Vinte e Quatro

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Estou deitado na cama de Anita, olhando para o teto como se fosse me dar alguma resposta. A escuridão do quarto só é cortada pela luz fraca do abajour, e mesmo com Anita ao meu lado, me sinto afundando. Ela está sentada perto de mim, uma presença constante, esperando que eu fale. Eu sei que deveria dizer alguma coisa, que deveria contar a ela o que está passando pela minha cabeça, mas as palavras parecem não existir para o que eu estou sentindo.

— Igor, você quer falar sobre isso? — ela pergunta, sua voz baixa e gentil, como se temesse que eu fosse quebrar.

Fecho os olhos por um momento, tentando respirar, mas o ar parece pesado demais para entrar. As palavras estão presas na minha garganta, e eu sinto que se eu começar a falar, tudo vai desmoronar.

— Meu pai... — Finalmente digo, e só de dizer essas duas palavras, parece que o mundo ao meu redor se quebra um pouco mais. Eu nunca imaginei que teria que dizer isso em voz alta, nunca imaginei que essa seria minha realidade.

Ela não responde de imediato, só está ali, perto o suficiente para eu sentir sua presença, mas longe o suficiente para me dar espaço. O tipo de silêncio que não me faz sentir tão sozinho.

— O bebê... — minha voz falha, quase não consigo falar. — Não é do Caio. É do meu pai.

E pronto. As palavras estão fora, como se cuspir isso para fora de mim pudesse aliviar alguma coisa, mas não alivia. Na verdade, só faz parecer mais real, mais sufocante. Eu sinto que estou me afogando, e a verdade é o peso que me arrasta para baixo.

Anita não diz nada por um tempo, mas sinto a mão dela tocar levemente meu braço, o tipo de toque que diz "eu estou aqui" sem precisar de palavras. Só que nada disso é fácil de digerir. Nem para mim, nem para ela.

— Eu não sei o que fazer — minha voz sai como um sussurro desesperado. — Eu não consigo olhar para eles, Anita. Minha mãe, minha tia... como eu volto pra casa agora, sabendo disso? Como eu algum dia irei olhar para o meu pai de novo?

Volto a fechar os olhos, sentindo o peso das lágrimas que vêm, e dessa vez eu não consigo segurá-las. Tudo parece distorcido. Minha vida, minha família, e agora Tiago... Eu quase me afogo nas palavras dele outra vez. Eu não preciso de você. Eu não quero você aqui. Como ele pode ser tão cruel quando sabe que estou me despedaçando?

Antes que eu perceba, Anita me puxa para mais perto, e eu desabo. As lágrimas finalmente vêm, sem pedir permissão, sem parar, e eu afundo no abraço dela. Eu afundo no único lugar que parece real, no único lugar que parece me dar algum tipo de segurança, mesmo que temporária.

— Tá tudo bem, Igor — ela murmura, acariciando meu cabelo como se isso fosse o bastante para colar os pedaços quebrados de volta. — Eu tô aqui.

Sinto o mundo ao meu redor se dissolver, mas de um jeito que me faz perceber algo: às vezes, a realidade quebra em tantos pedaços que tentar recolhê-los parece inútil. Talvez seja isso, talvez a vida seja sobre aprender a conviver com as rachaduras. E, naquele momento, tudo que eu queria era que Anita fosse capaz de colar as peças por mim. Só que ninguém pode fazer isso por ninguém.

Ela me segura apertado, e eu me deixo cair, deixando que cada pedaço caia junto, sem lutar. Tem algo de estranho e inevitável na forma como você começa a cair e não consegue parar. Eu não posso desfazer o que aconteceu, não posso mudar o que minha mãe disse ou apagar o que Tiago jogou na minha cara, mas posso estar aqui, agora, no abraço de alguém que me faz sentir que, mesmo que tudo esteja desmoronando, eu ainda tenho algo.

— Às vezes, parece que a vida é um desses filmes de desastre que não tem final feliz — eu digo, minha voz rouca de tanto chorar.

Anita não responde, e por um segundo me pergunto se ela sequer me ouviu, mas então sinto sua mão acariciar meu cabelo, e isso é mais do que qualquer palavra poderia significar. Eu penso em Tiago de novo, naquela sensação de não ser suficiente, de ser algo que ele não precisa mais. E é aí que percebo que eu sempre soube que isso podia acontecer.

Todas As Coisas Mais Simples (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora