20. Na verdade... eu aconteci

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Shawn respondeu como se estivesse entrando no sonho de outra pessoa.

— Bom dia. O que esta fazendo?

Ela apanhou os talheres, enquanto as crianças brincavam com os pratos quase vazios.

— Meu trabalho. Esqueceu? Você me contratou ontem à noite —  lembrou ela divertidamente, colocando um copo de suco de laranja em frente ao prato dele.

Ela se movia pela cozinha com a familiaridade de quem tivesse morado sempre ali. Nenhuma das outras babás que contratara tivera aquela reação. Não tinha certeza se ele mesmo podia adaptar-se com facilidade.

— Foi mesmo. Para tomar conta de Andrea, não para cozinhar.

— Pois ela está ali. E eu estou tomando conta dela, não estou?

—  Que cheiro maravilhoso é esse, posso saber? — indagou ele, com a boca cheia de água.

Ela sorriu. Não havia nada mais agradável do que ocupar-se na cozinha de manhã. Dava-lhe um sentido de estar no controle das coisas e isso a acalmava.

— O café da manhã.

Shawn baixou os olhos para o prato à sua frente. Geralmente comia uma torrada fora do ponto como desjejum. Aquilo parecia um banquete.

— Isso não faz parte do seu trabalho.

— Não, mas eu esperava comer. Como você estava dormindo e eu não queria incomodar, apanhei Andy  no berço, depois a trouxe aqui, para tomar café com Christopher.

Ele observou as crianças, enquanto ela retirava os pratos vazios, dando uma torrada para o filho distrair-se.

— Eles já comeram?

— A maior parte. Um pouco serviu para decorar a roupa. Resolvi tomar café, e já que estava fazendo para mim, aproveitei e fiz para você.

— Não era preciso — protestou ele. querendo dizer que a cozinha não fazia parte das obrigações dela.

— Não tive nenhum problema. Encontrei tudo na geladeira — respondeu Camila, ajeitando o pano de pratos que levava sobre o ombro. — Você gosta de comer pela manha, não?

Shawn sentou-se como se seus joelhos tivessem perdido a habilidade de sustentá-lo. O cheiro parecia atraí-lo como um poderoso ímã.

— Gosto. Mas eu tinha desistido. Nunca fui capaz de cozinhar e cuidar de Andy ao mesmo tempo, de manhã.

— Ótimo. Agora não precisa mais se preocupar com isso. Adoro cozinhar e você tem uma ótima cozinha. Muito prática e espaçosa.

Como se demonstrasse o que dizia, Camila virou-se. Dava a impressão de ser a estrela de um musical, capaz de irromper em canto a qualquer instante. Em vez disso ela voltou segurando o bule e serviu uma xícara de café.

Não havia dúvida sobre a qualidade do café escuro e fumegante quando ele o provou. Sentiu o efeito da cafeína instantaneamente. Tomou quase tudo de uma vez.

— Onde aprendeu a fazer um café gostoso assim?

— No dia em que eu nasci, uma das três fadas ao lado do meu berço jogou um encantamento em mim. Ela prometeu que eu seria capaz de fazer um café tão gostoso que iria deixar os homens aos meus pés —. esclareceu ela, sorrindo.

— Deixe eu adivinhar... Bela Adormecida. Não é difícil de acreditar. Acho que é o melhor café que já tomei.

—  Acha?

—  Está bem, é o melhor café que já tomei.

—  Nesse caso, tome um pouco mais. Na verdade aprendi o segredo de fazer um bom café na Turquia.

— E o que é esse gostinho diferente no fundo?

—  Se eu contasse não seria mais um segredo, certo?

— Na Turquia, é?

Ela assentiu. Andrea largou sua colher, que bateu no assoalho e foi parar embaixo da mesa. Camila curvou-se para apanhá-la.

— Fazia parte do trabalho do meu pai viajar pelo mundo.

Talvez fosse por isso que ela possuía essa capacidade de adaptar-se ao ambiente com tanta rapidez e naturalidade. Imaginou se Camila teria gostado de viajar de um lado para outro durante a infância, de acordo com a nomeação do pai.

— Deve ter sido difícil para você, mudar de um lugar para outro.

— Foi mesmo — admitiu, limpando e devolvendo a colher para Andy. — Mas acabei me acostumando. Ou era isso ou ficava maluca. Eu tinha meus irmãos e irmãs para cuidar, portanto não sobrava muito tempo para perceber o quanto eu era solitária. Foi mais difícil para minha mãe.

— Ela não tinha os mesmos irmãos e irmãs para cuidar? E você?

Seria uma história longa e arrastada, ainda que ela quisesse compartilhá-la. Mas costumava proteger os que amava, ainda que soubessem estarem errados.

—Ela tinha muito em comum com a sua mãe. Não acho que tenha nascido para isso. Foi apenas uma coisa que aconteceu na vida dela — narrou Camila, suspirando com a lembrança. Fez uma pausa, como se fosse doloroso prosseguir. — Na verdade... eu aconteci. Meu pai fez a coisa mais "honrada" a ser feita e casou com ela. Não acredito que nenhum dos dois jamais tivesse perdoado o outro pelo meu nascimento.

Shawn abriu a boca para dizer alguma coisa, porém ela não parecia disposta a escutar e mudou de assunto.

— Então? Que tal está a comida?

— Excelente — respondeu ele, respeitando o desejo de privacidade dela. Mordeu a rabanada. — Tudo está uma delícia. Se você não fosse a babá de Andy eu iria suplicar para que aceitasse ser a cozinheira.

— Você tem uma?

Ele não mencionara mais ninguém vivendo na casa ou vindo durante o dia para trabalhar. Por outro lado ela também não perguntara.

—  Não. — Shawn riu.

Ele sabia se virar na cozinha, pelo menos o suficiente para tomar conta das próprias necessidades e de Andrea. A parte dela era simplesmente esquentar potes de comida pronta.

— Pois agora tem. Enquanto durar nosso contrato de trabalho —  afirmou ela, decidida.

Ele a encarou por alguns instantes.

—  Está querendo me dizer que pretende ser babá, mãe, dar aulas, estudar e cozinhar?

—  Sim, senhor. E durante a tarde pretendo entortar barras de aço enquanto faço malabarismos com garrafas de leite.

— Está aí uma cena que eu gostaria muito de ver.

— Eu aviso quando marcar outra apresentação. A propósito, acho que consegui fazer um horário para nós. Está fixado na geladeira — ela avisou, levantando-se e começando a lavar a louça.

Amor Por Acaso | Shawmila Onde histórias criam vida. Descubra agora