Sete

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Manhã de sábado. Meu pai resolve chegar bem cedo. Estou ansioso e preocupado com o interclasse. Nos minutos em que passamos no carro, indo em direção ao Albuquerque, mal consigo me comunicar. Ele novamente tenta falar sobre a briga entre ele e minha mãe, mas eu não posso me desconcentrar do que realmente deve ser meu foco no momento. Então, apenas seguimos como dois estranhos dividindo o mesmo veículo.

Ao chegarmos, ele se mistura junto aos meus amigos. Danilo me abraça, desejando-me sorte. Anita me beija saltitante, como se eu já houvesse ganho a competição. Por fim, Elena e Caio também me cumprimentam e eu sigo para o vestiário.

Nicholas está debaixo da ducha. É o único no recinto, além de mim. Me esforço para que ele não me note entrar, mas acabo não conseguindo.

Qualé, marica? Preparado para perder?

Ignoro-o e sigo para o outro extremo do vestiário. Apoio minha mochila numa superfície e passo a fingir que estou procurando por algo dentro dela, apenas para ganhar tempo e não ter que me despir enquanto ele ainda está presente.

Nicholas e eu, em algum momento do ensino fundamental, já fomos bem amigos, até que um dia, ele resolveu me humilhar. Eram brincadeiras que me deixavam mal, e então, Danilo e eu, resolvemos nos distanciar dele. Não gosto muito de pensar nisso, pois realmente eu gostava de tê-lo como amigo. Pensar que as pessoas mudam, me deixa de certa forma incomodado.

— Além de bichinha, agora é mudo? — pergunta, insistindo com as provocações.

Penso em permanecer calado e continuar a fingir que ele não está presente, mas dessa vez não consigo. Me irrita profundamente o fato dele sempre insinuar que sou gay.

— O que ganha com isso, Nicholas? Sério. Estamos no ultimo ano do ensino médio e desde quando éramos menores, você vem sendo um babaca comigo. Eu nunca te fiz nenhum mal e mesmo assim você permanece com as provocações.

— Não acho que estou te provocando por maldade... — Desliga a ducha e veste seu roupão.

— Então qual o motivo disso tudo?

— É divertido. Você fica todo corado e se encolhe como um ratinho. Não possui voz ativa e não consegue nem me confrontar de homem pra homem.

— Faz isso para alimentar seu próprio ego?

— Sei lá. Talvez. — Me analisa. — Sabe, Igor? Você é um cara bem estranho.

— E você não é a primeira pessoa, e acredito que nem será a última a me dizer isso.

Ele se afasta e vai até suas coisas, me ignorando por um tempo.

— Acho que você é um cara legal — diz, finalmente. — Acho que fui muito duro com você durante todo o ensino fundamental e o médio. Acredito que poderíamos ter sido bons amigos, cara.

— Eu... eu sinceramente acho que não.

— É. Também acho que não. — Ele ri e termina de se aprontar para a piscina. — Você deveria correr com isso, antes que seja desclassificado por atraso. Ah... não esqueça de mandar lembranças para Elena.

— O que tem a Elena?

— Nada demais, cara. Relaxa, aí. muito tenso. Ela só é gostosa. — E sai.

Não há sentido em nada disso.

Estou irritado. Porque devo competir com pessoas como o Nicholas? Aliás, porque devo competir? Tudo isso para agradar meu pai?

Ainda que eu ame nadar; que eu ame a sensação de liberdade que a imersão proporciona e me sinta em paz sob aquele monte de água, a ideia de estar ali apenas para agradar alguém, me sufoca. Quase não consigo respirar.

Eu só queria conseguir acalmar. Queria ser como todas as outras pessoas, que conseguem viver cada instante de forma intensa, sentindo cada pequena alegria da vida. Mas aqui dentro da minha mente, nada funciona da forma que quero. Minha mente está lotada. Cheia de conflitos, medos, perguntas, cobranças... Lotada de futuro e de passado. Lotada de mim mesmo, um alguém sem identidade.

Meus amigos estão lá fora, juntos ao meu pai. Ele espera que eu entre e ganhe, somente para que possa se gabar para os amigos dele e até para os meus, que ganhei apenas por ser seu filho. Tudo isso apenas para ele se sentir melhor e mais importante. Ele precisa estar sempre confirmando o quão "homem" eu sou. E eu não suporto a ideia de ter que prová-lo algo.

Nada disso faz sentido.

Fecho a mochila e saio do vestiário. Caminho rapidamente para que ninguém note que estou abandonando a competição. Sigo para o pátio, e subo os primeiros lances de degraus. Paro para respirar quando chego no corredor principal. Penso no que vou fazer e por um instante me arrependo de ter desistido de nadar, mas agora já é tarde e nunca fui de voltar atrás. Resolvo sentar. Inspiro. Expiro.

— O que pensa que está fazendo? — Anita aproxima-se e senta ao meu lado. — Você não está pensando em desistir de nadar, está?

— Já desisti.

— Estou preocupada com você... e não vem me dizer que está tudo bem, pois não está. Eu não consigo parar de pensar em como você vem agindo estranho desde que voltou das férias.

— Eu vou para casa. Vou sair pela outra entrada para que meu pai não me veja saindo. Não quero discutir com ele agora e muito menos com você.

— Eu não quero discutir, Igor. Eu quero apenas te entender.

— E eu só quero ir para casa. Por favor.

Em casa, tranco-me no quarto. Deito e choro. Choro por alguns minutos. Por longos minutos. Meu pai não para de me ligar e não atendo nenhuma das chamadas.

À noite, eu e meus primos nos reunimos na sala. Acredito que tia Olívia pediu para que eles fizessem isso. Fizemos uma longa maratona de Sexta-Feira 13 e fomos dormir já quando amanheceu. Foi bom sentir que ainda possuo uma família, mesmo que não tenha sido os meus pais ali comigo. 

Todas As Coisas Mais Simples (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora