Capítulo 3

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Se eu disser que consegui dormir naquela noite, eu estaria mentindo. Não consegui pregar os olhos por um minuto sequer. Apenas passei a noite lendo um livro qualquer que eu não conseguia me concentrar e ouvindo a respiração profunda de Wendy ao meu lado. Eu olhava constantemente para a janela na esperança de ver o sol saindo e só assim eu poder levantar, mas parecia que a noite não chegava ao fim por nada nesse mundo. Acabei desistindo de esperar deitada e me levantei para a sala. A cidade estava totalmente tomada pelo céu escuro e apenas algumas luzes acesas que vinham de outros prédios próximos ao meu iluminavam a paisagem como estrelas.

Me aninhei no sofá e liguei a tv em um canal qualquer. Uma reprise de algum programa de comédia dos anos 90 passava e até uma piada me tirou um pequeno sorriso enquanto eu me enrolava na coberta que foi esquecida por Wendy. Meu celular apitou sobre o meu colo, fazendo meu corpo gelar por completo. A notificação do facebook apareceu no visor, logo embaixo do horário atual "04:33am". Louise Roselvet aceitou sua solicitação de amizade. Mais uma notificação. Louise Roselvet enviou uma mensagem.

" Olá Nina!

Apenas queria deixar claro que não te culpo de forma alguma pelo que aconteceu e fiquei muito feliz em saber que quer resolver as coisas entre nós. Não acho que devemos nos rotular pelo acontecimento com Marcus e quero muito saber o seu lado da história.

Adoraria te encontrar para um café. Pode ser amanhã às 10h? Conheço um lugar ótimo.

Um alívio se instalou em meu estômago e me deixei suspirar pesadamente. Mandei a minha confirmação por mensagem e voltei para o quarto. Só então consegui dormir." 


***



Estava um frio cortante quando saí do metrô até uma das ruas mais movimentadas do Soho. Aquele era definitivamente o bairro que eu mais gostava na cidade, com toda a sua variedade de restaurantes e lojas dos mais diferentes tipos. Por um momento eu até esqueci do que estava indo fazer quando parei diante de uma vitrine de um bazar de antiguidades. Meu olhar se perdeu nas jaquetas de couro personalizadas que pareciam ter acabado de sair de um filme dos anos 80 e nas botas de salto alto que eu jamais conseguiria me equilibrar.

Cheguei no café alguns minutos após as dez horas da manhã. O local estava parcialmente vazio para aquele horário na cidade, mas apesar do ambiente aconchegante, quase desejei ir embora quando vi a cabeleira loira sentada de costas para a porta mais ao fundo do local. Minhas pernas tremeram por um momento e mesmo com o frio, eu pude sentir minhas mãos suando. Respirei fundo, como se eu pudesse guardar todo o oxigênio do mundo dentro dos meus pulmões em algum ato de coragem para enfrentar o que iria vir.

Parte de mim queria saber o que aconteceu, saber como Mark mentiu durante tanto tempo para ambas de nós, mas parte de mim queria correr para longe e nunca mais voltar. Suspirei novamente, antes de dar o primeiro passo para dentro empurrando a porta e fazendo o sininho soar alto por todo o local. Louise se virou graciosamente, com seus cabelos ondulados balançando perfeitamente e assim que me viu, um meio sorriso surgiu em seus lábios.

- Oi - acenei sentindo meu rosto queimar e um nó se formar em minha garganta. Ela indicou a cadeira em sua frente e me sentei rapidamente a fitando envergonhada.

- Oi - sua voz era doce, quase como se quisesse ser amigável comigo a qualquer custo. - Quer escolher sua bebida? Eu já pedi a minha - esticou o cardápio na minha direção e eu o peguei sentindo meu estômago revirar.

- Acho que vou querer um café preto mesmo - digo assim que a garçonete se aproxima. - Sem açúcar por favor.

Amargo que nem a droga da minha vida.

- Pode colocar chantilly extra no meu? - Louise perguntou sorrindo para a mulher e eu mordi o interior da minha bochecha segurando um suspiro.

Doce e perfeito que nem a sua adorável vida. Suponho.

A garçonete que não passava dos seus dezesseis anos se retirou e pude ver a loira suspirar. Seu casaco azul bebê parecia combinar perfeitamente com seus olhos, como se ela pudesse ficar tão harmoniosa sem esforço algum. Enquanto eu passei exatos dois dias sem tomar banho depois daquela festa e ao menos consegui levantar da cama.

