Vinte

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Laryssa está sentada na beira do laguinho, e eu me aproximo em silêncio. Sento ao lado dela, e por um segundo, não faço nada além de ouvir. O som do lago, o vento nas árvores, tudo parece tão... familiar. Me pego pensando em como esse lugar nunca muda. Posso me ver ali, mais novo, ao lado dela e de Ítalo, jogando truco como se isso fosse a coisa mais importante do mundo. Lembro do momento exato em que minha mãe gritou para nos chamar pro almoço. A oliveira onde a gente se sentava pra fugir do sol ainda está ali, inalterada.

O lago, por outro lado, sempre me fascinou de um jeito diferente. Não é grande nem especialmente impressionante, mas está ali, resistindo, um pedaço de natureza em meio à cidade. Mesmo cercado pelo concreto e pelo barulho de São Paulo, ele tem seu próprio ritmo, um lugar onde o tempo parece desacelerar. A água reflete as poucas árvores ao redor, o vento que passa por elas criando pequenas ondas que se espalham pela superfície, como se o lago fosse uma pausa do caos urbano, um refúgio onde a gente se lembra de que, às vezes, o mundo também sabe ser silencioso.

Mas eu não sou mais a mesma pessoa que sentava naquela sombra. Agora eu sei quem é Tiago. E quem sou eu.

Quero falar com Laryssa, mas hesito. Não é que eu tenha medo de falar; é que eu não sei o que dizer. Ela está olhando pro horizonte, como se estivesse vendo algo que eu não consigo enxergar. Há uma rigidez nos ombros dela, uma espécie de exaustão silenciosa, como se estivesse carregando o mundo todo ali. Ela acende um cigarro e o leva lentamente à boca, tragando como se a fumaça fosse afastar tudo. Mas não afasta. Nada afasta.

Ela exala a fumaça, e nós ficamos ali, os dois, cercados por um silêncio pesado. Eu quero quebrá-lo, mas as palavras parecem... inúteis. Uma lágrima escorre pelo rosto dela, e eu sei que essa é a forma dela dizer que está machucada. Que está desesperada. E eu? Eu fico aqui, sem saber como fazer isso parar.

O sol está descendo no horizonte, aquele tipo de pôr do sol que deveria ser bonito, mas agora parece só... triste. O lago também parece diferente, mais inquieto. Como se estivesse refletindo o que Laryssa está sentindo.

Ela puxa o cigarro de novo, e eu me sinto impotente. Porque o que eu queria mesmo era consertar isso. Consertar ela. Consertar nós dois. Mas eu não sei como.

— Ficar sozinha assim, sem falar com ninguém, não vai ajudar — eu finalmente digo, e minha voz soa menor do que eu pretendia. — Você não precisa enfrentar isso sozinha, Laryssa. Eu tô aqui.

Ela vira a cabeça na minha direção, e quando nossos olhares se encontram, é como se todo o peso que ela carrega estivesse nos olhos dela. Ela está perdida. E é devastador ver alguém assim.

— Eu não sei se consigo — a voz dela mal sai. É um sussurro. É um pedido de ajuda disfarçado de dúvida.

— Eu sei que parece que o mundo tá desabando, mas você não tá sozinha. Eu tô aqui. — Coloco minha mão sobre a dela, esperando que isso, de alguma forma, seja suficiente. — E não vou a lugar nenhum até você estar pronta pra enfrentar isso.

Laryssa absorve minhas palavras como se estivesse processando algo tão simples, mas ao mesmo tempo tão incrivelmente complicado. Então ela finalmente se vira pra mim, e eu vejo, só por um segundo, um lampejo de esperança. Um lampejo de "talvez eu consiga".

— Obrigada — ela diz, e o sorriso que tenta formar é frágil, como se pudesse desmoronar a qualquer momento.

— Sempre — respondo. Porque, sinceramente, eu não consigo imaginar não estar ali por ela.

