Oito

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O consultório da terapeuta Maria Moura fica num desses prédios de escritórios comuns, geralmente sobre uma loja, na zona comercial da cidade. Na primeira vez que fui lá, há alguns anos, entrei no recinto esperando dar de frente com paredes brancas, loucos em posição fetal sobre um banco de concreto, homens truculentos trajados em uniformes que combinavam com as paredes. Contudo, ao abrir a porta visualizei uma sala de espera pintada em tons pastéis, revestida com madeira nos arredores; iluminada por luminárias, com uma televisão no canto e ainda, um aquário de peixes dourados.

Passei os instantes folheando Hamlet, que estava destacado no centro, empilhado no meio de outros livros que não chamavam tanta atenção. Claramente pertencia à terapeuta — com marcações e elogios nos rodapés. Peguei-me rindo ocasionalmente. Maria parecia encantada com um dos personagens, traçando linhas de raciocínio e desenvolvendo sua personalidade fascinante.

Naquele momento Maria saiu de uma sala. Tinha imaginado, inicialmente, uma senhora de idade ou, pelo menos, um tipo de mulher esquisita que vive cercada por gatos, porém, ali estava ela, permitindo-se usar uma saia azul e uma blusa casual com inscrições em inglês; uma provável citação de Shakespeare. Seus cabelos lisos e negros combinavam com seus olhos cinzentos e apertados, como uma índia. Era alta e magra.

Estendera a mão para mim.

— Você deve ser o Igor, não? Sou Maria — enquanto me guiava para dentro da sala, ela me encarava discretamente, mas não como as outras pessoas faziam. — Conversei com sua mãe, mas brevemente. Ela quis me adiantar sua... situação.

Nunca consegui imaginar minha mãe naquele lugar. Provavelmente aproveitara o momento para apontar sistematicamente meus defeitos e os do meu pai. E tudo de forma histérica.

Na noite da festa da Angelina, quando disse para Elena que amava minha mãe, na verdade eu estava mentindo. Não sei se a amo. Talvez tenha raiva. Contudo, nunca tive coragem de dizer, pois, se eu tivesse contado para Elena o que sentia de verdade ela se assustaria e tomaria repúdio de mim por retribuir algo que sinto que seja recíproco. É mais uma dessas que põe a mãe num pedestal e a torna intocável. Admito que até queria fazer isso.

Quando Maria perguntou pela primeira vez como era meu relacionamento familiar, respondi subitamente que era bom — resposta automática. Na verdade, de fato era. Haviam problemas entre meu pai e minha mãe, mas conseguíamos relevar e afinal, não era por esse motivo que eu estava disposto a fazer terapia e sim pelos meus sentimentos inexplicáveis que me angustiam de uma hora para outra.

— Estou aqui para ouvir. Se quiser falar, tente.

Esses foram os últimos dizeres que Maria soltou naquele dia. Até tentei dizer algo, mas só saíram pequenos problemas que na realidade não me afetavam, problemas como Caio e meus outros amigos terem transado antes de mim — o que hoje sei que não é bem verdade — ou sobre eu estar apaixonado por Anita e não saber como contá-la.

Agora, após uma semana da festa na mansão de Angelina, sento à frente de Maria, pensando em contar todas as coisas que aconteceram durante aquela semana, incluindo uma tentativa de suicídio que presenciei e minha primeira vez com Anita. Porém, ambas as coisas, de certo modo, me incomodam: a primeira por não afetar diretamente a mim, e a segunda porque eu deveria expressar a angústia e o desgosto que senti em relação ao sexo; sobre como transar com Anita foi algo estranho e vergonhoso.

Ela me questiona como anda a minha depressão, cortando meu raciocínio.

Descobri que sou depressivo após algumas sessões, então passei a também ser tratado por uma psiquiatra, que indicou que eu tomasse o Prozac para ficar bem. Eu não tomo. Frequento a terapia, pois Maria, apesar de se manter calada a maior parte do tempo, me olha diferente. É como se me entendesse, ainda quando também eu estou calado.

Todas As Coisas Mais Simples (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora