Capítulo 4

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Louise gargalhou alto. Com as mãos na barriga enquanto se curvava sobre o banco da praça em que estávamos sentadas. Minha careta continuou enquanto o efeito gelado do sorvete deixava o meu cérebro e eu tomava um longo gole de água. Hoje era um sábado e ela havia me chamado para um passeio no parque. Andamos no meio das pessoas e a cada momento, mais eu conhecia a loira. Ela cresceu em Nova York e era filha única de seus pais que ainda trabalhavam com uma sorveteria, por isso ela alegou com todas as palavras que o melhor saber era o de menta com chocolate. Eu adorava o de morango, mas achei interessante quando a loira enfiou o sorvete verde em meus lábios contra minha vontade.

Ela era uma garota diferente do que as outras amigas que eu já tive. Adora falar e sempre tem um assunto novo na ponta da língua, não pode ver um cachorro na rua que corre para fazer carinho ou puxar conversa com o dono. Eu não parei de rir um segundo sequer nas últimas três horas em que passamos juntas, sempre com uma história de sua infância ou de quando passava as férias na casa dos avós em Londres. Nenhum céu nublado era o bastante para apagar o brilho que ela irradiava.

- Rememorizar? - perguntei agora sentada sobre a grama fria enquanto o sol nos aquecia e ela assentiu.

- Minha avó dizia que sempre que uma de suas amigas terminava um relacionamento, elas iam em todos os lugares que a fazia lembrar da pessoa e criava novas memórias lá. Rememorizava uma lembrança - se virou deitando com as costas na grama e eu apoiei minha cabeça no punho a fitando.

- É isso que estamos fazendo aqui? Rememorizando? - perguntei e ela deu de ombros agora olhando o céu.

- Marcus me pediu em namoro nesse parque - exclamou virando a cabeça na minha direção. - Agora tenho uma nova memória com alguém especial - sorriu.

Senti minhas bochechas queimarem em brasas. Me virei para deitar da mesma forma em que ela estava, não me arrisquei em virar para a sua direção e deixar tão exposto o quão envergonhada eu estava com o comentário. Apesar de estar adorando conhecê-la, era visível que qualquer pessoa se contagiava com a sua alegria. As nuvens começaram a fazer formas curiosas, desconexas, mas era tão bonito de ver que nenhuma de nós teve coragem de desviar a atenção daquele momento. Mais ao fundo uma melodia conhecida ecoou. Alguém estava tocando aquela música no violino e tinha total maestria para deixar todas as notas em um tom perfeitamente agradável para os meus ouvidos.

Respirei fundo, inalando a brisa suave e o cheiro de grama cortada para dentro dos meus pulmões. Louise cantou despreocupadamente a música, com sua voz doce e com um controle vocal absurdo. Ela sabia exatamente o que estava fazendo. Me virei para olhá-la. A loira estava com os olhos fechados balbuciando as palavras despreocupadamente, quase como se esquecesse da minha presença ao seu lado. Seus braços apoiados atrás da cabeça como se os fizesse de travesseiro e os joelhos erguidos deixando a sola dos pés descalços em total contato com a grama.

De repente ela parou, ficou em silêncio e se sentou de supetão. Seu olhar se perdeu nas outras pessoas reunidas a alguns metros de nós. Me sentei confusa, ela parecia tão concentrada em observar as pessoas totalmente alheias com suas vidas que me fazia querer entrar dentro de sua mente apenas para saber o que se passava ali agora.

- Nina? - perguntou sem me olhar e eu apenas murmurei. - Qual o seu lugar favorito no mundo? - ainda sem me olhar continuou a olhar as pessoas.

- Eu não sei. Nunca parei para pensar nisso - exclamei a fitando de perfil e ela assentiu.

- Acha que nós fazemos as pessoas de casa? Como se toda a bagagem que carregamos não fosse peso algum para entrar no coração de alguém e essa pessoa te guarda em segurança lá dentro até você ser vital para a sobrevivência dela - indagou e eu suspirei.

As palavras de Louise pareciam um tanto pessoais e eu tinha minhas dúvidas se conseguia desmistificá-las. Precisava admitir que na maioria das vezes eu me sentia segura nos braços de Mark, mas não acho que quero mais ele como uma casa. Talvez ele fosse um hotel para passar a temporada ou um Airbnb para nos trazer conforto por uma semana. Se Mark algum dia foi a minha casa, ele tinha quebrado as paredes tijolos por tijolos. Ele tinha quebrado todos os vidros e jogado as louças caras contra o piso gasto, ele teria ateado fogo na sala e me deixado queimar em meio às lágrimas enquanto assistia um filme qualquer na tv, sem ao menos perceber que tudo a minha volta desmoronava em chamas.

- Alguém já foi a sua casa? - perguntei e ela virou para me fitar.

Seus olhos se acenderam quase da cor do céu e as sardas de suas bochechas pareciam cada vez mais aparentes. Ela me analisou, passeando o olhar curiosamente sobre meu rosto e descendo por minha roupa até parar em minhas mãos olhando os anéis, antes de voltar para meus olhos intensamente. Um sorriso doce surgiu em seus lábios e ela se aproximou de mim, sentando próxima ao meu lado.

- Você como uma escritora. Como definiria amar alguém? - perguntou me pegando desprevenida e ela percebeu isso rindo de leve.

- Amor. Acho que amar alguém é controverso. Como estar em um navio perdido no meio do mar e não saber para que lado seguir, apenas de noite quando as estrelas surgem no céu, é que você se localiza e sabe para onde vai. Amar alguém é tão intenso que mesmo as coisas mais sem sentido da vida começam a fazer sentido. Te faz de bobo e traz espasmos incessantes no seu coração - indaguei puxando um punhado de grama entre meus dedos. - Você deu o exemplo da casa. Amar é encontrar um lugar onde você pode ser você, sem encontrar paredes para te prender ou te segurar. Eu arriscaria até dizer que amar alguém é como viver em uma casa de campo - a olhei e vi uma ruga de confusão pender em sua testa.

- Uma casa de campo não cansaria depois de um tempo? Não seria entediante? - perguntou olhando intensamente em meus olhos.

- Se te traz tédio então, não é o seu lar - uma película de formou em seus olhos e eu então percebi que havia tocado no que parecia uma ferida ainda aberta.

Voltei a fitar o parque em silêncio. Até eu havia me impressionado com a intensidade das minhas próprias palavras e fiz uma nota mental de anotá-las assim que chegasse em casa.

E SE NOVA YORK FOR TÃO DISTANTE DE NÓSOnde histórias criam vida. Descubra agora