18. Não tenho dinheiro para isso

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Camila apressou-se e foi abrir a porta para ele. Shawn apoiou boa parte do peso nos quadris, o que lhe permitiu examinar o conteúdo durante o percurso. Os livros estavam arrumados, as lombadas voltadas na mesma direção.

— Leu todos?

— Cada um deles — respondeu ela, em tom de orgulho.

— Uma leitura árida.

Ao lado dele, Camila não conseguiu resistir a passar os dedos pelos livros.

— Até que não. Aliás a maioria deles é fascinante. Alguns, naturalmente, servem mais para apoiar móveis, embora sejam leitura obrigatória. Não gosto de jogar livros fora. Parece um desperdício.

O perfume dela começava a infiltrar-se pelas narinas de Shawn, que ainda não tinha reparado. Forçou a mente de volta ao assunto. Todos os livros dela eram relativos a psicologia.

— Você nunca lê sobre outro assunto?

— Leio qualquer coisa em que consiga pôr as mãos. Não posso comprar tudo, só isso. Só que limito minhas aquisições ao que irei usar profissionalmente. Uso a biblioteca pública, que geralmente gosta que os livros sejam devolvidos.

O som da chuva tamborilando no telhado chegou até eles. Ela olhou para fora e percebeu que a garoa anterior havia se transformado em tempestade. Shawn passou por ela, que segurou-lhe o braço.

— Espere.

— Só posso carregar um de cada vez.

Ela entrou e voltou com um guarda-chuva na mão. Avançou até o exterior e pressionou um botão na base. Um cogumelo azul abriu-se sobre os dois.

— O mínimo que preciso fazer é manter você seco.

— Um pouco de chuva não faz mal para ninguém — respondeu ele, avançando pela escada exposta ao mau tempo.

— Foi o que disse o sogro de Noé um pouco antes do Dilúvio.

— Sogro de Noé? Eu nem sabia que ele tinha um sogro.

— Isso foi antes da chuva. Por isso você não ouviu falar dele. Ele morreu afogado.

Enquanto Shawn sorria interiormente, divertido com o inesperado senso de humor dela, os corpos de ambos se aproximaram na escada estreita, sob o guarda-chuva. Camila tornou-se consciente da proximidade do corpo dele a cada degrau.

Ela olhou para baixo, na direção da calçada.

— É aquela a sua caminhonete? — indagou ela, apontando um grande veículo verde-garrafa estacionado quase em frente, com a traseira para a calçada.

— Isso.

Os dedos começavam a escorregar. Shawn esperava que chegassem logo, antes que perdesse o apoio e derrubasse os preciosos livros degraus afora. Passando à frente assim que saíram da escada, Camila abriu uma das portas exatamente a tempo para que ele desabasse sua carga no interior.

— Quantas dessa ainda temos?

— Caixas de livros? Só mais uma. Preciso arrumar minhas roupas, mas ainda temos de desmontar a cômoda de Christopher, o berço, a cadeira, juntar os brinquedos e as roupas...

—  Já entendi — interrompeu ele. — Não tem televisão? Nem sistema de som?

— Não tenho dinheiro para isso.

O fato de não possuir objetos não parecia incomodá-la de forma alguma. Embora gostasse de falar e pensar em estabilidade, Camila mantinha seu espírito livre.

Foi apanhado de surpresa quando ela encaixou o braço no dele.

— Não quero deixar Christopher sozinho mais tempo do que o necessário — explicou ela, conduzindo-o para o interior.

Shawn permaneceu atrás, acreditando ser menos arriscado do que caminhar ao lado dela escada acima, tão perto de seu corpo. Grande erro.

A visão traseira foi mais perturbadora do que o contato lateral. Não se podia duvidar que ela estava em grande forma. Seria tarefa fácil acompanhar o ritmo de Andy.

Assim que a porta foi aberta, escutaram um ruído no interior. Ela correu a tempo de levantar Christopher, caído do lado de fora do quadrado.

— Ele não estava do lado de dentro?

Camila riu, aliviada por ter chegado a tempo.

— Estava — respondeu ela, beijando o filho. — Acho que vamos ter de chamar você de fugitivo de agora em diante. Na noite passada eu acordei e descobri que ele tinha fugido do berço. E parecia todo orgulhoso. Não foi, Christopher?

Shawn olhou para o menino, pensando como devia ser bom estar cercado de amor daquela forma. Teria ficado contente com um décimo do amor que parecia envolver Christopher.

— Por que você não segura nosso pequeno escapista enquanto eu apanho a outra caixa e levo para o carro? — sugeriu ele, caminhando até o quarto.— Mas ainda está chovendo — protestou ela.

Erguendo a caixa nos braços, ele saiu do quarto. A segunda caixa parecia mais pesada do que a primeira. Foi preciso um certo esforço para não fazer careta.

— Prometo não me afogar até colocar os livros em segurança, dentro do carro.

— Eu não estava preocupada com os livros. Ele apoiou por um instante a caixa na parede.

— Não precisa se preocupar comigo, também.

— Desculpe, é uma mania que eu tenho. Fico sempre me preocupando com as pessoas.

— Com as pessoas em geral?

— É.

— Bem, então acho que está bem. Se não é nada pessoal...

—  E se fosse? — quis saber ela, inclinando a cabeça para encará-lo.

—  Nesse caso não seria uma boa coisa — comentou Shawn.

— Registrado — disse ela, percebendo que o filho tentava escapar outra vez. — E o senhor, é melhor ficar aí dentro!

—  E se eu dissesse a mesma coisa para você?

Ela o ignorou, aproximando-se da porta com o guarda-chuva em punho.

— Você ainda não está me pagando, portanto não preciso obedecer.

Alguma coisa disse a ele que o fato de estar pagando não estava relacionado com o assunto. Imaginou se contratar aquela mulher e colocá-la em sua vida seria uma boa ideia, afinal.

Mas já estava comprometido com ela e não tinha outra alternativa no momento. Só esperava, sentindo mais uma vez o perfume dela de perto, que não se arrependesse mais tarde.

Amor Por Acaso | Shawmila Onde histórias criam vida. Descubra agora