16. Deixe a mamãe ver

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Com os braços abaixados, Camila afastava uma caixa que estava em seu caminho com a ponta dos pés. Suspirou e espalhou seus pertences sobre a cama enorme que dominava o ambiente.

Segundo lhe contaram, Jeremy passava um bom tempo na cama, recebendo pessoas no quarto, a maior parte mulheres. Não parecia importar-se com o fato de que mal havia espaço para mover-se no restante do aposento. Arrumar suas coisas era uma atividade parecida com um teste de coordenação física.

Entrando no armário, procurou decidir o que fazer a seguir. A lâmpada no soquete balançava, lançando sombras estranhas e assustadoras sobre as roupas e prateleiras. Agora não tinha mais medo, porém passara a infância com medo do escuro sem contar com a compreensão do pai. Jamais permitira que se acendesse uma luz noturna no quarto.

— É um desperdício de dinheiro. Ela é minha filha. Não precisa ficar com medo do escuro, nem vai. Não enquanto depender de mim — dizia ele, em altos brados.

Como se gritar com ela fosse torná-la corajosa.

Sua mãe efetuara uma débil tentativa de conversar com o Sargento. Como sempre, não recebera atenção e retrocedera. Tinha receio das represálias verbais. A língua do Sargento era sua arma mais contundente.

Camila passara longas noites acordada, chorando de medo e tentando enxergar alguma coisa no escuro que a perturbava. Alguma criatura que sairia dali para pegá-la.

Isso nunca acontecera.

Provavelmente também tinham medo de seu pai, pensou ela. Depois voltou-se para o filho:

— Você pode dormir com a luz acesa quantas noites quiser, meu bem. Eu dou um jeito de pagar as contas.

Seu objetivo principal na vida era dar a Christopher uma infância da qual ele se lembrasse com prazer. Ao contrário dela.

Cabides vazios pendiam do armário lúgubre. Camila avaliou a pilha de roupa acumulada sobre a cama. Não havia muito, porém ela nunca prestara atenção a roupas. Existiam coisas mais importantes na vida.

A principal pulava para cima e para baixo no quadrado montado na porta do quarto, onde o menino podia vê-la trabalhando. E o mais importante, ela mantinha um olho nele.

Apanhou uma caixa achatada embaixo da cama e reforçou as bordas e emendas com fita adesiva.

— Espero não estar tomando uma atitude da qual nós dois iremos nos arrepender mais tarde — murmurou ela. — Mas ele parece bonzinho e nós precisamos de um lugar para ficar. Além do mais... tenho a impressão de que Andy gostou de você. Seja simpático com ela, está ouvindo? Não vá quebrar o coração dela. — Camila suspirou e embeveceu os olhos na contemplação do rosto radiante do filho, que parecia entender tudo. — Você vai partir muitos corações, sabia? As meninas vão ficar o dia inteiro atrás de você. É tão lindo.

Christopher emitiu sua opinião, reforçada por saltos e gritos.

— É, acho que vai ter de se esconder delas.

Ele estava aprendendo rápido a comunicar-se. Bufou, ao sentir o peso da pilha de livros. Mendes movia-se depressa, assim como ela. Mas daquela vez talvez fosse um erro. Talvez ela devesse ter parado o suficiente para pensar um pouco mais sobre o assunto.

— Acho que eu podia ter recusado e conseguido um emprego de período integral... mas nesse caso a gente ia se ver muito menos. Além do mais, estamos tão perto, agora, Christopher. Mais dois meses e a mamãe consegue o doutorado — disse ela, olhando para o filho, que se entretinha com os dedos dos pés. — Você não parece muito impressionado.

O menino não desviou o olhar do dedão.

— Você não pode estar com fome, acabei de dar sua comida. Será que é outro dente nascendo?

Caminhou até ele e entreabriu os lábios para observar as gengivas, mas o exame durou poucos segundos, pois Christopher fechou a boca com força.

— Deixe a mamãe ver, meu bem — pediu ela, em tom carinhoso.

Como se entendesse perfeitamente e resolvesse manter a boca fechada, o menino apertou ainda mais os lábios. — Tudo o que está no chão você põe na boca e agora não quer abrir? Tudo bem. Mesmo porque não deve ser outro dente nascendo.

Cada um dos que apontavam entre as gengivas fora saudado com gritos e choros durante o período de crescimento.

A campainha tocou.

—  Nossa, ele deve mesmo morar perto — comentou ela alerta, limpando as mãos no jeans.

Christopher não tinha nada a dizer sobre o assunto. Voltava a saborear os pequenos artelhos.

Caminhando até a porta, abriu-a sem demora. Shawn estava à soleira, trajando roupas confortáveis. Talvez fosse o traje adequado para auxiliar em mudanças. Ela sorriu.

— Oi.

Amor Por Acaso | Shawmila Onde histórias criam vida. Descubra agora