Meu estômago se contorcia dentro da minha barriga. Como se estivesse sendo devorado cruelmente. Eu havia perdido as contas de quantas horas eu fiquei sentada no chão do banheiro, com a cabeça encostada na beirada da banheira e com o vestido amassado, os respingos da bebida que eu tomei na balada foram totalmente despejados dentro da privada pelo meu corpo. Minha cabeça doía, mas eu não conseguia identificar se era por conta do álcool ou pelas lágrimas que escorriam incessantes pelo meu rosto.
Eu não sabia o que pensar. Minha mente sempre voltava para o rosto de Louise, para seu par de olhos azuis e as sardinhas salpicadas nas bochechas rosadas. A textura de seus cabelos loiros entre meus dedos e a sensação dos lábios colados contra os meus. Eu me sentia perdida, culpada. Eu havia beijado uma menina e tinha gostado. Me sentia suja e a única certeza que eu tinha era que se eu ainda morasse com os meus pais, provavelmente estaria na rua.
Meus pais eram devotos ao extremo dentro da igreja. Eram o que era chamado "a família perfeita abençoada por Deus". A verdade era que as pessoas de fora nunca enxergavam a realidade, o caos que eu vivi por anos dentro daquelas quatro paredes. Minha mãe era alcoólatra e teve um caso com o cunhado. Minha tia nunca a perdoou por isso e desde então vinha fazendo de tudo para fazer da vida dela um inferno. Meu pai era bonzinho o suficiente para não fazer absolutamente nada. Não passava de um covarde que só se casou com a minha mãe para usufruir da boa qualidade de vida que a família dela podia oferecer. Minha irmã servia fielmente aos pastores, até que chegou a se casar com apenas dezoito anos e agora está grávida do segundo filho. Nossa relação nunca foi das melhores. Eles sempre me acharam louca por querer ir atrás dos meus sonhos e lembro bem que minha mãe me avisou que se tudo desse errado, ela não me ajudaria financeiramente. Eu teria que me virar, mas não dispensava as críticas se eu faltasse um natal por conta da faculdade.
Eu cresci vendo que aquilo era uma visão deturpada do mundo. Dormir ao lado de uma pessoa igual a você era uma passagem só de ida para queimar no fogo do inferno e mesmo não frequentando o templo desde os treze anos, eu não queria sofrer por um único ato. Porém, o que mais me encucou foi o fato de eu ter gostado, de eu querer aquela sensação de novo. Eu queria mesmo que de forma inconsciente aquela sensação no estômago novamente, aquele rebuliço dentro de mim quando sua língua dançava com a minha.
Eu senti minha garganta arder pelo grito agudo que meus lábios exclamaram. Um soluço se instalou no meu peito e eu deixei minhas costas escorregarem pela parede do banheiro, até que eu me deitasse por completo no chão gelado. Meus olhos mal se abriram pela quantidade de lágrimas e pelos espasmos do meu corpo a cada soluço. Maldita hora que eu fui chamá-la para um café. Maldita hora que eu tive empatia pela dor que ela compartilhava. Maldita hora que eu fui nascer.
Eu namorei com Marcus por três anos e oito meses. Eu dormi com ele. Eu amava o seu corpo ,a sua voz. Tudo de masculino nele. Antes de me mudar para Nova York eu havia beijado muitos rapazes, havia dormido com alguns deles. Nunca sequer cheguei a ter esse tipo de contato com uma mulher. Nunca pensei nisso. Porque agora tudo tinha que virar de cabeça para baixo? Maldita hora.
***
No momento em que abri os olhos vi que ainda estava no banheiro. Eu havia adormecido no chão ainda com a roupa e maquiagem do dia anterior. Percebi que minha bolsa estava ao meu lado quando o som do meu alarme soou. Eu precisava me arrumar e ir trabalhar.
Respirei fundo. Minhas pernas tremiam e minhas costas doíam por ter dormido no chão duro uma noite inteira. Apenas tirei minhas roupas e entrei na banheira, ligando o chuveiro. Deixei a água quente cair sobre os meus cabelos e lavar os resquícios de vômito que ficaram sobre o meu corpo. Esfreguei meu rosto, me livrando da maquiagem e desci o sabonete para o meu corpo, mas quando chegou na altura da cintura, meus olhos se fecharam fortemente. Eu ainda sentia o toque de Louise delicado em minha cintura.
Me enrolei rapidamente na toalha e voltei ao quarto vestindo a primeira roupa que encontrei no armário. Apenas penteei meu cabelo e deixei minha casa na direção da livraria. O clima frio do inverno que se aproximava bateu fortemente contra o meu rosto, fazendo eu me arrepender de ter molhado o cabelo e tremer dentro do casaco.
Durante boa parte do dia eu fiquei de olho nas prateleiras. Coloquei livros no lugar e coloquei o preço em outros. Não me atrevi a chegar perto do caixa e mesmo com a barriga roncando por não ter comido nada o dia inteiro, não sei se conseguiria preencher o meu estômago com qualquer alimento que fosse.
- Tudo bem? - saltei pelo susto vendo que Jack me estendia uma xícara de café. - Você está estranha hoje. Aconteceu alguma coisa?
Aconteceu. Eu beijei uma garota e gostei.
- Estou bem - exclamei voltando a colocar o preço nos livros e pude ouvir a respiração pesada do meu amigo ao deixar a xícara na mesa mais próxima.
Jack se sentou em uma cadeira e percebi que seu olhar permanecia sobre mim. Suas mãos segurando outra xícara e suas pernas cruzadas na frente do corpo. Eu suspirei.
- Terminar um relacionamento é um processo doloroso. Dê um tempo para o seu coração - ele indagou com a voz suave, cuidadosa. Eu respirei fundo negando.
- Não estou nem pensando no Marcus - sussurrei mais para mim, mas pude ter certeza de que ele ouviu.
- Um dos processos do luto é a negação - continuou a me olhar. - São esses processos que nos fazem...
- Eu beijei uma garota - o cortei rapidamente.
Mal acreditei nas palavras que saíram da minha boca. Apenas senti meus olhos arderem e um nó se formar em minha garganta.
- Você o que? Quem? - o olhei de relance e pude ver seus olhos arregalados. - Você é? Você sabe - sacudiu os ombros e eu me virei encostando as costas nas prateleiras.
- Eu não sei - minha voz saiu embargada. Eu iria desabar ali mesmo. - Estou tão confusa - senti as lágrimas escorrerem por minhas bochechas e Jack se levantou rapidamente.
- Tá tudo bem! - Jack me puxou para seus braços, me envolvendo em um abraço apertado. - Não tem nada de errado nisso. Eu sou gay e jamais te julgaria por alguma coisa - disse suavemente perto do meu ouvido.
Ele depositou um beijo delicadamente no topo da minha cabeça. Eu o agarrei mais contra mim deixando todo o choro contido sair. Minhas lágrimas molharam a camisa dele, mas ele apenas me apertou mais contra si. Chorei por tudo. Chorei por Mark. Chorei pela minha família. Chorei principalmente por Louise e por eu tê-la largado na rua e entrado no táxi sem olhar para trás.
E eu me odiava por isso.
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E SE NOVA YORK FOR TÃO DISTANTE DE NÓS
RomantikNina finalmente segui vivendo sua vida como sempre planejou. Um namoro estável, um bom emprego e o apartamento de seus sonhos foram o pontapé inicial para que toda aquela perfeição fosse jogada pelo ralo. Após uma noite onde deveria ser apenas uma...