8. Aqui

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Uma palavra. Duas sílabas. Quatro letras. E um passado doloroso demais para esquecer.

 E um passado doloroso demais para esquecer

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Anna

Papai está aqui.

O cheiro de graxa e couro de suas mãos me faz abrir os olhos. Ele sorri para mim quando desperto e acaricia meu cabelo.

— Pai — me sento com um pulo —, como chegou até aqui? Você foi...

Ele pousa os dedos nos lábios, pedindo silêncio. Seus olhos perscrutam o quarto estranho, seus cabelos balançando com o vento que vem da janela. Eu não acredito que ele a arrombou, mas também não deveria estar tão surpresa. Foi ele quem me ensinou a usar facas e quebrar fechaduras.

Seus olhos amendoados voltam a encontrar os meus, então ele me puxa para um abraço. Lágrimas grossas correm por minhas bochechas, e eu escondo a cabeça em seu peito. Inspiro com avidez, querendo guardar mais uma vez seu cheiro em minha memória. Na última vez em que o vi, ele estava tão frágil.

— Eu senti tanta saudade, meu passarinho. Achei que nunca mais fosse te ver.

— Eu também — as palavras saem entre soluços. Eu tinha certeza de que procuraria seu nome em uma lista de mortos todos os dias.

— Seu amigo me encontrou — papai diz, se afastando.

— Matteo? — o nome dança em meus lábios como uma mentira.

Papai assente e segura minhas bochechas, limpando as lágrimas que insistem em cair. Seguro sua mão, pressionando-a contra minha pele. Ele está quente, mas não é de febre.

— Eu estou melhor do que estive em semanas, passarinho. As manchas... — ele estica os braços. Lágrimas voltam a preencher meus olhos, porque, pela primeira vez em semanas, não há manchas brancas em sua pele castanho-avermelhada.

Eu tenho tanto para perguntar, mas nada sai. As palavras se atropelam em minha língua, se misturam e se desfazem em um sorriso. Meu coração martela no peito. Ele está vivo. Graças a Matteo, uma voz insiste em sussurrar.

Papai tateia embaixo de meu travesseiro e, com um sorriso, tira a faca de seu esconderijo, girando-a nos dedos. Ele estende a lâmina. A pego com cautela, como no dia em que a ganhei. Para espantar os pesadelos, ele tinha dito, e os mal-intencionados.

— Podemos ajudar os rebeldes agora — seus olhos brilham quando fala. — Juntos, passarinho. O que você me diz?

Um sorriso maior ainda toma meus lábios. Me jogo em seus braços, apertando-o com força, porque temo que, assim que o soltar, ele desapareça. Agora, ele também está chorando, e suas lágrimas molham meu pijama em grandes ondas.

Cidade dos Corações Sombrios | Livro 1 | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora