Seis

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É exatamente nesse instante que constato que ele mexe comigo. Seus olhos estão direcionados a mim e sinto como se ele tivesse o dom de penetrar sua intensidade na minha pele e viajar pela minha corrente sanguínea, passeando pelo meu sistema nervoso até cessar o passeio no epicentro do meu cérebro, onde sorrateiramente consegue desbravar meus pensamentos e conhecer meus maiores segredos.

Ele sorri. Aproxima-se lentamente. Não consigo lembrar do que estava falando, mas ele parece não se importar com o que saiu da minha boca. Nota que estou hipnotizado em seus olhos e eu queria muito não estar tão bêbado ao ponto de ser perceptível que estou nervoso e trêmulo. Contudo, ele percebe. Minha respiração está ofegante e não sei exatamente o que estou sentindo; pavor e desejo. Quero beijá-lo.

Beijá-lo? Só posso estar ficando louco.

Tiago leva sua mão fria até o meu queixo e delicadamente limpa algo com seus dedos.

— Doce de leite — explica. — Do churros.

— Ah! Claro que eu tinha que me sujar... — replico envergonhado. — Sou um desastre comendo essas coisas.

— Eu achei fofo.

O toque dele ainda reverbera em minha pele, como um eco tardio de uma nota tocada em uma corda de violão. É uma sensação inexplicável, algo que me faz querer mais e mais, como um faminto que anseia por cada migalha de pão que lhe é oferecida.

— E eu acho que estou muito bêbado. Gostaria de ir para casa.

Ainda posso sentir a textura dos dedos dele no meu queixo, a suavidade da pele contra a minha. É como se um fogo tivesse sido aceso em meu corpo, uma chama que consome tudo o que toca. É maravilhoso, mas também agonizante, porque não posso demonstrar que o quero, que tudo que mais desejo agora é ser dele.

— Posso te acompanhar, se quiser.

— Para a minha casa — corrijo exasperadamente. — Digo, onde eu vivi meus últimos anos, e não a casa onde estou provisoriamente morando. Minha casa.

Sento no meio fio e danço com os olhos turvos pela avenida, que está praticamente deserta. Não há uma viva alma andando por nenhuma daquelas ruas. A brisa fria bate na pele e provocava arrepios alucinantes. Tiago me acompanha, permanecendo em silêncio enquanto fita o asfalto.

— Já fez algo louco? — ele pergunta de repente, rompendo a melodia da noite.

— Depende de qual é a sua definição de "louco".

— Correr pelado numa avenida durante a madrugada?

— Não mesmo. A coisa mais louca que já fiz foi matar aula para fumar um baseado.

— Quer fazer algo louco e improvável?

— Tipo correr pelado?

— Teria coragem?

— Não. — Gargalho, imaginando a cena.

— Sei disso — consente, como se já conhecesse todos os meus pontos fracos. — Por isso pensei em algo mais... verossímil.

Com um movimento grácil, ergo-me e estendo a mão para que ele também se levante. Não consigo decifrar o que se passa em seus pensamentos, mas estou ansioso para descobrir. Quero conhecê-lo, mergulhar em seus detalhes e explorar os recantos mais íntimos de sua alma. Preciso saber o que se passa na mente de alguém que, por um fio, não se jogou da cobertura do colégio.

Seus lábios se curvam em um sorriso enquanto me examina mais uma vez. Aproxima-se de mim e percebo que seu perfume é como uma miragem, um sonho que se materializa em minha frente. É uma mistura perfeita de madeira e frescor, como a essência da flor de oliveira combinada com as notas tropicais das frutas cítricas.

Todas As Coisas Mais Simples (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora