Vinte e Dois

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Tomamos um sorvete depois do abraço, numa dessas lanchonetes de esquina que parecem suspensas no tempo. Não falamos muito. Eu, pelo menos, não tinha palavras. Só o silêncio parecia suficiente, como se não houvesse mais o que dizer depois do que dissemos. Anita sorriu algumas vezes, aquele sorriso suave que só ela tem, e eu me agarrei a ele como um porto seguro por um momento.

Quando nos despedimos, ela olhou para mim com olhos que pareciam me abraçar, como se quisesse dizer que ainda, independente do que houve, seremos o lar um do outro. Me deu um beijo no rosto e seguiu seu caminho. Eu fiquei parado ali por alguns minutos, olhando para o nada, antes de finalmente pegar o caminho de casa.

Agora, dobrando a esquina, vejo o carro da minha mãe estacionado na porta. A rua está silenciosa, mas dentro de mim o barulho começa a aumentar. O peso de tudo que evitei parece se espalhar pelas pernas, pelos braços, dificultando cada passo. Ela está lá dentro, com minha tia, esperando por mim. Minha mente grita para eu dar meia-volta, para fugir de novo, mas meus pés seguem em frente, teimosos, como se tivessem vontade própria.

Sei que ela está lá dentro, sentada na sala, conversando com minha tia, provavelmente conversando sobre mim. E agora me esperando. O peso do que está por vir começa a se acumular nos meus ombros, me puxando para baixo com cada passo que dou em direção à porta. Um calafrio percorre minha espinha, e sinto como se a distância entre nós fosse muito maior que a curta caminhada até a casa.

Minha mão hesita por um momento antes de girar a maçaneta. O som da porta se abrindo parece mais alto do que deveria, como se ecoasse pela casa vazia. Assim que entro, o cheiro familiar de café e bolo fresco me acerta, mas não há conforto nisso. A sala está em silêncio, exceto por um leve fungar vindo do sofá.

Minha mãe se levanta devagar. Os olhos vermelhos, marejados. Ela não me olha de imediato; está ocupada enxugando o rosto com a manga da blusa, como se tentasse se recompor. Ao lado dela, minha tia está sentada, chorando em silêncio, o rosto escondido nas mãos. A tensão no ar é palpável, como se algo prestes a explodir estivesse sendo segurado por um fio.

— Eu... sinto muito — começa minha mãe, a voz tremendo, quase um sussurro. Ela ainda evita meus olhos, falando direto para a minha tia. — Eu não deveria... eu nunca devia ter deixado as coisas chegarem a esse ponto.

Minha tia soluça, mas não responde. Fico parado ali, congelado. Elas estão falando entre si, mas as palavras não fazem sentido para mim. Não era isso que eu esperava. Tudo que imaginei dizer, todos os confrontos que ensaiei em silêncio, simplesmente se desfazem.

— Mãe... — Minha voz sai mais baixa do que o esperado. Ela para de falar, mas ainda não me olha. O rosto dela está virado para minha tia, as lágrimas escorrendo livremente agora, enquanto ela continua a se desculpar, uma, duas, três vezes.

— Desculpa, eu deveria ter sido mais forte. Desculpa por tudo. — A confusão toma conta de mim. Não consigo entender. Por que ela está se desculpando com minha tia?

Eu dou um passo à frente, mas minhas pernas parecem pesadas, como se estivessem presas no chão. A sala parece girar, e o silêncio entre as palavras delas me atordoa ainda mais. Algo está errado, muito errado, mas eu não consigo juntar as peças.

Minha mãe enxuga os olhos com mais força, quase machucando a pele, enquanto minha tia parece se encolher ainda mais no sofá, a respiração pesada. As palavras continuam saindo como golpes, mas agora elas atingem com mais força.

— Eu não consigo, Cassandra. Não consigo te perdoar. Laryssa é só uma menina e você... você é tia dela. Devia ter cuidado dela assim como cuido do Igor.

Minha mãe se encolhe com o impacto dessas palavras. Seu corpo treme como se as desculpas fossem fracas demais, como se já soubesse que eram insuficientes.

Todas As Coisas Mais Simples (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora