Até o fim, nós.

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- Esse pomar é tão lindo, não é?

- Sim tem muitas frutas deliciosas, quem não gostaria?

- Não sei, pergunte a esse beija-flor.

Ele o olha e percebe que o beija-flor não pousa em nenhuma das flores, parece que elas não o agradam de alguma forma, que elas não são suficientes para ele. Assim como aparentemente eu não sou para ele. Sabe ele é meu melhor amigo, não sei o que eu faço pra ele perceber que o amo de outra maneira. Não sei... imagina se ele reagisse de forma ruim sabendo disso, ou se afastasse de mim, não sei o que seria de mim se acontecesse isso. 

Estamos em um campo de treinamento militar. Na nossa cidade homens a partir de 18 já podem ir pra guerra, e está em todos os jornais sobre o começo da terceira guerra mundial. Já alertaram todos da minha cidade então treinamos a maior parte do dia para acelerar o processo. Iremos partir hoje como verdadeiros soldados, e estamos super nervosos e com medo.

Éramos meninos de rua antes de chegarmos aqui. Não temos família, só temos um ao outro, e esse que é o melhor, porque sempre temos um ao outro em todas as situações, eu literalmente nunca sai do lado dele, fazemos tudo juntos e nos apoiamos muito. E com o tempo, eu acabei criando sentimentos além da amizade por ele, um amor que não tem nada a ver com amizade, e aliás, quero muito além de uma amizade de irmãos, só que eu nunca disse a ele o que eu sentia realmente. Desistir é uma palavra indecifrável para mim, não vou abandonar a ideia de ser o amor da vida dele.

O caminhão que leva os militantes chega hoje a tarde, e aproveitamos para subir um pomar onde ficaremos talvez pela última vez, estamos sentados abaixo de uma árvore de maçãs bem avermelhadas. Me deito em seu colo e fico vendo as nuvens, talvez também seja a última vez que eu vá ver essas nuvens fofinhas.

- Sabe Louis, esse céu é maravilhoso, né.

Ele assentiu.

- Está com medo? O que houve?

- Sim, estou com medo.

- Ora não fique, tenha esperanças e pensamentos positivos, a gente vai ir e voltar juntos, os dois, vivos.

- Não, meu medo não é esse, até porque eu sei que a onde eu estarei independentemente do lugar você estará junto a mim, como sempre esteve.

- Qual é o seu medo?

- Meu medo sempre foi não ser suficiente pra você, e te magoar.

- Porque está falando isso, não estou entendendo Louis.

- Eu sei que você me ama muito mais do que na amizade, eu percebo isso, não sou tolo. Mas nunca comentei sobre o assunto porque estava com medo das minhas palavras te afetarem ou de eu não ser o suficiente para você se talvez acontecesse. E estou dizendo isso agora porque talvez seja o último dia que vamos ter juntos.

- Você sempre foi o suficiente para mim, e a maior prova disso é meu sentimento por ti. 

Eu o olhei e ele retribuiu encarando-me, realizando um sorriso de canto me confortando, e eu continuei.

- Mas ainda não te compreendi, seja direto, você me ama?

- Quer que eu seja direto e claro?

- Sim! É o que eu mais quero.

- Eu te amo Max! Amo mais que tudo, mais que todas essas nuvens, esse pomar, essas maçãs, e a guerra não me importa mais, se eu estiver com você ficarei mais feliz e corajoso, e se for para morrer, que seja ao seu lado.

Eu o abraço com lágrimas nos olhos e um sorriso gigantesco, eu não preciso mais esconder o que sinto. Não esperava que ele me desse essa abertura enorme.

Após passarmos o fim de tarde naquele lindo pomar o caminhão chegou e entramos no mesmo. Sentamos um ao lado do outro e demos as mãos, me encosto no ombro dele observando seu rosto que ainda não está com nenhum arranhão ou lembrança de uma guerra. Sinto um aperto no coração, um frio na barriga por pensar que talvez eu nunca mais vou vê-lo novamente, isso me magoa muito. Gostaria que ele tivesse dito o que sentia por mim, a uns meses atrás, assim teríamos mais tempo para aproveitar se amando de verdade, e não vivendo uma mentira. 

Chegamos no lugar onde aconteceria tudo o que estava previsto, nos posicionamos e assim começou. Eram explosões que não acabavam mais, e o que eu achei que nunca aconteceria, acabou acontecendo, nos separamos. Eram barulhos de tiros que também não acabavam mais, não conseguia mais enxerga-lo nessa multidão de corpos caindo, eram vidas e mais vidas sendo roubadas, por tiros e explosões.

Eu era o médico que trazia os feridos para o campo de medicação, e nesse ápice eu já tinha levado uns 20 corpos para o campo. 

Em uma das beiras das trincheiras, eu o achei, ele estava deitado sob o chão e chorando muito.

- O que foi? Está sentindo dor, está machucado?

- Não sinto mais minhas pernas! Por favor Max fique aqui comigo, eu te imploro.

- Você levou um tiro em um lugar onde você perde o movimento das pernas. Venha vou te levar para o campo.

Na hora em que ia levanta-lo, para jogar ele em meus ombros, ele acaba se jogando na minha frente, me protegendo. Ele usou todas as forças que tinha para me proteger. E protegeu, até o fim. 

Eu desabo de tristeza por ter perdido o Louis, o tiro acertou bem na cabeça dele, não deixando nem um pingo de existência dentro daquele corpo, nenhum fio de raciocínio. Bem que ele tinha me dito, "... até porque eu sei que a onde eu estarei independentemente do lugar você estará junto a mim, como sempre esteve." Até no fim eu estive com ele.



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