39. Tenho uma aula com Andy

204 22 4
                                    



Saiu do editor de texto e aos poucos a tela preencheu-se com a imagem do filho, que lentamente se transformava na dela. Em pouco tempo o sorriso estava no monitor, mas não no rosto de Camila.

— Quer que eu leia seu trabalho? — ofereceu ele. — Posso dar minha opinião sincera depois.

Ela não foi capaz de evitar um brilho acusador no olhar. Então, de repente, depois de ficar ausente de casa e de todos os assuntos domésticos, ele arranjava tempo para interessar-se pelo seu trabalho?

— Onde você vai arranjar tempo?

— Talvez eu possa arranjar uma brecha — respondeu ele, percebendo o tom irritado dela.

— Não precisa se dar a todo esse trabalho, obrigada. Afinal, você é um homem muito ocupado, e eu sempre fiz tudo sozinha.

Ela parecia distante e desinteressada dele. Também, depois da ausência proposital, o que poderia esperar? Queria que ela permanecesse amistosa e interessada?

— O que pretende quando se formar?

Camila pensara muito sobre aquilo. Agora possuía mais clareza para planejar o futuro do que antes. Não precisava depender de ninguém.

— Vou procurar trabalho. Já tenho algumas propostas. Existe uma clínica que gostou do meu currículo. Se eu gostar do lugar, talvez aceite um emprego lá.

— Você vai trabalhar em período integral? Ela assentiu.

— Vou poder alugar meu próprio apartamento outra vez. Christopher vai ter um lar de verdade. Não se preocupe, não vou sair antes de arranjar alguém para ficar no meu lugar — acrescentou ela, compreendendo a preocupação dele.

Shawn sentiu-se como um homem subitamente imerso em água gelada.

— Acho que é melhor eu voltar a programar algumas entrevistas.

— É melhor, mesmo — respondeu ela, com voz tensa. Ele não sabia o que fazer. Só sabia que não podia ficar ali, plantado, como um idiota.

— Bem, acho que vou dormir para deixar você trabalhar. Vejo você de manhã.

— Até amanhã — murmurou ela em resposta. Depois que escutou a porta fechar-se atrás dela, completou em voz baixa: — Seu idiota!

...

Ele tinha razão.

Foi mesmo mais uma noite sem dormir. Quando sonhou, era sempre com Camila. O mesmo sonho, ela se afastando dele devagar. Por mais que corresse não conseguiria alcançá-la.

Tudo o que precisava fazer era uma determinada coisa. Não sabia o que era, mas se fizesse, tinha certeza que ela voltaria. Tanto dormindo quanto acordado, não conseguia realizar seu desejo.

Assim foi a noite inteira. A cada vez que fechava os olhos e adormecia, o sonho repetia-se.

Quando acordou, raciocinou que seria bom acostumar-se. Iria acontecer em pouco tempo.

Na vida real.

Shawn estava no meio da apresentação que conduzia no período da tarde, quando resolveu, de repente, que não precisava se acostumar a coisa nenhuma. Não queria acostumar-se.

Não queria viver sem Camila.

A compreensão de que ele era o maior tolo que já caminhara na face da Terra caiu como uma rocha em sua cabeça. Foi apanhado no meio de uma frase.

Olhou de Rex para Joe, sem enxergar nenhum dos outros assistentes acomodados na sala de reuniões. Sabia o que tinha de fazer naquele momento.

— Preciso sair — anunciou, recuando da tela enorme usada para demonstrar o programa.

Rex trocou olhares com Joe, que parecia surpreso. Mas sorria.

— O que disse? — quis saber Joe.

Shawn relanceou os olhos por suas notas sobre a escrivaninha, depois decidiu deixá-las onde estavam. Seriam úteis a Rex para terminar o restante da apresentação. Olhou para o relógio, embora fizesse menos de um minuto que realizara o mesmo gesto.

— Eu disse que preciso sair. Tenho uma aula com Andy.

— Agora? Shawn, estamos no meio de uma reunião, e não sei se você sabe, mas é você quem está fazendo a apresentação do programa.

— Não é nada que não possam fazer sem minha presença — declarou Shawn, olhando para Rex em busca de apoio.

— Pode deixar que a gente resolve sem você. Vá de uma vez. Já não era sem tempo, homem!

Shawn não chegou a responder. Mal escutou a frase e saiu da sala na direção do elevador.

Tinha quinze minutos para chegar à aula.

Acabou levando vinte. Mesmo assim, teve de ficar observando o retrovisor para ver se era perseguido pela polícia, porque ultrapassara quase todos os limites de velocidade. Iria alegar que era caso de vida ou morte.

Não havia lugar para estacionar quando chegou, portanto parou na porta da frente, saiu do carro e subiu as escadas. Ainda correndo, abriu a porta da sala de aula e entrou, atraindo a atenção de pais e bebês.

Amor Por Acaso | Shawmila Onde histórias criam vida. Descubra agora