho novamente para ela.

— Essa música que você cantou hoje... qual o nome dela?

— Ela é... autoral. Compus ontem, ainda não tem nome. — Ester diz, olhando para seus pés e esfregando as mãos num sinal de timidez repentina.

Ela compôs?

— O que você quis dizer com "prazer em finalmente conhecer você"? — Preciso de respostas.

— Você conhece Deus?

Deus?

— Eu... eu não sei. — Quero falar sobre os meus sonhos e sobre tudo que aconteceu nos últimos meses, mas minha garganta se fecha. Lágrimas vão brotando dos meus olhos e embaçam minha visão.

— Ei... — Ela me envolve em seus braços e repouso meu corpo sobre ela. Estou no meio do banheiro abraçando uma estranha.

Eu costumava ser uma pessoa bastante sociável, mas isso foi antes dele partir. Na verdade, era ele quem me motivava a ser assim.

Como eu era.

Agora choro por ele. Choro pela forma que eu me perdi. Choro por não ter mais meu pai para me dar respostas. Choro por esses sonhos.

Choro por tudo.

— Ele pediu que eu viesse cuidar de alguém. Cuidar de você. — Ester diz depois que me acalmo um pouco. — Ele não disse seu nome ou como você se parecia, mas me disse que havia alguém dentro desse banheiro em um constante sofrimento que precisava de ajuda.

Ele disse?

— Então Deus fala com você? —

Isso é loucura.

— Sim, ele fala de muitas formas. Embora eu nunca tenha ouvido sua voz audível.

Voz audível?

Ela desfaz o abraço e segura minhas mãos.

— Não sei pelas coisas que você tem passado, Maria, mas eu quero muito te ajudar.

Olho para baixo. Não sei se estou pronta para tocar no assunto com alguém.

— Eu...

— Você não precisa falar ainda, se não quiser. — Ester me interrompe. — Mas eu queria que você fosse à minha igreja amanhã. Sábado à tarde tem culto de jovens, sempre é incrível. — Sua fala sai mais empolgada do que eu gostaria. Não sei como recusar de um jeito educado.

"Você escolheu o certo e pôde me ver."

"Me aceite dentro do seu coração. Não o endureça."

Se eu quiser melhorar preciso pelo menos tentar. Estou disposta a crer nisso.

— Eu gostaria muito de ir. — Digo, depois de alguns segundos olhando pra baixo.

— Glória a Deus! Você não sabe o quanto meu coração está queimando nesse momento! — Ela me abraça de uma maneira extremamente reconfortante. Mesmo que eu não entenda metade das coisas que a Ester fala, sinto uma forte conexão entre nós duas. Não paro de pensar que preciso mostrar minha gratidão de alguma forma.

Após pegar meu número, nós saímos do banheiro e ela me deixou na frente da minha sala.

— A minha sala fica no fim do corredor. Não hesite em bater lá se estiver precisando de mim, Maria. — Suas mãos apertam as minhas de uma forma firme, verdadeira.

Que garota forte.

Balanço a cabeça, sem saber mais o que falar. Olho no fundo dos olhos dela na esperança de que ela absorva o quanto estou grata.

Ela devolve com um olhar ainda mais profundo e balança a cabeça, voltando para a sua sala.

Escolhi o certo?

Espero que sim.


— Por que você passa tanto tempo no banheiro? — Marina pergunta após saímos da escola. É sexta-feira e nós temos a tradição de sempre ir tomar sorvete.

— Dor de barriga. — Minto. Não me sinto culpada por não dizer a verdade. A Marina não entenderia.

E eu não quero dividir esse tesouro com mais ninguém.

— Todo dia, Maria Júlia?

— Sim, obrigada por lembrar que preciso ir ao médico.

— Você está mentindo! — Ela para na minha frente e aponta o dedo, debochando. — Aposto que arrumou um namorado e está se encontrando com ele escondido.

— Uau, realmente é difícil esconder as coisas de você. Como adivinhou? — Finjo estar surpresa e coloco as mãos dramaticamente na minha cabeça. Ela me dá um empurrão e depois enlaça o braço no meu.

— Você está diferente hoje. Parece mais feliz, amiga. — Ela diz depois de alguns minutos. Seu sorriso é sincero, assim como o seu tom de voz.

— Estou melhorando, Mari. Tentando melhorar.

Marina balança a cabeça e seguimos para o shopping.

Mais uma vez me arrependo por um dia ter achado que eu estava sozinha.

Coração Que ChoveOnde histórias criam vida. Descubra agora