- Então - me olhou entrelaçando seus dedos sobre a mesa. - Por quanto tempo você e Marcus estiveram juntos? - senti o meu interior estremecer e as palavras ficarem travadas em minha garganta.

Eu queria ter respondido de primeira, com toda a confiança e sutileza que Louise parecia ter, mas minha garganta parecia se fechar mais a cada segundo. Como eu iria contar para a outra namorada do meu atual ex namorado, a que foi traída assim como eu, que eu passei longos três anos junto do cara que eu jurava ser o homem com quem eu iria passar o resto da minha vida junto. Meu maior medo naquele momento era me despedaçar diante dela. Deixar cada pedacinho rasgado da minha carne vir à tona com meus ossos à mostra e meu coração partido em milhões de partículas de ódio e ressentimento. Eu queria gritar, cuspir diante do rosto perfeito dela o quão quebrada eu estou e como eu me sinto insignificante, que a minha maior vontade é de sumir e jamais reaparecer.

- Ficamos juntos por três anos e oito meses - falei engolindo os meus sentimentos com todas as forças presentes no meu corpo, mas ainda sim senti meus cílios levemente molhados pelas lágrimas sendo seguradas.

- Nossa - ela exclamou quase em um sussurro.

Eu a olhei fixamente. Sua postura imponente, como se não tivesse sido abalada pela situação, mas no momento em que abaixei o olhar, vi que suas mãos tremiam. Tremiam como uma hipotermia interna ou uma febre, talvez. Me senti culpada. Meu coração errou a batida quando mordi forte o suficiente o meu lábio e senti o gosto do meu próprio sangue. Louise apenas controlava melhor suas emoções do que eu, mas por dentro ela estava quebrada na mesma intensidade que eu.

- Como se conheceram? - me arrisquei a perguntar vendo o momento em que suas pupilas se dilataram e contraíram. Uma película surgiu entre sua linha d'água e suas orbes azuladas.

- Eu trabalhei como fotógrafa em uma conferência para jovens arquitetos em Nova Jersey. Após a conferência, eu resolvi descer para o bar do hotel e Marcus me pagou uma bebida e depois mais algumas outras - sorriu tristemente. - Já faz dois anos.

Eu me lembrava daquela conferência. Foi a primeira em que Marcus foi após conseguir o primeiro trabalho como arquiteto freelancer. Naquele dia eu saí com Wendy para uma festa do pijama com a consciência tranquila de que ele estaria bem e que iria se divertir. Ele se divertiu, mas não como eu esperava.

- Parece que eu cheguei depois de você. Então isso meio que me torna a amante - ela comentou suspirando e eu senti uma pontada na boca do estômago. Senti a dor daquela palavra dentro do peito.

- Não diga isso. Você não tinha como saber - sorri de leve e ela assentiu.

O silêncio se instalou na mesa. A garçonete trouxe nossas bebidas e as colocou sobre a mesa. Agradeci com um aceno e pude ver o olhar perdido de Louise na sua bebida. Porém, ela riu. Gargalhou erguendo os olhos na minha direção.

- Quer saber, me dê uma fatia generosa daquela torta de chocolate - apontou para o balcão onde um imenso bolo de chocolate adornava repleto de cobertura e morangos no topo. - Pode trazer duas colheres por favor? - Eu a olhei confusa e ela apenas alargou ainda mais o seu sorriso.

O pedaço do bolo foi colocado no centro da mesa e as colheres sobre guardanapos. Louise me estendeu uma das colheres ainda sorridente. Eu peguei um tanto receosa, mas ela apenas levantou sua xícara e a levantou.

- Um brinde a nós. Duas pessoas que se conheceram na situação mais inusitada e mirabolante que esse universo já presenciou - sorriu abertamente e eu apenas assenti levantando minha xícara.

- A nós - sussurrei a vendo corar e dar um colherada no bolo.

Senti meu coração se aquecer. Um sorriso infantil surgiu no meu rosto e a imitei, provando o bolo que estava tão delicioso como aparentava. Acho que minha percepção sobre Louise estava começando a mudar. Ela era só uma pessoa boa que foi enganada, não uma amante como ela disse. Apenas um coração bom quebrado.

E SE NOVA YORK FOR TÃO DISTANTE DE NÓSOnde histórias criam vida. Descubra agora