2. Você parece já estar lotado

301 31 2
                                    




Camila Cabello esfregou a cabeça, que sofrera o contato inesperado no ombro duro. O homem não parecia particularmente musculoso, mas devia ser. Ou então carregava um objeto de metal sob a roupa.

— Não foi nada, deve ter sido minha culpa — respondeu ela, sorrindo.

Tentou dar um passo para trás, mas algo a impediu, à altura do ombro. Olhando para baixo, percebeu que o broche do seu crachá se prendera à malha de lã trabalhada que o homem usava.

Embora estivessem em frente à sala, imaginou se ele iria assistir à aula. Não o conhecia, e com certeza usava as roupas erradas para lidar com bebês. O traje deveria ser confortável e macio, não roupas passadas e caras.

Se algum dos dois se movesse, seu alfinete poderia desenrolar a lã trabalhada.

— Parece que ficamos presos um ao outro — informou ela, indicando o crachá com um movimento dos olhos.

Ergueu Christopher com uma das mãos, enquanto a outra tentava desvencilhar o broche, que no entanto permaneceu firmemente preso.

Ela começou a maldizer mentalmente aquele encontro, com o filho esperneando nos braços e tornando impossível lidar com o crachá.

A distância reduzida, Shawn conseguiu saber mais coisas sobre ela do que em circunstâncias normais. Os olhos possuíam um castanho elétrico que conseguia suplantar o tom da camiseta. Os cabelos, apesar de desalinhados, davam a impressão de terem sido penteados para produzir exatamente essa impressão. Os lábios pareciam maiores do que o rosto ovalado permitia, detalhe que produzia um efeito exótico e interessante.

Contudo, ela não estava conseguindo sucesso algum.

— Deixe eu tentar — ofereceu ele.

No instante em que tocou o crachá compreendeu seu erro. A situação exigia que ele tivesse um pouco mais de familiaridade com ela para não ser constrangedora. Não achou que fosse prudente tocar os seios de uma desconhecida com as pontas dos dedos. Parou o gesto no meio.

— Pensando bem... talvez seja melhor você mesma fazer isso.

Um sorriso fascinante surgiu nos lábios dela.

Christopher berrava a plenos pulmões num dos ouvidos da mãe.

Camila piscou, como se assim conseguisse bloquear o choro enlouquecedor. Ergueu os olhos para encarar o desconhecido. Ele definitivamente não parecia contente com a situação. Camila realizou nova tentativa.

— Fique quieto — pediu ela com voz suave. — Mamãe está tentando se soltar desse homem bonzinho.

Aquilo começava a ficar ridículo. A aula provavelmente já começara e ele ficava ali, como se fosse gêmeo-siamês.

— Acho que com as duas mãos seria melhor — sugeriu ele.

— Pode ser. Mas se eu colocar meu filho no chão você vai presenciar uma boa imitação de coelho correndo, e eu não vou poder fazer nada a menos que você saiba correr de costas.

A paz que Camila conhecera antes do filho ensaiar os primeiros passos fora-se para sempre. Colocá-lo no chão naquele instante seria pedir mais um problema.

Christopher recordava a todos sua presença com amplos movimentos de braços, pernas e cordas vocais. Essa solução era contra o bom senso de Shawn, mas não parecia haver muita escolha.

— Espere, deixe eu segurar para você.

Fazendo uma pausa, Camila encarou o desconhecido de olhos castanhos esverdeados. Um sorriso curvou novamente seus lábios. Olhou para a menina rechonchuda nos braços dele.

— Você parece já estar lotado.

— Posso segurar os dois — ofereceu.

Juntos, os dois fariam uma carga pesada, porém suportável. O preocupante era o fato de que o dela não parava quieto e poderia criar problemas.

O sorriso de Camila alargou-se. O homem parecia estar às voltas com o primeiro bebê. Ainda assim, como não aparecia mais ninguém, naquele instante, a solução proposta era a única alternativa. Estava ficando tarde.

— Está bem, mas é melhor se preparar.

— Obrigado por avisar — respondeu Shawn, segurando o menino e recebendo um chute na boca do estômago.

Tentou evitar a careta de dor e surpresa, mas Camila percebeu.

— Desculpe. Vou me apressar — disse ela, corando. Tomando todo o cuidado para não danificar a malha de lã trabalhada, os dedos soltaram uma das pontas, restando duas presas aos fios. Não estava conseguindo realizar as coisas a contento, pelo menos no que dizia respeito ao desconhecido com os dois bebês.

— Mamãe!!

— Ele tem bons pulmões — comentou Shawn, cujo ouvido esquerdo encontrava-se a curta distância das cordas vocais do garoto.

A observação trouxe para Camila impressões distantes de uma época que permanecia esquecida, mas ainda magoava. Há mais de dois anos.

— Os melhores possíveis. O pai é tenor na Ópera Metropolitana de Nova York — afirmou ela.

Ou pelo menos era da última vez que encontrara Antônio.

Amor Por Acaso | Shawmila Onde histórias criam vida. Descubra agora