Dois

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No intervalo sou o primeiro a chegar na mesa do almoço em que costumamos sentar. Fico quieto e coloco meus fones no ouvido, tentando me teletransportar para outro lugar. Não consigo. Meus pés estão pesados e fixos no chão e eu só consigo pensar no Tiago, em pé, além daquele parapeito. O que aconteceria se eu não estivesse chegado lá?

Pego meu celular. Abro o Facebook e procuro por ele. Encontro várias pessoas com o mesmo nome, menos o Tiago suicida. Subo e desço com o dedo repetidas vezes, mas não encontro ninguém que aparente ser ele.

Volto a olhar o movimento de alunos no pátio e consigo encontrar Danilo completamente prendido aos beijos com Angelina envolta de pessoas que nunca havia visto conversar com ele antes, inclusive o babaca do Nicholas. Enquanto beijam, um parece engolir o outro, de tão feio e vulgar que é.

Danilo é meu melhor amigo desde que nasci. Nossas mães eram vizinhas e amigas, e vivemos todas as fases da vida juntos. Eu o via como um espelho, alguém que eu deveria ser, mas que nunca consegui sequer me assemelhar. Danilo sempre pareceu alguém muito maior ou mais forte que eu; alguém inalcançável por mim, me fazendo sentir protegido por ele.

Quando ele começou a fumar maconha eu instintivamente me senti acanhado e com medo. Sabia que era algo que não pudesse ser bom para mim, mas como eu poderia rejeitar? O que ele pensaria de mim? Que sou uma bicha, provavelmente.

— Nojento, né? — Caio senta-se ao meu lado. — De todas as garotas do Albuquerque, ele resolve pegar logo a Angelina Garcia. Que baita decepção!

Caio, por outro lado, tornou-se meu amigo no penúltimo ano do ensino fundamental. Era novo na escola e por ser muito esnobe poucas pessoas tentaram falar com ele. Depois de alguns meses sendo taxado como antipático, convidamos ele para fazer parte do nosso trabalho de ciências. Foi incrível conhecer a mansão onde ele mora e passamos uma semana inteira indo até lá apenas para se divertir na piscina e almoçar pratos refinados de restaurantes chiques. Depois disso, todos os trabalhos do nosso grupo foram feitos na casa dele.

— Não esperava menos do imbecil — Elena senta-se à minha frente, tampando minha visão do pátio. — Eu só podia estar sob efeitos de LSD quando namorei com o Danilo.

— No ano passado você vivia dizendo estar apaixonada — Anita senta-se do meu lado esquerdo, que estava, até então, desocupado. — Pelo que lembro, era Michael Jackson no céu e Danilo na Terra.

— LSD, amiga — Elena garante dando uma piscada para Anita. — Essa é a única explicação.

Os três riram por alguns segundos e logo ficaram sérios. Olham em minha direção.

— Soube que você está de amigo novo — diz Elena — e que ele é um partidão. Sabe se é solteiro?

— Sei lá — respondo desconfortável. — Por que diabos eu iria querer saber se o cara é solteiro ou não? Só estávamos fumando.

— Era seu dever, Igor Tierne! — ela exclama, eufórica — Sabendo que estou solteira é obrigação de todos vocês me arrumarem alguém muito melhor que o Danilo, que possa ser um verdadeiro príncipe e não um ogro que defeca pela boca.

Tornei-me amigo de Elena quando resolvi me aproximar de Anita, bem depois de tê-la visto como bailarina. As duas eram bem próximas e eu sentia que me aproximando de Elena poderia me aproximar de quem realmente eu queria. Elena sempre pareceu estar mais aberta para fazer novas amizades; é simpática e sempre está com um sorriso no rosto. Não foi difícil me aproximar e, desde então, passei a gostar dela, a andar com ela e me sentir bem perto dela. De repente, eu, Elena, Anita, Danilo e Caio já éramos um grupo.

— Daí você vai querer arrumar outro maconheiro pra sua coleção, Elena? — Anita solta uma risada e finaliza me dando um beijo na bochecha. — Desculpa, Igor, mas você sabe muito bem que odeio que fume.

— Já eu não me importo com esses pormenores — Elena solta. — O cara, pra mim, só não pode ser um boçal que depois de alguns meses de relacionamento passa a achar que tem direito de dizer como devo ou não me vestir. E, claro, ser péssimo de cama.

Gargalhamos e Danilo nos acena como se houvesse entendido que estávamos rindo dele.

— Acho que nesse quesito a Anita não pode reclamar, né? — Caio dispara, arrancando o boné da minha cabeça. — Para terminar comigo e ficar com o bonitão aqui, é sinal de que ele faz muito bem todo o serviço. não, Igor?

Sinto meu rosto esquentar. Encaro Anita e ela também me olha. Tenta falar algo, mas se cala antes mesmo de começar. O constrangimento surpreende a Caio, que segura o riso. Encaro Elena desesperadamente e ela responde:

— Eles estão esperando.

— Isso mesmo! — Anita assente ligeiramente — Estamos esperando. Talvez, na formatura, quem sabe? Ou antes. Só precisamos de uma situação que ambos se sintam à vontade. Não é, Igor?

Confirmo e tomo meu boné das mãos de Caio, que ainda permanece com o semblante patético de antes, se controlando para não rir.

— Desculpa, gente. Eu não sabia — ele se levanta da mesa. — Achei que essa história de esperar fosse apenas comigo, mas pelo que vejo até o Ken e a Barbie possuem seus segredos.

Em seguida ele se vira e segue em direção ao grupo da Angelina enquanto ficamos observando-o cumprimentar todas aquelas pessoas que estão ao lado de Danilo.

— O que deu nele? — pergunto.

— Provavelmente está frustrado por vocês dois ainda estarem juntos — Elena responde, abrindo seu chá verde em lata. — Sabe como é, ? Até certo momento do ano passado, Anita e ele namoravam. Agora estamos aqui, com uma situação totalmente invertida.

— Achei que ele já houvesse superado há bastante tempo — Anita comenta enquanto morde uma maçã. — Me sinto mal por isso.

— Não sinta, amiga. Você seguiu seu coração, além do mais, Igor e você são perfeitos um para o outro.

Não me sinto bem com o comentário de Elena e muito menos com o carinho que recebo de Anita nesse momento. Olho em seus olhos e eles brilham. Ela gosta mais de mim do que eu dela; sinto isso.

— A social da Angelina ainda de pé? — pergunto desviando do assunto.

— Claro que está — Elena responde rapidamente. — Aliás, trate de levar seus primos. Quero ver a louca da Laryssa gorfando de tanto beber na cara dessa vadia.

As duas riem, provavelmente lembrando das loucuras que minha prima faz em todas as festas que está presente.

Desvio meu olhar para o outro lado do pátio. Vejo alguns garotos rindo e ovacionando algum tipo de rap que um deles está a cantar. Entre eles está Tiago, que também ri e aplaude, totalmente hipnotizado pelas rimas bem feitas do outro garoto. Nem parece que há poucas horas estava em cima da cobertura comigo, ameaçando se jogar.

Tiago é um pouco mais alto que eu; pálido e esguio. Seus fios negros charmosamente desalinhados cobrem a sua orelha. Possui um sorriso de outro mundo. Me encara subitamente como se soubesse que eu estou o olhando. Porém, torno minha atenção à mesa e sou surpreendido por um beijo de Anita. Continuo não sentindo nada.

Todas As Coisas Mais Simples (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora