29. Pode deixar que eu tiro você

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Shawn sentia-se incapaz de raciocinar direito, e por isso mesmo estava inseguro. Aquilo não podia levar a nada muito diferente. Era perigoso.

— Camila...

Ela encostou um dedo nos lábios dele. Compreendia que ele não estava pronto para encarar os próprios sentimentos. Em compensação, também não podia negá-los.

— Sem desculpas nem arrependimentos — sentenciou, sem deixar de fitá-lo. — Aconteceu. Duas vezes. E foi maravilhoso a cada vez. Isso não significa que precisa casar comigo. Nem que esteja sendo infiel.

Percebeu que ele enrijecera a postura.

— Por que está dizendo isso?

— Porque você é o tipo de sujeito que o Sargento aprovaria. Um homem que doa seu coração apenas uma vez e acredita que jamais acontecerá de novo. Sua mãe me falou um pouco sobre você — continuou ela, sabendo que enveredava por um rumo perigoso.

— Foi mesmo?

— Foi.

Nada sobre Karen o espantaria, naquele dia. Talvez fizesse parte da nova personalidade, o que significava que seria bom ele tomar cuidado.

— O que exatamente ela contou?

— A verdade. Que você não saiu com ninguém desde... que Andy nasceu.

Karen não tinha o menor direito de começar a interferir em sua vida, depois de ficar distante por tantos anos. Estreitou os olhos, desconfiado.

— E como sabe que ela disse a verdade?

— Porque você não beija como um homem que vive saindo por aí, e...

— E você é uma especialista no assunto?

— Eu também não saí com ninguém desde que Christopher nasceu — confessou, ignorando o sarcasmo de Shawn. — A princípio, imaginei que era porque estava grávida, depois achei que não fazia sentido.

— Sentido?

— Eu não pretendia me envolver com ninguém, portanto para que sair? Não era como na época em que eu tinha tempo à vontade.

A conversa o estava tornando nervoso, tanto o beijo quanto o que discutiam.

Pois ele não era o único.

A diferença é que a ansiedade de Camila estava relacionada mais com antecipação e a dele era resultado do medo de envolver-se. Podia perceber aquilo nos olhos castanhos e sérios.

O momento precisava ser ultrapassado. Camila afastou-se dele. Com as duas crianças em cima tirando uma soneca, possuía tempo para si mesma e isso significava trabalhar em sua tese. Até já se esquecera como era ler um livro que não contivesse filosofia ou ilustrações de animais para crianças.

— Muito bem, onde está? — quis saber ela.

— Onde está o quê?

Ele imaginou que se aquilo continuasse, poderia levar a ambos na direção de novos problemas, e isso era a última coisa que desejava naquele instante. Não queria importar-se com outra pessoa além de Andy. Não queria a dor que vinha junto com o gostar.

— A comida chinesa. Você me prometeu um suborno, lembra? — insistiu ela. Depois sorriu. — Você esqueceu, não foi?

Ele esquecera mesmo. Depois de quatro horas e meia no restaurante, comida fora a última coisa em sua cabeça ao voltar para casa.

— Completamente. Sou culpado.

— Não faz mal. Um de nós dois estava arriscado a ler um biscoito da sorte com uma sugestão obscena.

— Mas eu trouxe alguma coisa.

Ela voltou-se, surpresa. O que ele poderia ter trazido?

Shawn percebeu imediatamente o interesse dela, fazendo-o imaginar como ela teria sido quando menina. Perguntou-se se os pais dela a teriam amado como ele amava Andy.

— Está no carro — anunciou, dirigindo-se para lá. Ao perceber que ela o acompanhava, parou. — Não, você fica aqui. Acho que vai demorar um pouco. Por que não faz alguma coisa enquanto isso?

— Quer que eu comece o jantar?

— Não, ainda estou devendo o jantar. Comida chinesa, lembra? Faça outra coisa.

— Está fazendo um mistério muito grande disso tudo.

Estava mesmo, e gostava de ver o olhar ansioso nos olhos de Camila.

— Sei disso.

Ao retirar-se, ela balançou a cabeça. Estava ali um homem difícil de entender. Num instante puxava-a contra si, no outro tentava colocar limites. Com certeza era diferente de Antônio. Procurava colocar em palavras o que gostava e o que não gostava.

Até então não existira surpresa alguma. Desde o início soubera como seriam as coisas. Só que de alguma forma esperava que o beijo tivesse alterado tudo isso. Que o amor mudasse a forma de ser dele.

Pessoas não mudavam nem eram reformadas como roupas, lembrou. Aprendera aquela lição tarde demais.

— Tem certeza de que não posso ajudar?

— Pode — respondeu ele, parando à porta. — Indo lá para dentro e não atrapalhando.

Ele despertara a curiosidade, além de algo mais dentro dela. Só esperava que a atração entre eles fosse uma boa coisa.

Imaginou que estivesse atravessando uma espécie de coma emocional, senão a morte dos sentimentos. Ele a fizera descobrir ser capaz de sentir outra vez. Era uma boa coisa para se descobrir depois de tantos meses.

Shawn levou menos tempo do que calculara. Montar o velho computador só levara alguns minutos. O que presumira que levaria mais tempo seria atualizar a unidade com o chip que comprara a caminho de casa.

Mesmo isso foi rápido, inclusive a instalação da tela especial de trabalho que ele desenvolvera especialmente para Camila, usando tempo vago no escritório, durante os últimos dias.

Vinte minutos mais tarde foi procurá-la, ansioso para ver a alegria estampada no rosto quando deparasse com o computador que era um presente. Rex ia ver-se livre dele de qualquer forma, pois o equipamento totalmente novo já havia chegado, agora apoiado pelo capital de Maxwell.

Encontrou Camila na sala. Estava deitada de bruços no chão, tentando recuperar um pequeno animal empalhado que se enfiara embaixo do sofá.

Por um instante, Shawn ficou observando sem dizer nada, enquanto ela se contorcia, tentando entrar no espaço entre a parede e o encosto estofado do grande móvel.

Agachou-se atrás dela.

— Se está tentando se enfiar aí atrás, garanto que não tem espaço.

— Engraçadinho — respondeu ela, depois de um sobressalto. — Não sei como Andy conseguiu jogar esse coelhinho aqui embaixo. Estou tentando tirar para ela.

— Deixe aí. Ela nem vai dar por falta. Tem dezenas de brinquedos. Se ela fizer questão, eu compro outro.

Devia ser gostoso não ter de se preocupar com dinheiro, pensou ela. Nunca chegara a esse ponto.

— Está bem — concordou ela, tentando voltar de marcha a ré. Não era fácil, pois não tinha espaço para manobrar. — Se importa de me puxar?

— Que parte quer que eu puxe? — indagou ele, correndo os olhos pelo corpo dela.

— Acho que é melhor puxar o outro braço. Tenho a impressão de que fiquei entalada.

Shawn percebeu que ela falava a sério.

— Pode deixar que eu tiro você — anunciou, tentando empurrar o grande sofá de quatro lugares para a frente.

Percebeu que sozinho jamais iria conseguir mover a pesada peça estofada de madeira maciça.

— Acho melhor tentar de outro jeito. Se doer, avise. Passando os braços ao redor da cintura dela Shawn puxou, a princípio devagar, depois com força.

Amor Por Acaso | Shawmila Onde histórias criam vida. Descubra agora