Ela se inclina e me abraça, e eu sinto o corpo dela tremer com tudo o que ela vem guardando. As lágrimas dela molham minha camisa, e eu fico ali, segurando-a, tentando ser esse pilar que ela precisa. Tento ser o amigo que ela precisa. Tento, de algum jeito, fazer com que ela saiba que vai ficar tudo bem. Mesmo que eu não saiba se vai.

Quando nos levantamos, o ar está frio, e a grama já está úmida. Seguimos em silêncio para o Uber que espera do lado de fora, e tudo o que consigo pensar é como o mundo pode parecer tão vazio às vezes. O motorista nos cumprimenta, e eu tento sorrir, mas só consigo pensar no quão distante Laryssa parece, mesmo estando a poucos centímetros de mim.

Ela olha pela janela durante todo o caminho. Eu tento imaginar o que está passando pela cabeça dela, mas é como tentar decifrar um enigma sem solução. E isso me assusta. Me assusta não saber como ajudá-la. Me assusta pensar que talvez eu não consiga.

Quando chegamos à casa dela, ela sai correndo, indo direto pra mãe. Eu fico ali, sozinho, olhando pro vazio, sem saber o que vai acontecer a seguir. Ítalo aparece na sala, com aquela expressão de quem já entendeu o essencial, e se senta ao meu lado. Nenhum de nós fala, porque, às vezes, o silêncio é tudo o que temos.

Minutos depois, Laryssa entra com a mãe, e o que vejo nos rostos delas é... difícil. Ítalo se levanta, como se esperasse algum tipo de notícia, mas eu fico sentado, tentando manter a calma. E quando tia Olívia finalmente fala, prometendo que vai estar ali pra Laryssa, eu sinto um alívio que não sabia que precisava.

Ainda assim, mesmo com esse momento de paz, sei que ainda há tanta coisa que precisa ser resolvida. E, talvez, o maior problema seja dentro de mim. Porque eu ainda preciso descobrir como contar pessoalmente para meus amigos sobre Tiago, sobre nós. Mas por enquanto, só estou grato de ter podido ajudar minha prima, mesmo que só um pouco.

Na manhã seguinte, sou despertado pelo som suave de malas sendo colocadas no porta-malas do carro. Tia Olívia está movimentando o carro, e me pede para arrumar minhas coisas para uma semana fora. Ela explica que alugou uma casa em uma região serrana, bem isolada, sem internet ou rede de celular, para que a gente pudesse se desconectar um pouco. A ideia de ficar incomunicável por uma semana parece estranha, mas também meio tentadora.

O caminho até o lugar já começa a mudar meu humor. Ao invés do som constante da cidade, passamos por estradas que serpenteiam por entre montes cobertos de mata atlântica, pequenas florestas que pareciam um abraço verde ao redor das montanhas. Quando chegamos, a vista era de tirar o fôlego. Não eram as montanhas imensas que a gente vê em filmes, mas sim colinas cobertas de árvores e rios, com cachoeiras escondidas entre as trilhas, no interior do estado. Havia algo reconfortante em estar cercado por essa natureza, tão longe de tudo, tão longe de São Paulo, mas ainda assim tão familiar.

Durante toda a semana, fizemos piqueniques à beira de riachos, jogamos jogos de tabuleiro nas tardes preguiçosas e cozinhamos juntos. Foi como se o mundo lá fora tivesse parado por um tempo, e só o que restasse fosse essa pequena bolha de silêncio e calmaria. Por mais clichê que pareça, foi bom ver como as coisas se ajeitaram entre nós, como Laryssa começou a respirar um pouco mais aliviada, mesmo com todo o peso que ainda carrega.

No último dia, sentamos todos na varanda, assistindo ao pôr do sol sobre as colinas. O silêncio entre nós não era incômodo; era como se todos estivéssemos em paz por estarmos juntos ali. De alguma forma, mesmo sem dizer nada, eu sabia que tudo ficaria bem. E às vezes, é só isso que importa.

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